Home Meio-Ambiente Projeto que reduz licenciamento ambiental passa em comissões do Senado e vai...

Projeto que reduz licenciamento ambiental passa em comissões do Senado e vai ao plenário

2
0
Projeto que reduz licenciamento ambiental passa em comissões do Senado e vai ao plenário

As comissões de Meio Ambiente e de Agricultura do Senado aprovaram nesta terça-feira (20) seus relatórios na tramitação do Projeto de Lei (PL) 2159/21. O projeto, que flexibiliza radicalmente o licenciamento ambiental no país sob o nome de “Lei Geral do Licenciamento Ambiental”, foi encaminhado e será votado pelo plenário da Casa. Grande parte da bancada das comissões trabalha para que a votação aconteça ainda nesta quarta-feira (21) – um pedido de urgência também foi aprovado. Parte do chamado “Pacote da Destruição” que avançou no Congresso durante o governo Bolsonaro, a proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados em maio de 2021, sob o nome de PL 3729/04

Impulsionado pela ala ruralista do Parlamento, o texto propõe mudanças nas regras atuais de licenciamento que enfraquecem a proteção a indígenas, quilombolas e unidades de conservação, cria amplas possibilidades de procedimentos autodeclaratórios, de dispensa de licenciamento e de renovações automáticas, enfraquece condicionantes ambientais e abre possibilidade para que a estados e municípios possam definir, sem coordenação nacional, as atividades que devem – e, principalmente, que não devem – passar por licenciamento ambiental. Organizações ambientalistas apontam inconstitucionalidades.

Entre os empreendimentos que poderão receber licença autodeclaratória – a chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC)  –  estão a ampliação e pavimentação de “estruturas preexistentes” em faixas de domínio (onde passam estradas) e de servidão (onde passam dutos ou linhas de transmissão de energia).

Assim, fica prejudicada a possibilidade de análise individualizada e criteriosa de obras como, por exemplo, a pavimentação da BR-319, entre Manaus e Porto Velho – que conecta o Arco do Desmatamento a uma das áreas mais preservadas da Amazônia no chamado “trecho do meio” da rodovia. Sem um acompanhamento minucioso, segundo pesquisadores e ambientalistas, a obra causaria grande devastação na floresta. Esse impacto “indireto”, por sinal, não poderia ser considerado para a elaboração de condicionantes ambientais, segundo o projeto, que determina que apenas impactos diretos da obra em si sejam levados em conta. Em nenhuma parte do texto, por sinal, a emergência climática é citada.

Além disso, empreendimentos classificados como de “baixo” e “médio” impacto ambiental poderiam passar por procedimentos autodeclaratórios – nisso estão incluídos, por exemplo, Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e projetos de mineração, em grande parte considerados hoje como de médio impacto. A barragem da Mina Córrego do Feijão, da Vale, que rompeu Brumadinho (MG) em 2019, matando 272 pessoas e gerando um desastre ambiental de enormes proporções, era classificada como de médio impacto pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) de Minas Gerais, como lembra nota técnica do Observatório do Clima sobre o PL 2159/21.

Com o projeto sendo analisado simultaneamente nas duas comissões, os relatores – Confúcio Moura (MDB-RO) na de Meio Ambiente e Tereza Cristina (PP-MS) na de Agricultura – fizeram um acordo por um parecer comum entre os dois colegiados, acelerando a tramitação do projeto. A votação dos relatórios também foi a toque de caixa – feita de forma simbólica, com os parlamentares favoráveis permanecendo parados em suas cadeiras e os contrários levantando a mão, sem registro individualizado dos votos favoráveis e feita em segundos. Caso passe pelo plenário, o projeto ainda terá suas alterações votadas novamente na Câmara.

Apresentado na Casa dos deputados federais em 2004, o projeto inicialmente era considerado um avanço na proteção ambiental, chegando a ser apoiado pelo movimento ambientalista, mas acabou sendo completamente modificado pela bancada ruralista, com direito a lobby de grandes indústrias, como apontou a nota técnica do Observatório do Clima. O texto original foi assinado por 15 deputados do PT na época – incluindo Iriny Lopes (PT-ES), hoje deputada estadual; Iara Bernardi (PT-SP), hoje vereadora de Sorocaba (SP); Ivan Valente (PSOL-SP), ainda deputado federal, e João Alfredo (PSOL-CE), hoje superintendente do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace).

