A 16ª sessão da Conferência das Partes (COP16) da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, realizada em Riade, na Arábia Saudita, terminou com alguns avanços, porém sem o mais esperado deles: a adoção de um protocolo global e vinculante de combate às secas. O instrumento, defendido na abertura da conferência por países africanos, teve oposição de partes como EUA, União Europeia e Argentina, que defenderam o uso de estruturas já existentes e abordagens descentralizadas e não-vinculantes.
A proposta foi uma das 7 elencadas no relatório entregue em agosto pelo Grupo de Trabalho Intergovernamental sobre a Seca (IWG), parte da estrutura da convenção. Seria estabelecido um objetivo global, com metas e indicadores que serviriam como “traduções tangíveis, de curto-prazo e acionáveis do objetivo geral da política”. Eram previstos ainda mecanismos de monitoramento, comunicação de informações e aprendizado, que ajudariam os países a se manter dentro dos parâmetros estabelecidos, com transparência e cooperação entre si.
O protocolo poderia oferecer uma “abordagem jurídica ampla e abrangente para enfrentar a seca em todos os níveis”, segundo o relatório. Sua adoção, porém, demandaria algum tempo para que os países avaliassem as mudanças necessárias em suas leis, trazendo também os desafios de se criar um “arcabouço aplicável e balanceado, relevante para todas as regiões vastamente diferentes”, pontuou o documento.
As outras opções apresentadas pelo IWG foram uma emenda à convenção, também vinculante; a adoção de uma decisão colaborativa com o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), para aumentar o financiamento à resiliência contra secas; fortalecer a capacidade de acesso das partes ao financiamento e à implementação de seus planos nacionais de combate às secas por meio do Mecanismo Global, uma das estruturas internas da convenção; uma declaração política formal de autoridades de alto nível; e uma resolução “especial e ambiciosa” sobre secas – embora não exista um mecanismo que obrigue as partes a seguirem esse tipo de decisão.
“Entre as 7 opções apresentadas pela COP, a África defendeu o protocolo contra as secas. Nós estávamos seriamente apresentando isto como africanos, porque somos o continente mais afetado. Esta é uma das opções políticas mais abrangentes e proativas que irão abordar de forma efetiva e proativa as secas ao redor do mundo”, defendeu Charles Lange, vice-diretor da Autoridade Nacional de Gestão Ambiental do Quênia, citado pelo African Climate Wire.
Ao mesmo veículo, o vice-ministro do Meio Ambiente da Arábia Saudita e conselheiro da presidência da COP16, Osama Faqeeha, lembrou que a convenção já prevê mecanismos contra a degradação dos solos e a desertificação, através da meta de Neutralidade de Degradação de Solos (LDN, na sigla em inglês). “O que falta é um instrumento para a seca”, cobrou.
Nos grupos de contato e reuniões informais – locais onde as partes negociam ao longo dos dias –, porém, não houve consenso sobre qual ou quais soluções adotar (poderiam ser adotadas mais de uma ou mesmo todas em conjunto). “As partes precisam de mais tempo para chegar a um acordo sobre o melhor caminho a seguir”, resumiu Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da convenção, em seu discurso de encerramento ao fim da COP, na manhã do último sábado (14) – um dia após o dia previsto para o encerramento, que levou mais tempo que o planejado na esperança de se chegar a um acordo. A questão continuará sendo discutida na COP17, marcada para julho de 2026, na Mongólia.
Outras decisões trazem avanços
Apesar da falta de acordo naquela que era vista como a mais importante medida a ser tomada na conferência, outras 39 decisões foram adotadas ao longo dos 12 dias de COP, reportou o Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD). “Depois da plenária de encerramento, um delegado experiente observou que, embora tenha havido negociações difíceis, algumas das decisões foram as mais fortes e inovadoras já saídas de uma COP da Desertificação”, diz o resumo geral produzido pelo instituto.
Entre as medidas estão a criação de dois novos comitês representativos (“caucus”) para a convenção: um para Povos Indígenas e outro para Comunidades Locais, em proposta articulada pelo Brasil, que se juntam aos comitês de Gênero e de Juventude. A representação brasileira, reportou o IISD, “argumentou que a convenção deve permitir que os mais vulneráveis influenciem na tomada de decisões, destacando os comitês de Povos Indígenas e de Comunidades Locais da Convenção sobre Diversidade Biológica [CBD, na sigla em inglês]”.
