A legislação pede que seja mantida vegetação natural em imóveis privados e ao redor de cursos d’água, nascentes e outras áreas ambientalmente sensíveis. O que cada fazenda não deve desmatar varia por bioma, da Amazônia ao Pampa.
Percentuais conservados acima do legalmente exigido são chamados de “excedentes”. Até o ano passado, o país somava 680 mil km2 dessas áreas, um território maior que o do vizinho Peru.
Ao mesmo tempo e pressionado pelo avanço do agronegócio, o Cerrado perdeu 60 mil km2 de “excedentes”, apenas de 2022 a 2023. O montante é similar ao território da Paraíba. No período, a vegetação natural do bioma caiu de 310 mil km2 para cerca de 240 mil km2.
A análise foi divulgada hoje (5) pelo Termômetro do Código Florestal, ferramenta mantida por ongs e universidades públicas que acompanha a implantação da legislação de 2012 para proteger a vegetação nativa brasileira.
“A perda alerta em relação à crescente pressão sobre o bioma”, disse Jarlene Gomes, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), ong científica atuando desde 1995 pelo desenvolvimento sustentável da floresta equatorial.
Para a especialista, é preciso fortalecer políticas que estimulem a conservação, como do pagamento por serviços ambientais (PSA) e dos créditos de carbono. A de PSA está ativa desde 2021. Aprovada no Congresso, a lei do mercado nacional de créditos de carbono aguarda sanção presidencial.
Diretor-executivo do Ipam, André Guimarães lembra que a execução dessas agendas depende da proteção da vegetação nativa. Conforme ele, conservar contribui diretamente para equilibrar o clima, para aquecer economias e atende exigências de mercados globais.
“Esse é um debate estratégico para o Brasil e o planeta”, destacou.
Altos e muito baixos
Análises do Termômetro do Código Florestal apontam que menos de 2% dos mais de 7,5 milhões de Cadastros Ambientais Rurais (CAR) no país foram analisados pelos estados, ou 117 mil registros. O cadastro é exigido em lei para a regularização ambiental de fazendas.
“É essencial a articulação entre os governos federal e estaduais e parcerias com a sociedade civil pelo fortalecimento da governança e na consolidação das soluções para avançar na implementação da lei”, avalia Jarlene Gomes.
Os dados também mostram que há no Brasil mais de 740 mil km2 de imóveis rurais sobrepostos com terras indígenas, unidades de conservação e territórios quilombolas, assentamentos e florestas públicas não destinadas.
Isso equivale a pouco mais de três vezes a área do estado de São Paulo e representa um aumento de 124 mil km2 sobre o verificado no ano passado.
A grande maioria dos sombreamentos (82,5%) com áreas protegidas está na Amazônia e envolve especialmente grandes propriedades rurais.
“Os dados reforçam a urgência de medidas como avançar na análise do CAR, destinar terras públicas e fortalecer a fiscalização para conter o avanço da ocupação ilegal, proteger direitos de povos e comunidades tradicionais e garantir a conservação dos ecossistemas”, afirma a pesquisadora do Ipam.
Tragédia comum
Desrespeito à legislação, letargia e falhas na implantação da lei protetora da vegetação nativa de 2012 aumentam o sofrimento de pessoas que vivem e trabalham diretamente em áreas conservadas na savana brasileira.
A situação é explicitada no minidoc “Expedição Cerrado – Passaporte para o Futuro”, lançado ontem (4) na Câmara dos Deputados.
Os cerca de 20 minutos da produção revelam um bioma, comunidades tradicionais e indígenas sob alta pressão do desmate, falta d’água e violação de direitos.
“O documentário é contado por quem sente primeiro os efeitos da destruição do Cerrado”, ressaltou Ingrid Silveira, secretária-executiva da Rede Cerrado, que conecta mais de 300 organizações socioambientais de todo o bioma.
*Com informações do Observatório do Código Florestal (OCF).