Após quatro anos no comando da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) entregou ao seu sucessor no último sábado (1º) uma Casa Legislativa com mudanças regimentais que enfraqueceram mecanismos de transparência, limitaram as oportunidades de participação social e, como consequência, beneficiaram a aprovação de projetos com alto impacto socioambiental.
Na lista de projetos antiambientais cuja tramitação foi facilitada por Lira estão o que afrouxa os processos de licenciamento ambiental no país, o que retoma o debate sobre o Marco Temporal Indígena, o que enfraquece o licenciamento da BR 319, a PEC das praias, o que permite atividades agrícolas em campos nativos e os jabutis das eólicas offshore, entre outros aprovados em regime de tramitação a jato e sem a devida manifestação da sociedade civil e dos próprios parlamentares.
“A Câmara dos Deputados passou por um longo e, recentemente, intensificado processo de fechamento. Tornou-se mais difícil e custoso para a sociedade acompanhar e incidir nos processos decisórios que afetam a todos”, diz Guilherme France, Gerente de Pesquisa e Advocacy da Transparência Internacional Brasil, organização membro do Pacto pela Democracia.
Mudanças estruturais
Durante os quatro anos em que esteve à frente da presidência da Câmara, Lira fez o poder desta Casa aumentar, bem como aumentou a influência do grupo político que representa, o centrão.
Com estilo definido como autoritário, o parlamentar ampliou o poder sobre outros deputados por meio da distribuição de relatorias, reduziu o poder das comissões temáticas, pautou votações relâmpago e modificou o regimento de uma forma que limitou o debate e diminuiu a capacidade da oposição e de partidos menores de atrasarem a votação de temas polêmicos.
A redução das tramitações em Comissões temáticas da Câmara, por exemplo, foi instituída durante a pandemia, para acelerar a aprovação de projetos relevantes para o enfrentamento da crise.
Durante seu mandato, mesmo após o fim da crise sanitária, Lira manteve a votação direto em Plenário para projetos relevantes, o que, para especialistas, apresenta restrições claras a uma maior influência da sociedade sobre o processo legislativo.
“Quando o projeto tramita normalmente nas comissões em rito comum, os textos vão se tornando públicos e a sociedade tem como influenciar. Então, se eu tenho um texto muito ruim na Comissão de Minas [e Energia], na Comissão de Agricultura, quando chegar na [Comissão] de Meio Ambiente eu tenho como tentar influenciar”, explica Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima.
Outra mudança instituída por Lira, logo no início de seu primeiro mandato, foi a redução do poder de obstrução da pauta legislativa. A técnica era utilizada para atrasar ou impedir a aprovação de projetos pela oposição ou nas discussões de pautas polêmicas.
Dentre as alterações, estão o fim do limite de tempo das sessões deliberativas – o que limitou a capacidade de articulação da oposição – e a redução de três para no máximo um os pedido de adiamento.
Essas mudanças possibilitaram, por exemplo, a aprovação do Projeto de Lei que afrouxa o Licenciamento Ambiental no país (PL 3729/04). O novo regimento foi aprovado no dia 12 de maio de 2021. Um dia depois, 13 de maio, o PL do Licenciamento era aprovado na Câmara. Desde então, a proposta segue parada no Senado.
Outros itens do legado de Lira são as sessões híbridas ou remotas e as votações a jato. Instituídas também durante a pandemia, as sessões remotas foram mantidas durante o mandato do parlamentar do PP, o que esvaziou o Plenário e também o debate.
“Lira manteve uma rotina do período ainda da pandemia, de votação online, esvaziando o debate nas comissões temáticas e exagerando no uso do mecanismo de votação de urgência no Plenário. Muitas vezes, em determinados projetos, havia votação da urgência no dia e, no mesmo dia, votava o relatório, onde a gente tomava conhecimento do relatório poucos minutos antes da votação”, disse a ((o))eco o deputado Nilto Tatto (PT-SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista.
“[O mandato do Lira] foi muito ruim para a pauta socioambiental. Além das mudanças regimentais, por ele ser um deputado da Frente Parlamentar da Agropecuária, e também pelas alianças que ele fez na própria eleição, ele colocou para andar com mais rapidez projetos antisocioambientais”, complementa Tatto.
Pedidos por mudanças
O sucessor de Lira, Hugo Motta (Republicanos – PB), deu início no último sábado (1°) ao seu mandato à frente da Câmara. Em seu discurso de posse, ele prometeu uma gestão mais conciliadora. Isso, no entanto, não o isentará da pressão da sociedade por mudanças regimentais.
Hugo Motta começa o mandato tendo no colo um pedido do Pacto pela Democracia – Coalizão que congrega mais de 200 organizações da sociedade civil pelo fortalecimento da democracia nos processos políticos brasileiros – para que o regimento interno da Câmara seja revisto.
Entre os pedidos entregues ao novo presidente da Câmara estão o estabelecimento de critérios para o regime de urgência de projetos, a revisão de regras de votação remota, o fortalecimento de comissões e a divulgação com antecedência da pauta do plenário. Justamente os pontos principais da herança deixada a ele por seu principal apoiador político no processo de eleição para o comando da casa: Arthur Lira.