As recentes declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o processo de licenciamento da exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas geraram forte reação entre especialistas e servidores da área ambiental e evidenciaram uma incompreensão preocupante sobre a natureza do órgão e do próprio processo de licenciamento ambiental.
Quando ele afirma que “o que não dá é ficar nesse lenga-lenga. O Ibama é um órgão do governo, parecendo que é um órgão contra o governo“, o presidente coloca em xeque a autonomia do Ibama e ignora um princípio básico: o Ibama não foi criado para dizer “amém” a qualquer projeto de interesse político, e sim para proteger o meio ambiente e as pessoas, garantindo que decisões sejam tomadas com base em ciência e, principalmente, responsabilidade.
É inadmissível que em pleno 2025 ainda seja necessário afirmar para um presidente da república que o Ibama não é um órgão de governo, mas sim um órgão de Estado. Suas decisões devem ser fundamentadas em critérios técnicos, científicos e legais, independentemente de interesses políticos momentâneos. E é especialmente desanimador que, depois de quatro anos de desmonte e assédio sob o governo Bolsonaro, os servidores ambientais ainda precisam lutar para que sua independência seja respeitada. Agora, a pressão vem de um governo que se diz defensor da pauta ambiental, mas que, na prática, quer um Ibama submisso às suas vontades.
A exploração de petróleo na Margem Equatorial, em uma área de altíssima sensibilidade ambiental e grande incerteza científica, demanda rigor na avaliação de impactos, não pressa para atender expectativas políticas. Não há “lenga-lenga” no cumprimento da legislação ambiental; há, sim, responsabilidade técnica e precaução diante de potenciais riscos irreversíveis.
A história já demonstrou os perigos de decisões tomadas sob pressão. O Brasil coleciona tragédias socioambientais resultantes da priorização de interesses econômicos sobre a avaliação técnica, como nos casos de Brumadinho, Mariana, Belo Monte, Balbina, Transamazônica e BR-163, entre outros.
A própria Petrobras tem um histórico que desmente a tese de que a exploração petrolífera no Brasil é totalmente segura. Nos últimos dez anos, a empresa recebeu mais de três mil autos de infração do Ibama, totalizando cerca de um bilhão de reais em multa. A maior parte dessas autuações está relacionada ao despejo indevido de óleo no mar e ao descumprimento de condicionantes ambientais. Acidentes como a explosão da plataforma P-36, que resultou na morte de 11 pessoas, e o caso do navio-plataforma no Espírito Santo, que deixou nove mortos e 26 feridos, mostram que negligências acontecem.
Mais especificamente na Foz do Amazonas, a própria Petrobras já tentou perfurar um poço em uma área próxima à que agora tenta licenciar. Na ocasião, a sonda de perfuração foi arrastada pelas fortes correntes marítimas, provocando vazamento de óleo. Até hoje, a empresa não pagou a compensação ambiental. Inclusive, o problema das correntes marítimas da região e a dificuldade de resposta rápida a um eventual vazamento são justamente algumas das preocupações centrais do Ibama neste processo.
Este ano, o Brasil sediará a COP 30, um dos eventos mais importantes no debate global sobre mudanças climáticas. É contraditório que, ao mesmo tempo em que se apresenta como líder na agenda ambiental, o governo Lula faça coro junto com aqueles que trabalham diariamente para enfraquecer a governança ambiental. Se o governo realmente deseja avançar na exploração petrolífera de forma responsável, deveria investir na Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), um estudo que poderia ter sido realizado desde 2012 e serviria para definir áreas aptas e não aptas à exploração, dando mais segurança e rapidez ao processo.
A propósito, algo que também ajudaria a acelerar as análises seria a melhoria das condições de trabalho dos servidores e a realização de um concurso público sério, capaz de preencher as 2.400 vagas hoje ociosas no Ibama. Mas no terceiro ano de seu mandato, Lula aprovou apenas 460 vagas, após muita pressão interna, o que mal cobre o número de aposentadorias do período. Um contrassenso inexplicável, ainda mais após aprovar 2 mil vagas para a polícia federal, não é verdade?
A fala do presidente Lula não é mais do que reflexo de uma visão ultrapassada sobre o papel do licenciamento ambiental e do Ibama. Pressionar servidores públicos para aprovar empreendimentos sem a devida avaliação técnica, além de ser desrespeitoso, é também comprovadamente perigoso.
O Ibama não é “contra o governo”. Ele é a favor da sociedade e da proteção ambiental, garantindo que decisões sejam tomadas com base na ciência, na legislação e no interesse público. Se há algo que atrasa o desenvolvimento sustentável no Brasil, não é a cautela do licenciamento ambiental, mas sim a irresponsabilidade e a insistência em ignorar as lições da história.
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