Investigado pelo abuso sexual da própria filha, como afirmado pela vítima em depoimento à Polícia Civil, um homem de 42 anos foi escalado como testemunha de defesa de dois policiais militares (PMs), presos sob a suspeita de estuprar a mesma jovem, em uma viatura. Ambos os agentes estavam em serviço, na Grande São Paulo, quando deram carona para a vítima, no Carnaval deste ano.
O relato do homem foi solicitado pela defesa do soldado Leo Felipe Aquino da Silva e do cabo James Santana Gomes, do 24º Batalhão, na primeira audiência a que foram submetidos sobre o estupro, realizada pelo Tribunal de Justiça Militar (TJM), na última sexta-feira (11/7). O nome do pai da jovem não será publicado para preservar a identidade dela.
A motivação para o testemunho do pai da vítima intrigou familiares da garota. A defesa dos PMs afirmou à reportagem, nessa segunda-feira (14/7), que não iria se manifestar sobre o caso.
Os dois policiais militares foram presos em flagrante, na segunda-feira do Carnaval (3/3), por membros da Corregedoria da corporação, um dia após o suposto estupro, atribuído a eles pela jovem, de 20 anos.
Como foi a 1ª audiência dos PMs
O Metrópoles apurou que a audiência, feita virtualmente, começou por volta das 14h. O soldado e o cabo estão trancafiados no Presídio Militar Romão Gomes, na zona norte paulistana, por tempo indeterminado.
Arrolado como testemunha de defesa dos PMs — mesmo não conhecendo os réus ou presenciado a abordagem deles à vítima — o pai da jovem foi questionado se atualmente responde a algum processo, situação negada por ele. Quando foi inquerido se era investigado por algum crime, ele então admitiu que pelo “abuso da filha”. As mesmas questões — sem nenhuma relação direta com o estupro na viatura — foram feitas a ele pela defesa dos PMs, após as quais o TJM dispensou a testemunha.
Em setembro do ano passado, a vítima procurou o 69º Distrito Policial (Teotônio Vilela), onde registrou um boletim de ocorrência de violência doméstica e de crime sexual.
No documento, obtido pela reportagem, a jovem relatou que morava com o pai na ocasião do suposto crime, acrescentando que o relacionamento com ele “é bastante conturbado”. Para ilustrar a tensão entre ambos, ela afirmou que, quando chegou na residência, acompanhada pelo namorado, em 13 de setembro passado, o pai dela, juntamente com a madrasta, teriam gritado com o rapaz, “sem qualquer motivo”.
Antes de o namorado ir embora, a garota teria se revoltado a afirmado que “as coisas erradas que você [pai] faz, você não conta”, resultando em uma agressão — como consta no documento policial.
“[O pai] a segurou pelo pescoço e sua madrasta tampou sua boca para que não pudesse gritar”.
As “coisas erradas” mencionadas pela jovem, como apurou a reportagem, teriam sido abusos sexuais, que resultaram em problemas psiquiátricos, graves ao ponto de ela ficar um mês internada, para o tratamento de uma profunda depressão.
Após a alta, ela seguiu morando com o pai, que teria insistido com os assédios. “Em uma oportunidade, tentou beijá-la na boca, em outra vez estava bêbado e tentou passar a mão em suas partes íntimas, colocando a mão dentro de sua calça, mesmo [com ela] pedindo para parar com aquilo”.
A jovem, após a série de abusos atribuídos ao pai, saiu da casa dele e foi morar com a mãe, quando decidiu registrar as denúncias de assédios e abusos.
A defesa do homem não foi localizada até a publicação desta reportagem, o espaço segue aberto para manifestações.
Estupro no carnaval
A jovem que afirma ter sido estuprada pelos PMs enviou ao menos 12 áudios para familiares, depois de sofrer o suposto abuso sexual (ouça abaixo).
O Metrópoles teve acesso exclusivo a dois dos registros, nos quais é possível ouvir a moça indignada dialogando com os PMs do 24º Batalhão de Diadema. Todos os registros encaminhados pela jovem foram anexados como prova em dois inquéritos que investigaram o caso — um instaurado pela Polícia Civil e, outro, pela Corregedoria da Polícia Militar.
Na ocasião da prisões, a defesa do soldado Leo Felipe Aquino da Silva e do cabo James Santana Gomes negou as acusações e afirmou, em nota, que ambos iriam dar as versões do caso no decorrer do processo.
Desmentidos
Em um vídeo, divulgado em primeira mão pelo Metrópoles, os policiais afirmavam desconhecer o endereço da vítima, enquanto circulavam com ela em um bairro não identificado. Um dos áudios, porém, desmente os policiais.
No vídeo em que o cabo e o soldado fingem desconhecimento, um deles diz: “tamo [sic] tentando te ajudar e tamo perdido […] moça eu não conheço o caminho da sua casa”.
A afirmação dos PMs revolta da vítima. Aos gritos, ela afirma que eles estão mentindo. Já em um dos áudios obtido pela reportagem é possível ouvir os policiais dialogando com a jovem, que lhes informa o nome da rua onde mora. Além disso, ela reforça o fato de os PMs estarem supostamente consumindo bebidas alcoólicas.
“Eu tirei foto, eu tirei foto. Vocês não estão bebendo dentro da viatura?”, diz a vítima.
Ela começou a compartilhar os vídeos e áudios, para a família, logo após o suposto abuso sexual. A última mensagem enviada pela jovem ocorreu por volta das 22h do dia 2 de março. Os PMs teriam roubado o celular dela, para sumir com eventuais provas que a vítima não teve tempo de compartilhar, afirmou a mãe da jovem. Depois disso, os policiais a abandonaram na Rodovia Anchieta, descalça e machucada, levando, além do celular, a bolsa da moça.
A jovem contou ainda que precisou entrar na frente de carros, que trafegavam em alta velocidade pela rodovia, até conseguir ser levada até o 26º Disitrito Policial (Sacomã), já na capital paulista. A vítima chegou abalada à delegacia. Policiais civis de plantão acionaram uma ambulância, que a levou até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Liberdade, no centro paulistano, onde foi encontrada pelos familiares e detalhou o suposto abuso sexual.
Fonte: www.metropoles.com