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A última rodada de negociações do Tratado de Plásticos começou. E o que isso tem a ver com a Amazônia?

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A última rodada de negociações do Tratado de Plásticos começou. E o que isso tem a ver com a Amazônia?

Busan, Coreia do Sul – A quinta e última sessão do Comitê Intergovernamental de Negociação (INC, na sigla em inglês) do Tratado Global contra a Poluição Plástica, começou nesta segunda-feira (25), em Busan, na Coreia do Sul, com o desafio de que 175 países cheguem a um entendimento sobre o que fazer, afinal, para lidar com o assunto. Isso depois dos negociadores terem acabado de sair de duas COPs com resultados considerados decepcionantes por ambientalistas (a do Clima e a da Biodiversidade). Mas enquanto as delegações discutem o futuro a portas fechadas, cientistas seguem alertando para a vastidão do alcance do  plástico, encontrado tanto em humanos como em animais, e por todo o planeta, inclusive na maior floresta tropical do mundo, a Amazônia.

Um exemplo disso é a descoberta de pesquisadores de que aves da região estão usando plástico para fazer seus ninhos. O artigo, publicado em outubro deste ano, foi o primeiro registro do tipo para as espécies de Japiim ou Xéxeu (Cacicus cela) e Bem-te-vi (Pitangus sulphuratus) e também foi o primeiro trabalho sobre o tema no estado do Amapá. Em campo, os cientistas observaram um total de 15 ninhos com a presença de plástico não só no Amapá, mas também Pará e Maranhão, o que acendeu um alerta sobre a presença do plástico e as possíveis consequências ao bioma amazônico.

A ideia do estudo partiu de uma observação da própria comunidade local, que comentou sobre o fenômeno com o Observatório de Lixo Antropogênico Marinho (Olamar), que reúne pesquisadores de diversas instituições da costa amazônica. “Os relatos eram de uma praia onde há um grande volume de artefatos de pesca, como as redes e as boias. Pedi para me levarem lá e quando vi aqueles ninhos azuis de tanto plástico fiquei chocada”, lembra a pesquisadora do Observatório Raqueline Monteiro, uma das autoras. 

Oceanógrafa e especialista em poluição marinha, ela explica que provavelmente as aves usam esse plástico para os ninhos por conta da alta disponibilidade do material no ambiente costeiro. Além disso, é possível que considerem a resistência do plástico na escolha. “É preciso fazer um estudo a longo prazo para entender melhor esse comportamento das espécies. Também é importante analisar se esses plásticos estão impactando a saúde das aves, em espécie os filhotes que podem engatar em algum fio, ou se os microplásticos podem estar afetando, mas ainda é cedo pra dizer”, pondera.

Tartarugas de água doce também ingerem plástico

Outra pesquisa finalizada neste ano atestou, pela primeira vez, a ingestão de plástico e celulose artificial por quelônios de água doce na Amazônia. De acordo com uma das autoras, Ana Laura Santos, bióloga e pesquisadora de ecologia aquática da Universidade Federal do Pará, o estudo considerou uma amostra de 25 espécimes de Tracajá (Podocnemis unifilis) e 10 de Muçuã (Kinosternon scorpioides), dois cágados comuns na região. 

Eles analisaram o estômago da primeira espécie e as fezes da segunda e encontraram muitos fragmentos de microplásticos que submeteram à análise laboratorial. O componente mais presente foi a celulose artificial, encontrada em roupas, por exemplo, possivelmente por conta da lavagem de roupas na beira do rio, que é comum na região onde os animais foram coletados, na Ilha do Marajó e na extensão do rio Iriri. Outros componentes foram encontrados, como o polietileno, que pode ter vindo da decomposição de garrafas de refrigerante ou de redes de pesca, e a poliamida, que também pode vir da lavagem de roupas. “A coleta dos espécimes foi feita em 2017. Hoje pode ser que esteja pior”, enfatiza Santos, que defendeu sua tese de doutorado com base nessa pesquisa e escreveu um artigo sobre em conjunto com outros 11 pesquisadores.

A pesquisadora recomenda que mais estudos sejam feitos para entender se o plástico é absorvido por outras partes desses animais e que impactos isso pode trazer para o animal e, consequentemente, para a cadeia alimentar local. “Agora é tentar estudar também em mais regiões da Amazônia e entender se esse plástico está sendo ingerido por mais espécies, se está influenciando em algo na vida deles, se ele sofre ao ingerir os plásticos”, sugere.

