Os javalis, cujo nome científico é Sus scrofa, são animais silvestres originários da Europa, Ásia e norte da África, onde vivem naturalmente. Nesses locais, há milhares de anos, os homens começaram a criar javalis em cativeiro, até que conseguiram desenvolver as raças de porcos-domésticos que conhecemos hoje (nome científico: Sus domesticus).
Ao longo da história, tanto javalis selvagens quanto porcos-domésticos foram levados pelo homem para várias partes do mundo para servirem de alimento. Uma vez livres, esses animais se reproduziram de forma descontrolada, causando impactos e se tornando pragas nestes locais. Esse é o caso do Brasil, onde existem tanto populações de javalis que fugiram de criadores autorizados pelo Ibama, quanto de porcos-domésticos asselvajados (porcos que se tornaram ferais) e, também, de cruzamentos de porcos-domésticos com javalis, os chamados “javaporcos”.
Essas três variedades de porcos (porcos ferais, javalis e javaporcos) são suínos propriamente ditos (família Suidae) e não se confundem e nem são capazes de se reproduzir com os “porcos” nativos do Brasil, os nossos caititus (nome científico: Dicotyles tajacu) e queixadas (nome científico: Tayassu pecari), que, aliás, não são porcos propriamente ditos e sim Taiaçuídeos (família Tayassuidae) silvestres brasileiros.
O javali criou tantas dificuldades no Brasil, causou tantos danos para o meio ambiente e tantos prejuízos para a economia nacional que o Ibama admitiu que estava diante de uma catástrofe ambiental de proporção nacional, que exigia uma resposta firme.
Desse modo nasceu a Instrução Normativa (IN) Ibama nº 3, de 31 de janeiro de 2013, que declarou os javalis como sendo “animais exóticos invasores e nocivos às espécies silvestres nativas, aos seres humanos, ao meio ambiente, à agricultura, à pecuária e à saúde pública”.
Quando o Ibama declarou o javali como sendo um animal nocivo, aconteceu algo muito importante: acabaram as dúvidas sobre a possibilidade de abatê-lo, pois o Art. 37 da Lei 9605/1998 prevê que “Não é crime o abate de animal, quando realizado: (…) IV – por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente”.
Essa declaração de nocividade permitiu que o javali pudesse ser perseguido em todo o território nacional. Isso favoreceu seu controle por particulares, organizações ambientais, órgãos de governo, pesquisadores e pequenos e grandes agricultores, reduzindo os danos causados por essa espécie invasora e colaborando para a condução de pesquisas sobre o estado de saúde dos javalis vivendo em liberdade, algo indispensável para as políticas nacionais de produção e exportação de carne bovina e suína.
Após as eleições presidenciais de 2022, houve uma mudança radical nas políticas de controle de armas no Brasil. O governo eleito pela maioria decidiu que as políticas do governo anterior deveriam ser revistas e, entre as medidas adotadas, foi decidido limitar o acesso da população às armas de fogo.
Seguindo essas novas políticas de governo, o Ibama também pretende limitar os métodos de controle, a participação de civis na atividade e o uso de armas de fogo para o controle do javali e deverá propor, para o ano de 2025, a publicação de novas regras para o abate desse animal, que passará a ser feito prioritariamente através de armadilhas.
Está, porém, claro que não é só a população brasileira que parece desconhecer quem é o javali e os prejuízos que ele pode causar ao meio ambiente e economia nacional. As previsões da publicação de novas regras que deverão ser propostas pelo Ibama transmitem a impressão de que os responsáveis pela gestão da fauna no Brasil também não compreendem bem a dimensão dos problemas causados pela presença dos javalis. Aliás outra espécie exótica invasora, o Cervo Axis (Axis axis) também está gradativamente ocupando espaço no nossos ecossistemas, sem que nenhuma atitude legal referente a seu controle seja realizada.
Os prejuízos causados pelo javali nos locais invadidos são tão grandes que a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) classifica o javali entre as 100 piores espécies invasoras de todo o planeta, ao lado de outras pragas conhecidas, como o rato e os mosquitos causadores da dengue e da malária.
É fato de que não temos dificuldade para compreender a gravidade dos problemas causados pelos ratos e mosquitos. Esses animais são responsáveis por grandes prejuízos ambientais e econômicos, além de doenças devastadoras. Sabemos que é preciso controlá-los a todo custo, com armadilhas, venenos, soltura de animais geneticamente modificados e o que mais estiver ao nosso alcance.
E se já conseguimos compreender isso em relação a outras pragas, o que ainda falta para que consigamos compreender o mesmo em relação ao javali? Aparentemente, enfrentamos um problema ideológico: uns poucos gestores parecem ter decidido que muitas pessoas, o meio ambiente e a população do meio rural devem sofrer, apenas para poupar os javalis e deixá-los viver em paz no Brasil.
Bem, podemos ignorar a realidade, mas não é possível ignorar as consequências de ignorar a realidade. E controlar o javali a todo o custo é uma realidade urgente que não pode ser ignorada. Seja com o apoio da população civil com armas de fogo, seja com armadilhas, enfim de todas as formas onde não ocorram atos de crueldade a estes animais. Permitir que posturas pessoais e ideológicas, restrinjam este controle, baseadas em crenças particulares, pode ter um preço alto, tanto em vidas humanas, para a economia nacional, quanto para o meio ambiente.
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