O texto atualmente no Senado tem “probabilidade grande de ser aprovado”, admite fonte ligada à Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso. Porém, a expectativa na Frente é de que a mobilização da sociedade por conta dos retrocessos trazidos pelo projeto possa frear o seu avanço antes da aprovação final, embora seja “difícil fazer qualquer prognóstico”.

“Na forma atual, o projeto não apenas ameaça intensificar a poluição, o desmatamento, as emissões de gases de efeito estufa e a perda de biodiversidade, mas também as desigualdades sociais”, resume o Observatório do Clima em sua nota técnica. O projeto “está repleto de inconstitucionalidades, promovendo a fragmentação normativa entre estados e municípios e criando um cenário de insegurança jurídica que tende a gerar, como um dos seus principais efeitos, uma enxurrada de judicializações”, avalia a organização, que classificou o projeto como “mãe de todas as boiadas”.

“Em vez de estabelecer regras claras, juridicamente coesas e efetivas, como se espera de uma Lei Geral, o projeto abre caminho para o caos regulatório e o aumento da degradação ambiental”, conclui a nota do Observatório do Clima.

A senadora Leila Barros (PDT-DF) expressou preocupação com o texto. “Ao enfraquecer a autoridade técnica dos órgãos ambientais federais, estaduais e municipais, o PL desestrutura os pilares do sistema de governança ambiental, construídos ao longo de décadas”, alertou. “Além disso, preocupa-nos profundamente a exclusão de dispositivos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas; a rejeição à avaliação ambiental estratégica e ao zoneamento ecológico e econômico como instrumentos que trazem racionalidade e planejamento ao processo de licenciamento, e a redução das garantias de participação social, em especial aos povos indígenas”, afirmou a senadora, citada pela Rádio Senado.

cma discute pl do licenciamento ambiental no senado
Os senadores Confúcio Moura (MDB-RO) e Tereza Cristina (PP-MS), relatores do PL do licenciamento ambiental nas comissões. Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado

Impacto em territórios indígenas e quilombolas

O texto a ser votado limita a atuação das autoridades envolvidas (como Funai, Incra, ICMBio, Iphan, entre outras) à avaliação de impacto ambiental e exigência de condicionantes apenas a terras indígenas homologadas e territórios quilombolas titulados. Isso faria com que fossem totalmente desconsiderados os impactos sobre 259 terras indígenas em estágios anteriores de demarcação, o equivalente a 32,6% do total; e sobre 1553 territórios Quilombolas, o equivalente a 80,1% do total, segundo nota técnica do Instituto Socioambiental (ISA).

As manifestações de órgãos ligados à proteção de indígenas, quilombolas e unidades de conservação passariam a ser não-vinculantes, ou seja, não necessariamente seriam levadas em conta pelos órgãos licenciadores federal, estaduais e municipais, e limitadas a situações em que as áreas estejam dentro da Área de Impacto Direto (ADA) do empreendimento, ou seja, que recebam canteiros de obras, por exemplo – o que “sequer abrange os impactos diretos e muito menos os impactos indiretos”, critica o ISA. Com essas mudanças, “a proposta institucionaliza o racismo ambiental”, define o Observatório do Clima.

Já o Ministério Público Federal, em nota, relembrou as proteções a povos e comunidades tradicionais estabelecidas na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, e destacou que o projeto “é silente sobre o licenciamento de empreendimentos que atinjam territórios de povos e comunidades tradicionais, que não sejam indígenas e quilombolas”.

As manifestações passariam então a ser meramente formais, aponta a nota técnica do Observatório do Clima, inclusive excluindo a necessidade de autorização do órgão gestor de uma unidade de conservação diretamente afetada para a concessão de licenciamento – um “retrocesso absolutamente inadmissível nas regras que protegem as UCs”, diz a organização.

