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Reforma tributária ampliará repasses a municípios que protegem a natureza

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Reforma tributária ampliará repasses a municípios que protegem a natureza

Sancionada e convertida em lei na última semana, a reforma tributária incentiva ações sustentáveis e deve ampliar os repasses aos municípios atrelados a critérios como área coberta por parques e outros tipos de unidades de conservação, públicas ou privadas. 

Os tradicionais ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) deixarão de existir e foram concentrados no futuro IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

Do total arrecadado, 5% deverão ser transferidos por todos os estados às municipalidades, como IBS Ecológico. Ele foi inspirado no ICMS Ecológico, mas neste os governos estaduais podem definir se reforçam os orçamentos municipais conforme quesitos ambientais. Os repasses variam de 1% a 13%. 

“Agora isso ficou mais amarrado”, avalia Biancca Scarpeline de Castro, doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora de Administração Pública e Gestão e Estratégia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

Segundo ela, o IBS Ecológico pode melhorar e alinhar políticas ambientais de federais a municipais e atender demandas locais de conservação. “O índice geral de 5% para repasses é capaz de mobilizar municípios a uma boa gestão ambiental”, analisa. 

Já o professor de Agronomia na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e especialista em ICMS Ecológico, Wilson Loureiro, esperava que o destino dos recursos tivesse sido mais detalhado na reforma tributária. “Há o perigo de que governos desvirtuem sua aplicação”, diz. 

O dinheiro do ICMS ou IBS não precisa ser aplicado em ações ambientais. Tudo depende dos regulamentos estaduais e municipais. “Só vi esses recursos serem bem gastos onde tinha algum grau de participação pública na sua gestão”, ressalta Loureiro.

Parque Municipal Américo Renné Giannetti, em Belo Horizonte (MG). Foto: Euclides Miguel / Creative Commons

Fermento orçamentário

Estimativas de economistas do Banco Mundial e do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) são de que essas novas regras obrigatórias engordem em 60% os repasses ecológicos aos cofres municipais, somando até R$ 8,7 bilhões anuais. 

A bolada é superior ao dobro do orçamento previsto, no ano passado, para o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), de R$ 3,6 bilhões.

Contudo, bem aplicar o dinheiro pede ajustes e novas leis estaduais até 2029, quando o IBS começa a ser implantado no país e o ICMS e ISS seguem para a extinção. A transição geral da reforma tributária vai até 2033.

“Cada estado deve esclarecer seus critérios ambientais para transferir recursos aos municípios, como área protegida, coleta e reciclagem de lixo, índices de saneamento e de educação ambiental”, explica Scarpeline de Castro (UFRRJ).

Guarás (Eudocimus ruber) sobrevoando mangue na RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) Papagaio-de-cara-roxa, em Guaraqueçaba (PR). Foto: Reginaldo Ferreira / SPVS

Reforço verde

A execução do IBS poderá ampliar ou reduzir as arrecadações dos governos e repercutir nas transferências ecológicas aos municípios. Contudo, isso seria compensado por dispositivos como o Fundo de Desenvolvimento da Infraestrutura Regional Sustentável (FDIRS).

“São recursos que devem priorizar projetos e ações menos danosas ao meio ambiente e que podem até compensar estados que perderão recursos com a ‘guerra fiscal’ com outros estados, para atrair investimentos”, detalha Biancca Scarpeline de Castro (UFRRJ).

Além disso, a reforma tributária prevê outros incentivos à proteção da natureza. O “imposto do pecado”, o Imposto Seletivo (IS), sobretaxa produtos e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Outros mecanismos reduzem impostos sobre itens florestais e extrativistas, estimulando seu consumo

Formação montanhosa na RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) Guaricica, em Antonina (PR). Foto: Reginaldo Ferreira / SPVS

Trajetória ecológica

O ICMS Ecológico surgiu em 1991 no Paraná, há 34 anos, e hoje é lei em cerca de 20 estados brasileiros. O mecanismo induz melhores comportamentos dos gestores públicos sem abocanhar dinheiro dos contribuintes. 

