Especialistas apontam aumento de carga tributária, insegurança jurídica e possíveis impactos sobre o consumo e as pequenas empresas
Após forte reação do mercado, o governo federal voltou atrás na tentativa de tributar aplicações de fundos nacionais no exterior, mantendo a alíquota de IOF em 0% para essas operações. A revogação foi anunciada menos de 24 horas após a publicação do Decreto nº 12.466/2025, que ainda segue em vigor com uma série de outras mudanças — estas, mantidas — e que elevam de forma expressiva a carga tributária sobre operações de crédito, câmbio e previdência privada.
Especialistas alertam para os efeitos econômicos e jurídicos da medida, que afeta empresas de todos os portes e investidores de alta renda. Embora o IOF tenha função extrafiscal, voltada ao controle de mercado, a percepção é de que o decreto foi usado com fim arrecadatório, em meio à pressão por resultados fiscais.
Para Marcelo Godke, especialista em Direito Internacional Empresarial, sócio do Godke Advogados, a tentativa frustrada de tributar investimentos no exterior já foi suficiente para abalar a confiança. “Mesmo com a revogação, o episódio revela o grau de insegurança jurídica que o país oferece. Temos um desgoverno que age sem previsibilidade. Tributar investimento é um tiro no pé — especialmente em uma economia como a nossa”, afirma.
O tributarista Ranieri Genari, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/Ribeirão Preto e consultor tributário na Evoinc, concorda e aponta que o recuo foi motivado por pressão do mercado financeiro, diante dos riscos à rentabilidade e ao compliance dos fundos. “Manter a alíquota zero evita distorções e protege os investidores da volatilidade cambial. Mas o vaivém da política tributária reforça o clima de incerteza”, avalia.
Para o advogado tributarista Eduardo Natal, sócio do Natal & Manssur Advogados, o governo está utilizando a flexibilidade do IOF para elevar a arrecadação sem precisar respeitar as travas constitucionais. “O aumento entra em vigor imediatamente e atinge em cheio quem depende de financiamento e crédito, além de encarecer operações de câmbio. O impacto é direto sobre o custo do capital e pode ter reflexos de médio prazo na economia real”, alerta.
Lívia Heringer, advogada do Ambiel Belfiore Gomes Hanna Advogados, especialista em Direito Tributário e Contabilidade, entende o decreto amplia o alcance do IOF e onera operações estratégicas da economia. “Mesmo com ajustes, o impacto é direto sobre o crédito, o planejamento previdenciário e a competitividade das empresas”, afirma. Ela ressalta que a nova tributação do “risco sacado” pode afetar o varejo e a indústria, ao encarecer negociações com fornecedores.
Genari também questiona a constitucionalidade da equiparação entre empresas do Simples e grandes grupos. “A aplicação da mesma alíquota para realidades tão diferentes viola os princípios da isonomia e da capacidade contributiva. É um campo fértil para judicialização”, conclui.
Entre as mudanças que permanecem em vigor, destacam-se:
- Crédito empresarial: alíquota máxima sobe de 1,88% para até 3,95% ao ano;
- Simples Nacional: nova alíquota pode chegar a 1,95% ao ano;
- Câmbio: alíquota única de 3,5% para diversas operações (cartões, remessas, compra de moeda estrangeira);
- Planos VGBL: 5% de IOF sobre aportes mensais superiores a R$ 50 mil;
- Operações como “risco sacado” e “forfait”: passam a ser formalmente tributadas a partir de 1º de junho.
Fontes:
Lívia Heringer, advogada do Ambiel Belfiore Gomes Hanna Advogados, especialista em Direito Tributário e Contabilidade
Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur Advogados, mestre em Direito Tributário pela PUC/SP e presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (ABAT).
Marcelo Godke, especialista em Direito Internacional Empresarial, sócio do Godke Advogados.
Ranieri Genari, advogado especialista em Direito Tributário pelo IBET, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/Ribeirão Preto, consultor tributário na Evoinc.