O MPF, por sua vez, afirma que o fato de o projeto tratar as manifestações das autoridades envolvidas como não-vinculantes “ofende o princípio do desenvolvimento sustentável, da integração e da eficiência, hierarquizando bens jurídicos e relevando a capacidade institucional que esses órgãos têm o dever legal de desenvolver para atenderem a suas finalidades institucionais”.

A nota dos procuradores federais critica ainda o prazo de 30 dias, prorrogáveis por mais 10, para a manifestação dessas autoridades. “A combinação do prazo exíguo e o fato de não ser vinculante transformam a manifestação do órgão em peça ilustrativa do licenciamento ambiental”, diz a nota. “Na prática, a licença será concedida independentemente da manifestação do órgão ou mesmo no caso de ser uma manifestação pelo indeferimento”, prevê.

Além disso, caso as autoridades envolvidas não se manifestem dentro do prazo determinado, o processo de licenciamento segue assim mesmo, não impedindo seu andamento e nem a expedição da licença. Para o Observatório do Clima, isso constitui uma “flagrante inconstitucionalidade, pois permite a emissão de licenças sem a devida avaliação dos impactos sobre povos indígenas, comunidades quilombolas, bens histórico-culturais, UCs e a saúde humana”. 

O parecer dos senadores Confúcio Moura e Tereza Cristina ainda retirou, em relação ao texto aprovado na Câmara, a necessidade de que a autoridade licenciadora avalie e decida “motivadamente” (palavra retirada) sobre o procedimento de licenciamento, “com ou sem recebimento da resposta da autoridade envolvida” – o que foi classificado como uma mudança “negativa” no texto pelo Observatório do Clima.

Passariam ainda a ser considerados na análise apenas os impactos classificados como “diretos”, excluindo as Áreas de Impacto Indireto (AII) dos empreendimentos. Tanto o ISA quando o Observatório do Clima criticam a mudança, argumentando que a classificação entre “direto” e “indireto” não significa uma hierarquia de importância, sendo mera classificação formal para auxiliar no endereçamento de todos os impactos ambientais. 

A nota técnica do ISA cita estudos que afirmam que “95% do desmatamento acumulado na Amazônia se concentra em uma distância de até 5,5 km de rodovias” e que “85% das queimadas concentram-se em até 5 km de estradas na Amazônia”, impactos de grande importância, porém indiretos, e que deixariam de ser considerados no licenciamento ambiental segundo o projeto de lei.

Além disso, a proposta estabelece, em anexo, uma tabela com distâncias para a área de impacto presumido de diversos tipos de empreendimentos, como rodovias, ferrovias, parques eólicos, portos e usinas hidrelétricas, com distâncias maiores para a Amazônia. As distâncias foram definidas sem critérios técnicos, apontam o Observatório do Clima e o ISA, o que teria potencial de gerar judicializações. A área de impacto presumido para a implantação de rodovias na Amazônia, atualmente de 40 km segundo a Portaria Interministerial 60/2015, por exemplo, cairia para 15 km caso a lei entre em vigor.

Com isso, aponta o ISA, as mudanças propostas afetariam exatamente 3 mil áreas protegidas no país, sendo 259 terras indígenas, 340 unidades de conservação federais, 847 unidades de conservação estaduais e 1554 territórios quilombolas, que “ficariam desprotegidos do licenciamento ambiental, sem quaisquer medidas de prevenção, mitigação e compensação de impactos socioambientais”. 

A nota cita levantamento da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG), que aponta que as áreas protegidas da Amazônia concentram 56,8% do carbono armazenado no bioma, o equivalente a cerca de 26,2 bilhões de toneladas – mais do que está armazenado em todas as florestas da República Democrática do Congo e da Indonésia, dois países com grande cobertura de florestas tropicais.

O projeto, portanto, tende a “intensificar o desmatamento e a degradação ambiental na rede de áreas protegidas do Brasil, o que poderia inviabilizar o cumprimento das metas assumidas no âmbito do Acordo de Paris”, afirma a nota técnica.

