Segue o impasse sobre a continuidade da construção do complexo viário ligando as avenidas Sena Madureira e a Ricardo Jafet, na Vila Mariana, zona sul da capital paulista. A obra prevê o corte de 172 árvores de grande porte que hoje formam o Corredor Verde Ibirapuera-aclimação. Dentre outras funções ecossistêmicas, a área verde combate a formação de ilhas de calor na região, que conta com intenso fluxo de carros. Os impactos ambientais e sociais são amplos e uma liminar solicitada pelo Ministério Público (MP-SP) paralisou a obra no último dia 13 de novembro, após recomendação não acatada pela Prefeitura dias antes.
“A obra está parada, mas acompanhamos a presença diária de segurança nos canteiros e vez ou outra uma movimentação de funcionários da empreiteira [responsável pela obra] na área da [avenida] Sousa Ramos.”, relata ao ((o))eco Camila Pinotti, representante do movimento que hoje reúne centenas de cidadãos contrários ao complexo viário.
“No dia seguinte à liminar a empreiteira quis dar continuidade aos trabalhos, mesmo nosso grupo levando e mostrando a liminar impressa. Avisamos que o trabalho estava sendo registrado e que levaríamos ao Ministério Público, comprovando que estavam desrespeitando a liminar. Só assim pararam, mas o engenheiro responsável se negou a falar com nossos representantes no dia”, acrescenta.
O contrato que promove a drástica alteração na paisagem e a intensa supressão verde foi fechado em 2011, quando a cidade estava sob a gestão de Gilberto Kassab (atual PSD, à época DEM) e suspensa em 2013, já com Fernando Haddad no comando do executivo municipal. Em 2018, na esteira das investigações da Operação Lava-Jato, Dario de Queiroz Galvão Filho afirmou em delação premiada que Kassab havia direcionado a licitação de um túnel na Sena Madureira para que a Galvão Engenharia fosse a vencedora em troca da doação de R$1 milhão para o diretório nacional do DEM. O caso foi inserido nas investigações sobre supostas propinas recebidas pelo atual presidente do PSD por construtoras e empreiteiras. O inquérito foi arquivado no último mês de março.
A Galvão Engenharia foi condenada em 2022 pela Controladoria Geral do Município de São Paulo devido a fraudes em contratos no Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Estratégico Metropolitano. Embora tenha mudado de nome – de Queiroz Galvão para Álya – o mesmo grupo empresarial segue hoje à frente da obra na Sena Madureira. Inicialmente, o valor previsto para a construção dos dois túneis que compõem o complexo viário era de aproximadamente R$ 200 milhões. Hoje, estima-se que serão necessários pelo menos R$530 milhões para a finalização do complexo.
Narrativa ambiental em disputa
A presença da nascente e do Córrego Embuaçu qualificam o território da obra como Área de Preservação Permanente (APP), de acordo com o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012). O Estudo de Viabilidade Ambiental (EVA) apresentado no licenciamento ambiental cita a presença do córrego e chega a indicar a importância do cuidado com os corpos hídricos presentes na região. Já o Termo de Compromisso Ambiental (TCA) firmado pela Construtora com a Prefeitura nega a existência da nascente e do córrego, bem como a tipificação da área enquanto APP. A supressão arbórea já realizada levou ao tamponamento parcial do córrego Embuaçu.
“Esse é um dos pontos que reclamamos ao Ministério Público, porque existem documentos da própria prefeitura que comprovam a existência de nascente na área de preservação permanente anexa à comunidade Souza Ramos. Inclusive com obras de proteção à nascente realizadas pela Prefeitura em 2019, decorrente da queda de um muro. Mas nas oportunidades, raras, que conseguimos confrontar a empreiteira quanto a existência da nascente, a resposta é sempre que desconhecem ela, mesmo estando ali, a olhos vistos no terreno e aparecendo em todos os mapas e registros técnicos da prefeitura de São Paulo”, aponta Camila Pinotti.
A área verde é também uma Zona Especial de Proteção Ambiental (ZEPAM), o que indica um descumprimento de normativas legais de APP e do zoneamento.
Procurada por ((o))eco, a empreiteira Álya não se pronunciou sobre a continuidade das obras após a liminar que determinou a sua paralisação e sobre a divergência sobre a existência do córrego Embuaçu. O espaço segue aberto.
Mobilização
Autorizada pela SVMA (Secretaria do Verde e Meio Ambiente) paulistana, a intervenção para a remoção das árvores no canteiro central da Sena Madureira causou surpresa e espanto aos moradores da região. Segundo relatam, os avisos sobre a execução da obra iniciaram praticamente quando ela se iniciou em setembro último.
Na única audiência pública que a subprefeitura da Vila Mariana divulgou, a presença de moradores foi expressiva. “Alegaram não ter como apresentar o projeto por falta de microfone. Prometeram remarcar para outra data e isso nunca se cumpriu. Foi nessa noite, de forma espontânea, que os moradores do bairro se manifestaram com uma caminhada até a Rua Sena Madureira. E desse movimento nos organizamos, criamos grupos, fazemos vigílias diárias tanto na rua quanto na comunidade Souza Ramos para impedir o avanço da obra, o corte das árvores e que as pessoas sejam desalojadas”, completa Camila. Estabelecida em 1945, a comunidade Souza Ramos conta hoje com aproximadamente 200 famílias que serão deslocadas a contragosto caso o complexo viário avance.
Em suas ações de defesa da área verde, os moradores e ativistas passaram por momentos de tensão junto à Guarda Civil Metropolitana (GCM). Pelo menos duas pessoas chegaram a ser detidas por entrar no canteiro de obras e abraçar árvores para impedir que fossem removidas. Guardas usaram spray de pimenta contra os manifestantes.
O que diz a Prefeitura
Ao ((o))eco, a Prefeitura de São Paulo informa em nota que a intervenção prevê melhor fluidez do trânsito, comportando ônibus e veículos utilitários e garantindo a interligação entre a Vila Mariana, Ipiranga, Itaim Bibi e Morumbi.
Afirma ainda que a obra respeita todas as exigências relativas a questões ambientais, foi autorizada pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente e terá compensação ambiental com plantio de 266 mudas arbóreas dentro do perímetro da obra com espécies nativas, número superior aos exemplares a serem suprimidos.
Ainda segundo a nota, o município recorreu da decisão que determinou a suspensão da obra. O pedido ainda não foi apreciado.