“Os Ministérios dos Povos Indígenas (MPI) e do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) lideraram a articulação das demandas dos povos de diferentes países para a criação da instância de negociação, que vai funcionar como um espaço de debate e integração dos povos de diversas partes do mundo”, resumiu o governo federal. “Como uma comunidade internacional, é essencial que aproveitemos o conhecimento, a experiência e a expertise daqueles impactados pela degradação da terra, desertificação e seca”, declarou o saudita Osama Faqeeha, citado pelo MPI.
“Hoje foi feita história”, afirmou o australiano Oliver Tester, representante indígena presente na conferência. “Estamos ansiosos para defender nosso compromisso de proteger a Mãe Terra através de um comitê dedicado, e deixamos este espaço confiando que nossas vozes serão ouvidas”, discursou, citado pelo site oficial da convenção.
Além disso, a conferência tornou permanente a Interface Ciência-Política, órgão até então temporário da convenção responsável por traduzir estudos científicos em recomendações de políticas públicas – cujo corpo de especialistas produziu, por exemplo, o estudo lançado durante a conferência que demonstra que 3/4 do planeta ficaram mais secos nas últimas 3 décadas. Alguns debates, porém, lembraram que, ao unir a abordagem científica com recomendações políticas, a convenção deve se preparar para lidar com o lobby que atrasa o progresso de outras convenções climáticas da ONU, segundo o IISD.
Outra reivindicação antiga, porém, não foi adotada por divergência entre os países-membro – a permissão para que organizações da sociedade civil tenham acesso aos grupos de contato. De acordo com o IISD, China e Essuatíni argumentaram que a convenção é um mecanismo entre governos; para a Malásia, as organizações deveriam ser observadoras das conferências e permanecer de fora dos grupos de contato; para os Emirados Árabes Unidos, a participação delas deveria se limitar à troca de conhecimentos e à sensibilização da sociedade.
As partes, porém, concordaram em pedir ao secretariado da convenção que estudasse como outros mecanismos ambientais multilaterais permitiam o acesso da sociedade civil às negociações, com relatório a ser apresentado na próxima COP.
Apesar da falha em negociar um mecanismo global contra as secas, a convenção conseguiu aprovar um mecanismo de financiamento: a Parceria Global de Resiliência à Seca de Riade, que atraiu compromissos de doação num total de mais de 12 bilhões de dólares para ajudar “80 dos mais vulneráveis países do mundo a construir sua resiliência à seca”, resumiu a ONU.
Para Osama Faqeeha, a iniciativa “vai mover a gestão de secas para além da resposta reativa a crises, através da melhoria de sistemas de alerta precoce, financiamento, avaliações de vulnerabilidade e mitigação dos riscos de seca”. “Este é um momento marcante para o combate internacional à seca, e chamamos os países, companhias, organizações, cientistas, ONGs, instituições financeiras e comunidades para se juntar a esta parceria fundamental”, disse o conselheiro da presidência da COP16 ao site oficial da conferência.
Embora seja um passo considerável, a quantia por si só, não é suficiente. De acordo com um relatório lançado pela convenção no dia 3 dezembro, 2º dia da conferência, o mundo precisa de 2,6 trilhões de dólares em investimentos até 2030 para a restauração de mais de um bilhão de hectares de terras degradadas e para a construção de resiliência às secas – o equivalente a cerca de 1 bilhão de dólares por dia, ou 355 bilhões de dólares por ano. A quantia total, pontua o relatório, é “equivalente ao que o mundo desperdiça a cada ano em subsídios que ferem o meio ambiente”. A falta de financiamento agravaria os efeitos atuais da seca, levando a instabilidades econômicas, insegurança alimentar e migrações forçadas.
Apesar da falta de consenso sobre um mecanismo global contra secas, o secretário-executivo da convenção, Ibrahim Thiaw, se disse “cheio de esperança” com a Parceria Global de Resiliência à Seca de Riade. “As 39 importantes decisões que foram adotadas nesta COP servirão de orientação não apenas a todos os governos do mundo, mas também ao setor privado, povos indígenas e comunidades locais”, acrescentou Thiaw, que lembrou também que a COP foi um chamado à ação, e que soluções “estão ao nosso alcance”, mas dependem de “vontade política”.