Levando em consideração as obras que compõem o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o ISA aponta que um total de 53 obras de infraestrutura pressionariam 277 áreas protegidas, num total de 20,5 milhões de hectares nessas áreas (tamanho similar ao do estado do Paraná) que precisam passar por avaliação de impacto ambiental e estabelecimento de condicionantes para evitar, mitigar ou compensar consequências socioambientais negativas.

Com as novas distâncias propostas, calcula a nota do instituto, o número de áreas protegidas dentro das áreas de impacto presumido sofreria “drástica redução” para apenas 119. Porém, outras 17 áreas protegidas, sendo 5 terras indígenas e 12 territórios quilombolas, seriam excluídos das análises, já que ainda não estão homologados ou titulados, sobrando 102 áreas ainda sujeitas às condicionantes. Dessa forma, 175 TIs, TQs e unidades de conservação perderiam a proteção contra impactos de obras que têm atualmente – juntas, essas áreas armazenam 2,6 bilhões de toneladas de carbono, o equivalente a 2,5 vezes as emissões do Japão em 2022, compara a nota.

Dessa forma, o ISA conclui que uma eventual aprovação do PL 2159/21 “resultará no aumento do desmatamento e degradação ambiental nas áreas protegidas em níveis que impedirão o Brasil de cumprir suas metas assumidas em acordos internacionais relacionados ao combate ao desmatamento e proteção da biodiversidade”.

terra indigena Bau dos Kayapos
Terra Indígena Baú, dos Kayapós, próxima ao Rio Curuá, no Pará. Foto: Alberto César Araújo / Amazônia Real

Licenciamento por autodeclaração

O projeto estabelece a possibilidade de licenciamento por meio de Licença por Adesão e Compromisso (LAC), destinada a empreendimentos classificados como de baixo e médio impacto ambiental que declarem se comprometer a seguir parâmetros preestabelecidos pela autoridade licenciadora – ou seja, uma autodeclaração que autorizaria o empreendimento a funcionar “sem qualquer análise técnica prévia”, o que “esvazia o papel do órgão ambiental, transforma o licenciamento em mera formalidade e abre margem para tragédias”, alerta o Observatório do Clima.

Para a concessão da LAC, é exigida apenas a apresentação de um Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE), um documento apenas descritivo que, por sua vez, teria previsão de análise por amostragem. “As vistorias também passarão a ser exceção, realizadas depois que o empreendimento já estiver autorizado a operar”, diz o Observatório do Clima. A análise por amostragem é “a prova contundente de que a LAC equivale a autolicenciamento”, afirma a nota.

A análise do projeto relembra ainda, como dito acima, que a barragem da Mina Córrego do Feijão, da Vale, que rompeu em Brumadinho (MG), gerando uma catástrofe ambiental, era considerada de médio impacto ambiental, ou seja, passível de receber uma “autolicença” de acordo com o projeto.

Segundo dados de 2021 da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado de Minas Gerais, citados pelo Observatório do Clima, “apenas 14,4% dos empreendimentos minerários em licenciamento eram considerados de potencial significativo de impacto/degradação ambiental”, ou seja, 85,6% poderiam receber a LAC.

A nota técnica argumenta ainda que apenas uma “fração ínfima” dos processos de licenciamento são considerados de alto impacto no país, exigindo Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Dessa forma, a previsão de concessão de LAC para empreendimentos de baixo e médio impacto “implica na transformação da maioria das licenças ambientais do país em atos administrativos gerados automaticamente, emitidos com base apenas na autodeclaração do responsável pelo empreendimento, sem análise prévia da autoridade licenciadora”, avalia a nota.

“Na prática, a LAC abandona a avaliação prévia dos impactos e a análise de alternativas técnicas e locacionais, que são elementos essenciais do licenciamento ambiental”, diz a nota técnica. “O Estado perde a capacidade de prevenir danos, enquanto o empreendedor é dispensado de grande parte de suas obrigações”.

“Dessa forma, a aprovação do texto da Câmara levaria à implosão de mais de 40 anos de construção do licenciamento ambiental no país. (…) Praticamente extinguiria a aplicação do instrumento, já que sua concepção abrange, necessariamente, a avaliação prévia dos impactos ambientais e a posterior decisão da autoridade licenciadora”, diz trecho da publicação do Observatório do Clima.