“Ele ajudou a criar um cenário de pagamentos por serviços ambientais e de maior aceitação das unidades de conservação”, avalia Wilson Loureiro, um dos criadores da legislação pioneira no estado sulista e professor de Agronomia na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

O imposto também pode ter se tornado decisivo para as contas de inúmeras localidades no país. “Há uns 50 municípios só no estado [Paraná] que, sem o ICMS Ecológico, ‘fecham as portas’”, afirma Loureiro. “Isso mudou o perfil econômico dessas localidades”, acrescenta.

A lista de municípios que têm investido em turismo, pousadas, criação de atrativos e parques e outras atividades baseadas em natureza tem nomes como São Jorge do Patrocínio, Guaraqueçaba, Morretes, Serranópolis, Piraquara e Maringá.

“Iniciativas como essas deveriam ser ampliadas no país, fortalecendo uma abordagem fiscal que promova práticas sustentáveis e impulsione a transição nacional para uma economia verde”, recomenda Loureiro.

Um colhereiro (Platalea ajaja) na RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) Papagaio-de-cara-roxa, em Guaraqueçaba (PR). Foto: Reginaldo Ferreira / SPVS

Competição positiva

Para Biancca Scarpeline de Castro (UFRRJ), o imposto ecológico é um dos melhores instrumentos brasileiros para reconhecer esforços ambientais. “Estimulou uma competição positiva entre municípios. Quanto melhor o desempenho [ecológico], maior o retorno em impostos”, diz. 

Segundo ela, em estados como o Rio de Janeiro essa disputa verde é estimulada por itens como aumentar a área com unidades de conservação. “As regras são revisadas e valores divulgados anualmente, ao contrário de outros estados que engessaram os repasses”, conta.

Ao mesmo tempo, os próprios municípios podem agir para arrecadar mais recursos dessa linha de impostos. 

Em Antonina, a cerca de 80 km da capital Curitiba (PR), o governo municipal destinou R$ 210 mil para melhorar a gestão e a estrutura de reservas ambientais, aumentando em R$ 1,5 milhão os repasses anuais de ICMS Ecológico. Um ganho de sete vezes.

Os investimentos começaram em 2023 por meio do “Fábrica de Natureza” ou PSAM, um programa de pagamento por serviços ambientais. 

“Isso pode aumentar o número de unidades de conservação municipais e retornar ainda mais em ICMS Ecológico”, diz Marcos Cruz Alves, diretor Administrativo e Financeiro do Instituto a Mudança que Queremos (Iamuque). A ong monitora o programa.

Desde o ano passado, o município trata da criação da Reserva Biológica Municipal Mohsine Abdul Ghani Abbas, com quase 4,3 mil hectares de Mata Atlântica.

A situação das unidades de conservação e outros quesitos são avaliados pelo Instituto Água e Terra (IAT), do Governo do Paraná, como educação ambiental, planos de manejo, trilhas, banheiros e centros de visitantes, fiscalização, controle de espécies exóticas e conselhos ativos.

Formação montanhosa na RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) Guaricica, em Antonina (PR). Foto: Reginaldo Ferreira / SPVS

Ano passado, Antonina angariou R$ 9,2 milhões de ICMS Ecológico. “O valor é similar aos impostos arrecadados pelo Porto de Antonina”, diz Alves (Iamuque). Ano passado, passaram pelo terminal quase 2 milhões de toneladas de exportações e importações. 

Do total arrecadado pelo município, R$ 6,1 milhão (67%) se devem à gestão de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) criadas e manejadas pela Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) e entidades parceiras.

“É um ganha-ganha entre o poder público e essas reservas privadas”, destaca Clóvis Schrappe Borges, diretor-executivo da ong paranaense e mestre em Zoologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Segundo ele, as unidades de conservação abrigam ambientes e espécies nativas da Mata Atlântica e asseguram o fornecimento de água para pessoas, indústrias e produção rural. “Qual investimento proporciona tamanho retorno?”, indaga.

Em 2024, municípios paranaenses receberam R$ 317,5 milhões em ICMS Ecológico, mostra o IAT. Os parques Nacional do Iguaçu e Estadual das Lauráceas, a RPPN Rio Cachoeira e a Estação Ecológica Capivara estão entre as unidades de conservação que mais contribuíram. 

Buscamos informações sobre aplicação e regulamentação do IBS Ecológico com o Ministério da Fazenda e a Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), mas eles não nos atenderam até o fechamento da reportagem.