O risco iminente de aprovação do Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL n° 2159/2021) na Câmara dos Deputados paira sobre o país como um céu carregado de nuvens cor de chumbo. Uma tempestade daquelas se avizinha.
O projeto que ficou conhecido como PL da Devastação reúne em sua defesa um pesado bloco de interesses do Agro e da Indústria. Na fala dos seus defensores, percebe-se a crença de que o projeto tornará o licenciamento ambiental “mais eficiente e seguro”. Quem conhece o assunto aposta no exato inverso.
O licenciamento ambiental, mutilado e sangrado pelo texto do referido PL, é o principal responsável pelo fim do vale-tudo vigente até os anos 1980, que nos proporcionou Cubatão e seus bebês anencéfalos, Itaipu e a perda das Sete Quedas e Balbina e seu lago da morte. Longe de ser uma invenção brasileira, o licenciamento é uma ferramenta de avaliação de impacto ambiental adotada em 183 países. Em todos eles, empresários reclamam de elaborar estudos do impacto das suas atividades nos ecossistemas e comunidades humanas, pois custam dinheiro e levam tempo.
O longo debate sobre o PL do licenciamento no Congresso veio perdendo racionalidade e nos últimos tempos ficou impossível dialogar com os seus defensores. Dados falsos têm sido amplamente utilizados e foram repetidos pelo ex-ministro Joaquim Leite em seu artigo: da existência de 27 mil leis sobre licenciamento ambiental no Brasil (o deputado Kim Kataguiri chegou a mencionar 70 mil) às 5 mil obras paradas no Brasil por motivos ambientais. Esses números não resistem ao mais leve escrutínio – dados do TCU indicam que apenas 1% das obras paralisadas tinha relação com o licenciamento ambiental, por exemplo. No fundo, o motivo sempre foi um desejo inconfessável de retornar ao libera-geral.
O senador Omar Aziz admitiu, na infame audiência-emboscada no Senado, que a aprovação do PL foi uma retaliação à ministra Marina Silva: “a culpa da lei de licenciamento aprovada é da senhora”, referindo-se à demora na aprovação de licenças para estradas que rasgam o coração da Amazônia.
É claro que o licenciamento ambiental deve ser aprimorado (e isso é consenso entre os ambientalistas também). Seus prazos precisam ser compatíveis com a dinâmica do desenvolvimento econômico e sua efetividade na proteção socioambiental não pode ser comprometida. No entanto, pesquisas apontam que as principais causas dos atrasos são as deficiências nos projetos, a má qualidade dos estudos e a insuficiência da capacidade instalada nos órgãos ambientais. Nenhum desses pontos críticos é endereçado pelo projeto de lei aprovado. A resposta parece ser a mesma da piada do sujeito traído no sofá de casa: jogar fora o sofá. Se o licenciamento é um problema, façamos a lei do não-licenciamento.
A questão da capacidade instalada nos órgãos ambientais merece um comentário adicional. Não é surpresa que essas instituições sofram com escassez de pessoal e sucateamento crônico. Estima-se que 90% dos processos de licenciamento ambiental aconteçam nos níveis estadual e municipal. Apenas o estado de São Paulo emite mais de 20.000 licenças ambientais por ano. Não há como processar com qualidade tamanha demanda sem investimentos proporcionais em equipe e tecnologia. Infelizmente, a realidade da maior parte dos órgãos ambientais do país é crítica: querem desempenho de Ferrari, mas pagam por um fusquinha surrado. A solução do PL para o problema da capacidade institucional é prever uma consulta às autoridades licenciadoras sobre as condições humanas, financeiras e institucionais para o cumprimento da lei… 90 dias após a sua aprovação. Inovação máxima: uma Análise de Impacto Regulatório a posteriori.
Apesar da grande mobilização nas redes contra o PL, é tida como provável a sua aprovação na Câmara dos Deputados nas próximas horas, se não for adiada, assim como é certo o pedido de recurso ao STF para contenção dos danos mais graves e manutenção das importantes conquistas do instrumento. O “admirável mundo novo” pós-PL da Devastação deixará um rastro de insegurança jurídica, multiplicação dos conflitos socioambientais e uma explosão da judicialização, gerando mais atrasos e custos evitáveis. Fica a lição: no licenciamento ambiental, o atalho é o caminho mais longo.
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