Já o prazo de validade da LAC, que não era tratado no texto da Câmara, recebeu a previsão de duração entre cinco e dez anos, “consideradas as informações apresentadas no RCE”, segundo o projeto. Para o Observatório do Clima, “o problema é assegurar prazo de validade entre cinco e dez anos para licenças geradas sem apresentação de estudo ambiental e sem nem mesmo garantia de realização de vistoria em todos os casos”, o que representa “a implosão do licenciamento ambiental no País”.

A nota lembra ainda que as LACs já chegaram a ser implementadas por alguns estados, e foram declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para empreendimentos de médio e alto impacto – ou seja, somente podem ser aplicadas aos de baixo risco e pequeno potencial poluidor. O Congresso, até agora, não levou esse entendimento em consideração no processo legislativo.

Renovação automática sem revisão externa

O parágrafo 4º do Artigo 7º do PL prevê hipóteses de renovação automática de licenças, baseadas apenas em “declaração do empreendedor em formulário disponibilizado na internet” de que não tenham sido alterados as características e o porte do empreendimento, a legislação aplicável, e que tenham sido (ou estejam sendo) cumpridas eventuais condicionantes ambientais aplicadas. Essa regra valeria para todos os tipos de licença ambiental.

Para o Observatório do Clima, a renovação automática sem análise prévia de autoridade competente “pode não refletir a realidade sobre os impactos ambientais”, “sobretudo para LI [Licença de Implantação] e LO [Licença de Operação]”. Esse dispositivo, segundo a organização, “é um dos fatores trazidos pela Lei Geral que levará à implosão do sistema de licenciamento ambiental brasileiro”.

Além disso, o cumprimento de eventuais condicionantes seria atestado apenas por um relatório assinado por um “profissional habilitado”, o que é classificado como insuficiente pelo Observatório do Clima. “A autodeclaração de cumprimento de condicionantes faz com que o sistema de licenciamento ambiental seja implodido, afastando as competências dos órgãos licenciadores, os quais são os únicos aptos a verificar o cumprimento de condicionantes no licenciamento ambiental”, argumenta a organização.

Além da renovação, os prazos de validade das licenças tiveram sua duração ampliada em todos os casos. “Isso não é necessariamente negativo, mas considerando as muitas alterações da nova norma que contribuem para procedimentos de licenciamento menos rigorosos, configura ponto de atenção”, alerta a nota técnica.

O artigo 13 do projeto prevê a fixação de condicionantes com os objetivos prioritários de prevenção, mitigação e compensação dos impactos ambientais negativos, nessa ordem de prioridade. Porém, outros dispositivos nesse artigo criam uma série de regras que enfraquecem sua implementação.

O parágrafo 1º, por exemplo, define que as condicionantes “não se prestam a mitigar ou a compensar impactos ambientais causados por terceiros e em situações nas quais o empreendedor não possua ingerência ou poder de polícia”, enquanto os incisos do parágrafo 2º estabelecem que as condicionantes não devem ser utilizadas para “mitigar ou compensar impactos ambientais causados por terceiros” e “suprir deficiências ou danos decorrentes de omissões do poder público”.

As regras propostas apresentam “graves retrocessos ao buscar reduzir significativamente as responsabilidades do empreendedor decorrentes dos impactos do empreendimento”, avalia o Observatório do Clima, que cita como exemplos de condicionantes que seriam restringidas o “apoio do empreendedor para a fiscalização do aumento expressivo do desmatamento como ocorrerá na reconstrução e asfaltamento do Trecho do Meio da BR 319” e o “apoio do empreendedor para enfrentar problemas graves no meio socioeconômico que são gerados com a explosão populacional causada por determinados empreendimentos, como falta de escolas, hospitais e outros”.

