Uma das estratégias possíveis para enfrentamento da crise climática e da perda de biodiversidade é a proteção das áreas naturais remanescentes. E o município, tal qual o estado e a nação, tem a autonomia para criar unidades de conservação dentro do seu território, seja pelo legislativo através das câmaras de vereadores, quanto diretamente com uma canetada do prefeito.
Entre 2021 e as eleições que se aproximam este ano – tempo do último mandato – os representantes municipais foram responsáveis pela criação de um total de 98 unidades de conservação municipais, de acordo com dados do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC) – o número não considera as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) reconhecidas em âmbito municipal, pois são criadas por iniciativa privada.
Houve unidades de conservação (UCs) criadas em todos os biomas, com exceção do Pantanal. A maioria são parques naturais (38), seguido pelas Áreas de Proteção Ambiental (APAs, com 26) e, mais distante, pelos Refúgios de Vida Silvestre (11), Monumentos Naturais (10), Áreas de Relevante Interesse Ecológico (8), Reservas Biológicas (3) e Estações Ecológicas (2).
O município que mais criou unidades de conservação entre 2021 e 2024 (até 16/09) foi Rondonópolis, no sudeste de Mato Grosso, com a surpreendente quantidade de 19 UCs; seguida por Rio de Janeiro e São João da Barra, ambas no estado do Rio e empatadas com 5 UCs.
Completam a lista dos “Top 10” os municípios de Paranaguá (PR) e Florianópolis (SC), com 3 UCs; Guapimirim (RJ), Pitanga (PR), Porto Velho (RO), Quissamã (RJ) e Saúde (BA), todas com duas unidades de conservação municipais criadas no período. (confira a lista completa de UCs criadas no final do texto)
Puxado por Rondonópolis, o estado que concentrou o maior número de criação de UCs foi Mato Grosso, com 23 no total. Em segundo lugar vem o estado do Rio de Janeiro, com 22. A terceira posição fica com Goiás, que apesar de não ter um município em destaque com mais áreas protegidas, teve 13 municipalidades distintas que criaram UCs no período.
Na relação entre os biomas, 41 das UCs criadas estão na Mata Atlântica; 36 no Cerrado; 6 na Amazônia; quatro na Caatinga; uma Marinha e uma no Pampa. Há ainda nove UCs que protegem dois biomas em seu território, com destaque para combinação de ambiente Marinho e Mata Atlântica, que caracterizam seis das UCs municipais criadas no período.
Quem é Rondonópolis, líder em UCs municipais nos últimos anos
O município que mais criou unidades de conservação nos últimos quatro anos foi Rondonópolis, em Mato Grosso, com a quantidade surpreendente de 19 novas áreas protegidas. Num verdadeiro mutirão de decretos comandado pelo atual prefeito José Carlos Junqueira de Araújo (Solidariedade), conhecido como Zé do Pátio.
O chefe do executivo municipal foi reeleito nas últimas eleições e não disputará as urnas neste ano, mas escolheu como sucessor Paulo José (PSB), um dos três candidatos ao cargo, ao lado de Claudio Ferreira (PL) e Thiago Silva (MDB).
Ao todo, o território protegido criado apenas no último mandato do prefeito soma mais de 1,5 mil hectares de Cerrado, o equivalente a menos de 1% do território do município.
As três maiores unidades de conservação foram todas criadas em 2024. A Área de Relevante Interesse Ecológico Rio Vermelho, com 433 hectares, decretada em julho deste ano; a Reserva Biológica Resistência Popular, com 347 hectares, de agosto; e a Reserva Biológica Arco Verde, com 257 hectares, criada em maio.
Além disso, em janeiro, foi ampliada a extensão do Parque Natural Municipal das Araras – que havia sido criado por ele, em 2023 – de 65 para 229 hectares totais.
Apoiado por Zé do Pátio, o candidato Paulo José lista 11 objetivos na parte sobre meio ambiente de seu plano de governo. Entre eles estão: manter e ampliar o projeto de conservação das nascentes de rios e córregos no perímetro urbano e rural de Rondonópolis; instituir e revitalizar áreas verdes e parques ambientais; e implementar um plano de prevenção de queimadas.
Já o plano de governo do candidato Thiago Silva, que tem figurado na frente nas pesquisas de intenção de voto, foca em reciclagem, arborização urbana e paisagismo da cidade, citando apenas a recuperação de rios e nascentes, além da “construção de novos parques e áreas verdes”.
Raio-x de Rondonópolis
Rondonópolis está localizada no sudeste mato-grossense e abarca um território aproximado de 480 mil hectares (ou 4.824 km², o equivalente a quase quatro vezes o terriório do município do Rio de Janeiro), parte inserida nos domínios no Cerrado e parte no Pantanal. Com uma população aproximada de 250 mil pessoas, o município está entre os 50 maiores PIBs do estado de Mato Grosso de acordo com o IBGE. O município conta com uma Secretaria Municipal de Meio Ambiente desde 2005.
De acordo com o sistema de alertas e monitoramento Deter, do INPE, entre 1º de janeiro de 2021 e 9 de setembro de 2024, o município registrou um desmatamento de 2,12 km² de Cerrado, o equivalente a 212 hectares.
Rio de Janeiro: a vitória de Camboatá e outras UCs
Entre 2021 e 2024, durante o mandato do prefeito Eduardo Paes (PSD) foram criadas 5 unidades de conservação municipais no Rio de Janeiro. A mais emblemática delas, fruto de uma queda de braço de anos, foi o Refúgio de Vida Silvestre da Floresta de Camboatá. A criação do refúgio, com 171 hectares, teve origem em um projeto de lei aprovado entre os vereadores e sancionado em dezembro de 2021 pelo atual prefeito.