Mais de 10 mil resíduos de plásticos encontrados nas praias da Amazônia

Mesmo com a proteção natural do maior cinturão de manguezais do mundo e com uma pressão turística menor que em outras regiões, as praias da costa amazônica também não estão livres do plástico. Uma expedição científica realizada pela ONG Sea Shepherd Brasil constatou a presença de 8,5 mil resíduos classificados como macroplásticos (resíduos de plástico acima de 5 milímetros) e 2 mil microplásticos (no caso desta pesquisa, foram considerados aqueles de 1mm a 5mm) em 46 praias do Amapá, Pará e Maranhão. “Esse estudo é apenas uma fotografia da situação do plástico no país, mas já indica a onipresença da poluição plástica marinha no Brasil e na costa amazônica”, informa Nathalie Gil, presidente e CEO da ONG no Brasil.

De acordo com ela, até em reservas ambientais a cena é preocupante, porque mesmo se não houver descarte indevido de resíduo diretamente no local, o plástico pode chegar ali por outros modos: pelo oceano e por rios e, em outros casos, o lixo que para nos lixões pode chegar perto de corpos d’água e, sequencialmente, no mar. “Olhando para a Costa Norte, tiramos um grande aprendizado que é de que os planos de proteção, de manejo ou de gestão de áreas preservadas precisam contemplar a gestão de resíduos dessas áreas”, recomenda.

Diante desse cenário, Gil acredita que o Tratado de Plásticos é uma ferramenta essencial para trabalhar a nível mundial, mas argumenta que é precisa focar mais em cortar a produção pela raiz. “O Tratado de Plástico está muito aquém da urgência desse problema. Ele trata muito sobre como resolver o plástico que já chegou ao meio ambiente, mas precisamos fechar a torneira do plástico, senão estaremos enxugando gelo”, critica.

Enquanto isso, em Busan, impasses continuam

Em um fuso horário de 12h à frente da Amazônia brasileira, em Busan, na Coreia do Sul, os negociadores têm agora seis dias para fechar o acordo global. Apesar do tempo curto, os países enfrentam dificuldades de concordar até mesmo com os procedimentos para seguir as próximas conversas. Há duas opções na mesa: a proposta (non paper) mais resumida apresentado pelo embaixador equatoriano Luis Vayas Valdivieso, presidente do INC, em outubro; ou o texto compilado entregue depois do INC-4, em abril, que, além de ser denso, possui ainda várias questões em aberto. Entenda mais aqui.

Desse modo, o evento em Busan iniciou com uma plenária de três horas de duração na manhã de segunda-feira (25), onde o principal debate foi escolher qual o texto-base para seguir nos próximos dias de negociação. Muitos países sinalizaram que concordavam com as indicações do non paper, mesmo que com a adição de outros pontos não contemplados no texto. No entanto, o grupo conhecido como Like-Minded – onde estão os países produtores de petróleo, como é o caso da Arábia Saudita e Rússia –, repetiu várias vezes durante a plenária que defende seguir o texto compilado e, mais do que isso, disse seguidamente que o acordo deve ser baseado em consensos, e não em outros métodos, como a votação por maioria. “É importante ressaltar que a vasta maioria dos países está aqui para negociar de verdade, mas, infelizmente, perdemos metade do dia com questões procedurais e há uma pequena minoria de países que está tentando bloquear o progresso [da negociação]” , comentou Graham Forbes, líder da delegação do Greenpeace no INC-5, ao final do dia.

Inger Andersen, Diretora Executiva da UNEP, apresenta carta escrita por criança da Nigeria sobre poluição marinha. Foto: UNEP/Divulgação

Para Inger Andersen, Diretora Executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA, em português, e UNEP em inglês), as delegações precisam ter boa vontade e foco para resolver três impasses centrais: os de componentes químicos e produtos plásticos; produção sustentável do plástico; e o financiamento – este último, vale ressaltar, também foi dilema nas COPs deste ano. 

Na plenária de abertura, Andersen comentou que o PNUMA recebeu cartas de milhares de crianças do Quênia, onde fica a base da ONU. Uma delas falava sobre a preocupação de um garoto em ficar sem comida, já que os peixes estão comendo plástico onde a comunidade vive e, adicionalmente, a queda na pesca também fez com que os pais da criança não tivessem mais dinheiro para pagar sua educação, ressaltando os desdobramentos da poluição plástica localmente. 

“Nenhuma pessoa neste planeta quer ver lixo plástico em espaços verdes, em suas ruas ou em suas praias. Nenhuma pessoa quer partículas de plástico com produtos químicos em sua corrente sanguínea, em seus órgãos ou em seus bebês que ainda não nasceram. As pessoas que dependem de peneirar resíduos plásticos para viver prefeririam fazê-lo em condições decentes, seguras e bem remuneradas. Portanto, o mundo quer o fim da poluição plástica”, declarou a diretora executiva do PNUMA.

Como parte da bolsa de reportagem 2024 da Internews/Earth Journalism Network, a jornalista Alice Martins Morais faz a cobertura presencial do INC-5, em Busan, Coreia do Sul, de 25 de novembro a 1º de dezembro.