40109064403 7033b69c5f k e1747756941352
Se aprovado, o PL permitirá que empreendimentos de médio impacto – a barragem de rejeitos de Brumadinho era um deles – passem a ser permitidos por um mecanismo de autolicenciamento Foto: Felipe Werneck

Descentralização e dispensas de licenciamento

O projeto prevê dispensas de licenciamento para diversas atividades, em particular para o agronegócio. É estabelecido ainda que estados e municípios possam definir suas próprias classificações de empreendimentos sujeitos a licenciamento (sem uma lista nacional mínima dos que necessitam de licença), além de liberá-los para definir também quais tipos de empreendimentos podem ser dispensados de EIA e RIMA (Relatório de Impacto Ambiental) – o que constitui um “cheque em branco” para autoridades licenciadoras sujeitas a pressões políticas, diz o Observatório do Clima.

“A liberdade plena, sem regras claras, para a decisão das autoridades licenciadoras poderá desencadear uma corrida nefasta entre os entes subnacionais pelo enfraquecimento do licenciamento ambiental”, alerta a nota técnica.

O Artigo 8º prevê a dispensa de licenciamento para uma série de atividades, como obras de manutenção ou melhoramento em “instalações preexistentes ou em faixas de domínio (onde passam as estradas) e de servidão (onde passam dutos ou linhas de transmissão)” – dispositivo classificado como “muito preocupante” e “inconstitucional” pelo Observatório do Clima, que lembra: nessa categoria entraria o asfaltamento da BR-319, entre Porto Velho e Manaus. 

São dispensadas de licença ainda quaisquer obras emergenciais ou realizadas sob vigência de estado de calamidade pública ou estado de emergência declarados por qualquer ente federativo.

Já o Artigo 9º prevê ainda a dispensa de licenciamento para atividades agrossilvipastoris – o que já foi declarado inconstitucional pelo STF até mesmo quando elas são de baixo impacto –, citando o cultivo de espécies de interesse agrícola, a pecuária intensiva de pequeno porte e a pesquisa agropecuária. “A proposta continua liberando, de forma automática, atividades que deveriam ser analisadas com cuidado. É uma medida que favorece o agronegócio mais predatório, enfraquece o papel do Estado e abre caminho para conflitos, danos ambientais e insegurança jurídica para os próprios produtores”, resume o Observatório do Clima.

Outro ponto de preocupação é o Artigo 29, que prevê a possibilidade de reaproveitamento, para fins de licenciamento, de estudos ambientais anteriores, feitos para outro empreendimento, caso o estudo tenha sido realizado na mesma área. O texto prevê apenas que o estudo seja “adequado à realidade da nova atividade ou empreendimento” e que seja “resguardado o sigilo das informações”.

De acordo com a nota técnica, “a reutilização de diagnóstico ambiental de outro empreendimento, mesmo que na mesma região, causa insegurança à correta identificação dos impactos da atividade, bem como do correto mapeamento das consequências da sua implantação e operação”. “Assim”, conclui o documento, “há grandes chances de judicialização por inconstitucionalidade e ilegalidade”.

Flexibilidade no uso de água e solo

O Artigo 16 do projeto determina que o licenciamento ambiental “independe da emissão da certidão de uso, parcelamento e ocupação do solo urbano emitida pelos municípios, bem como de autorizações e outorgas de órgãos não integrantes do Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente)”.

Essa desvinculação abriria possibilidade para concessão de licença a empreendimentos “inviáveis considerando a legislação urbanística ou o gerenciamento dos recursos hídricos”, diz o Observatório do Clima, já que a autoridade licenciadora não necessariamente conheceria a legislação urbanística de cada município.

“É desconsiderada a importância de planos de bacias hidrográficas, da oitiva de comitês de bacias hidrográficas e dos conselhos Federal e Estadual de Recursos Hídricos, responsáveis por definir prioridades e regras para o uso da água, de acordo com o enquadramento dos corpos d’água”, aponta o Observatório do Clima. Assim, empreendimentos como hidrelétricas, reservatórios e estações de tratamento teriam a eficácia das análises de seus licenciamentos prejudicada.

“A falta de visão integrada é um enorme retrocesso, cria insegurança jurídica, dificuldade burocrática e conflito com municípios e comitês de bacias hidrográficas”, afirma a nota técnica.

imagem materia
Senadores durante a reunião da Comissão de Meio Ambiente (CMA) desta terça-feira (20)
Edilson Rodrigues/Agência Senado

Participação popular reduzida

Diferentes trechos do projeto de lei abrem possibilidade para o enfraquecimento das audiências públicas, instrumentos essenciais de participação popular durante o processo de licenciamento, especialmente nos de grande impacto.