A proteção da Floresta do Camboatá, que estava na mira da construção de um autódromo desde 2018, foi um compromisso firmado pelo prefeito carioca durante sua campanha.
O atual prefeito assinou ainda o decreto de criação da Área de Proteção Ambiental (APA) das Serras de Inhoaíba, Cantagalo e Santa Eugênia, em maio de 2022, que cobre uma área de 2.228 hectares e abrange sete bairros na zona oeste da cidade.
Também na zona oeste foram criadas a APA Sertão Carioca, com 2.847 hectares, em outubro de 2021 e ampliada para 3.247 hectares no ano seguinte; o Refúgio de Vida Silvestre dos Campos de Sernambetiba, com 557 hectares; e a Área de Relevante Interesse Ecológico Floresta da Posse, com 171 hectares.
Eduardo Paes concorre à reeleição neste outubro, para mais quatro anos à frente do Rio de Janeiro. Contra ele estão oito candidatos: Alexandre Ramagem (PL), Carol Sponza (Novo), Cyro Garcia (PSTU), Henrique Simonard (PCO), Juliete Pantoja (UP), Marcelo Queiroz (PP), Rodrigo Amorim (União Brasil) e Tarcísio Motta (PSOL).
As propostas apresentadas preliminarmente por Paes para um possível novo mandato são breves no que diz respeito à área ambiental, com foco na prevenção de desastres, e na arborização de bairros na zona norte da cidade para combater as ilhas de calor.
Em segundo lugar nas intenções de voto, Ramagem também é breve e genérico nas propostas relacionadas ao meio ambiente em seu programa de governo. “A ampliação da criação e manutenção de parques e áreas verdes na cidade é fundamental, garantindo que sejam espaços acessíveis e atrativos para a população, promovendo a conservação da biodiversidade”, defende Ramagem, que também promete realizar parcerias público-privada e concessões onde foram viáveis.
Além disso, o candidato cita o objetivo de trabalhar o turismo como alternativa econômica para reverter a degradação ambiental e gerar oportunidades de negócio, e o reflorestamento de encostas e margens de rios.
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São João da Barra e o ICMS Ecológico
A cerca de 300 quilômetros da capital fluminense, no litoral norte do estado, o município de São João da Barra protagonizou a criação de outras cinco unidades de conservação municipais, sendo quatro APAs e um Refúgio de Vida Silvestre. Somadas, as áreas representam mais de 3 mil hectares – a maior delas o Refúgio de Vida Silvestre da Lagoa do Taí, criado em agosto de 2021 com 1.461 hectares.
A criação das unidades de conservação municipais no estado do Rio tem como incentivo garantir fatias maiores do ICMS Ecológico, valor repassado pelo governo estadual aos municípios fluminenses de acordo com critérios ambientais, entre eles a presença de UCs no território.
O programa de ICMS Ecológico do estado do Rio de Janeiro transfere uma alíquota do imposto recolhido (2,5% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS) aos municípios. O repasse é feito a partir dos índices obtidos por cada um deles em campos como gestão dos resíduos sólidos, coleta e tratamento de esgoto, e áreas protegidas. A pontuação em cada uma dessas áreas garante o cálculo do Índice Final de Conservação Ambiental (IFCA), que reflete no valor que será recebido pela prefeitura. Quanto melhor o índice, maior a fatia do repasse que a cidade recebe. (Lei Estadual n° 5.100/2007)
Desde sua criação, o ICMS Ecológico tornou-se o principal indutor de boas práticas na gestão ambiental dos municípios fluminenses e em 2024 fez o repasse de R$283,9 milhões aos 91 municípios habilitados – uma das maiores cifras desde que começaram os repasses, em 2009.
Em 2024, a estimativa é que o município de São João da Barra receba um total de R$2.096.759 do governo fluminense através do ICMS Ecológico, referente ao índice obtido em 2023. A maior parte do valor recebido pela prefeitura é justamente devido às unidades de conservação, de todas as esferas de governo, presentes no território.
Eleita em 2020, Carla Machado (PT) renunciou à prefeitura em abril de 2022 para concorrer às eleições de deputada estadual, deixando o cargo para sua vice, Carla Caputi (União), que agora busca vencer as urnas por conta própria.
Das 5 UCs municipais criadas em São João da Barra, apenas duas estão na conta de Caputi, as APAs das Dunas e Restingas; e do Veiga, que juntas somam aproximadamente 700 hectares em área Marinha e de Mata Atlântica.
Em seu programa de governo, a candidata e atual prefeita lista, entre suas ações pro meio ambiente, que irá “construir um Parque Ambiental”, sem maiores detalhes do que exatamente seria isso. Caputi prevê ainda “proteger os mananciais superficiais e subterrâneos disponíveis principalmente o Rio Paraíba do Sul e Aquífero Emborê”.
A maior ênfase do plano ambiental está na reciclagem, no saneamento e no lixo.
Na corrida eleitoral contra Caputi está o candidato Danilo Barreto (NOVO). Seu plano de governo – que destaca os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) elencados pelas Nações Unidas – é breve no que diz respeito ao meio ambiente, com foco na educação ambiental. Danilo cita ainda o reflorestamento de matas ciliares e restingas.
O ICMS Ecológico não é citado nos planos de nenhum dos dois candidatos.
As 98 unidades de conservação
Confira a lista completa de todas as UCs municipais criadas entre 2021 e 2024 (Fonte: Cadastro Nacional de Unidades de Conservação – CNUC, consultado em 16/09/2024).