O Artigo 3º, em seu inciso V, por exemplo, prevê a possibilidade de audiências públicas remotas com as comunidades afetadas pelos empreendimentos. Segundo o Observatório do Clima, essas comunidades “necessitam ser ouvidas presencialmente”, deixando as reuniões remotas para as consultas públicas, reuniões participativas e tomadas de subsídios.

Já o parágrafo 2º do Artigo 36 indica que a realização de mais de uma audiência pública deve ser “motivada pela inviabilidade de realização de um único evento, pela complexidade da atividade ou do empreendimento, pela amplitude da distribuição geográfica da área de influência ou pela ocorrência de caso fortuito ou força maior que tenha impossibilitado a realização da audiência prevista” – na prática, colocando um empecilho para um processo mais amplo de escuta.

“Este dispositivo expõe a intenção de conter a participação ao mínimo necessário”, avalia a nota técnica do Observatório do Clima. Caso entre em vigor, ele “reduz as possibilidades de participação pública via audiências públicas e, consequentemente, pode ocasionar uma menor aceitação do empreendimento/projeto e um aumento na judicialização, o que inevitavelmente ocasionará maior tempo e dispêndios financeiros pelo empreendedor”, diz o documento.

Outro ponto crítico é a previsão de que as consultas públicas não suspendam os prazos dos processos de licenciamento, que deve receber resposta da autoridade licenciadora entre 15 e 60 dias. Para o Observatório do Clima, “há a possibilidade de, justamente pela concomitância de prazos, a figura da consulta pública não ser utilizada e, assim, se tornar somente uma ‘possibilidade’ e não uma ‘realidade’”.

Além disso, a publicidade do processo poderia ser prejudicada pelo parágrafo 1º do Artigo 33, que estabelece que o pedido de licenciamento ambiental de uma atividade potencialmente causadora de “significativa degradação do meio ambiente” seja publicado apenas em “jornal oficial”. Atualmente, esse tipo de pedido é publicado em jornais de grande circulação, além dos Diários Oficiais.

Bancos não serão responsabilizados por danos

O projeto de lei, caso aprovado, ainda impossibilitará a responsabilização de quem contratar com atividades ou empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental que causem danos ao meio ambiente, caso seja exigida a apresentação da licença. Segundo o texto, a pessoa física ou jurídica não possui “dever fiscalizatório da regularidade ambiental do contratado”. Porém, caso a apresentação da licença não seja solicitada, haverá responsabilidade subsidiária pelos danos “na medida e proporção de sua contribuição”. 

O parágrafo 2º do Artigo 54 do relatório do Senado (parágrafo 3º no da Câmara) ainda explicita que “instituições supervisionadas pelo Banco Central do Brasil” – bancos – e demais contratantes “não serão responsabilizados por eventuais danos ambientais ocorridos em razão da execução da atividade ou do empreendimento”.

Para o Observatório do Clima, as instituições financeiras precisam ter uma responsabilidade maior do que apenas a de exigir a apresentação da licença ambiental. “Elas têm de se comprometer com muito mais do que verificar um documento, e incluir medidas que representem de fato compromisso com meio ambiente e clima”, defende a organização. 

“É importante refletir que haverá na futura lei modalidades de licença ambiental que não garantem à instituição financeira ou aos demais envolvidos que há regularidade na atividade/empreendimento, pois são emitidas automaticamente”, lembra a nota, que cita precedentes no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e outros tribunais de responsabilização a instituições que liberam crédito para atividades danosas ao meio ambiente.

“A proposta muda o sistema de responsabilização ambiental ao qual a instituição financeira (assim como qualquer outra pessoa física ou jurídica no Brasil), está sujeita, pois a Política Nacional do Meio Ambiente trabalha com responsabilidade objetiva e solidária”, analisa a nota técnica. “Não há razão para a instituição financeira ter um tratamento diferenciado nesse campo”, conclui.