O Projeto de Lei nº 2.159/2021 – batizado de Lei Geral do Licenciamento Ambiental, mas popularmente conhecido como PL da Devastação – propõe uma reformulação ampla do sistema brasileiro de licenciamento ambiental. Defensores do texto, aprovado pela Câmara dos Deputados durante a madrugada do dia 17 de julho (ironicamente, Dia de Proteção às Florestas), alegam que a mudança irá simplificar o processo de licenciamento para empreendimentos que utilizam recursos naturais ou apresentam potencial poluidor e causador de degradação.
Especialistas e organizações socioambientais, no entanto, manifestam profunda preocupação com o futuro da proteção ambiental no país. Tito Lotufo, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador de Políticas Públicas do Projeto Coral Vivo, afirma que o PL tem muitos problemas e que, assim como os biomas terrestres, os ecossistemas marinhos e costeiros também serão profundamente afetados.
O texto – acatado por deputados e senadores mesmo diante dos alertas de especialistas, da sociedade e da ciência – agora aguarda sanção ou veto do presidente Lula, que tem até o início de agosto para se manifestar. Organizações da sociedade civil lutam pelo veto integral, mas, mesmo que isso ocorra, o Congresso ainda pode promulgar a lei.
O que diz o PL
Um dos pontos mais controversos da nova lei é a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), um modelo de autodeclaração no qual empreendedores de projetos de pequeno e médio porte assumem a responsabilidade pelo cumprimento das normas ambientais. A “adesão” é feita mediante preenchimento de formulário online, sem a necessidade de estudos prévios ou análise técnica por órgãos competentes.
De acordo com Lotufo, um empreendimento avaliado de forma isolada pode ter efeitos negativos moderados, mas quando considerado em conjunto com outros ao seu redor, os impactos podem ser devastadores – como em uma sequência de resorts, hotéis ou restaurantes na orla. “Isso nunca poderá ou será considerado com a LAC”, afirma o pesquisador.
Já a Licença Ambiental Especial (LAE) autoriza, de forma simplificada e acelerada, obras classificadas como “estratégicas” pelo governo, mesmo que tenham alto potencial de degradação. “Desta forma, o interesse político pode se sobrepor ao interesse público ou de conservação da natureza”, ressalta Lotufo. O pesquisador afirma que questões como a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas e a expansão prevista para a instalação de geradores eólicos no litoral não seriam submetidas a um processo de licenciamento criterioso, como tem sido até aqui.
O projeto cria, ainda, uma extensa lista de atividades isentas de licenciamento e reduz, drasticamente, a participação dos órgãos técnicos federais, como Ibama e ICMBio, transferindo grande parte da responsabilidade para estados e municípios, que, em geral, dispõem de menos estrutura e maior vulnerabilidade a pressões políticas e econômicas. Além disso, limita o papel de entidades como Funai, Iphan e Fundação Palmares apenas a áreas de influência direta, ignorando impactos indiretos e cumulativos.
“Todo enfraquecimento do sistema de licenciamento, construído com muito trabalho, será muito prejudicial”, afirma Lotufo, ponderando que muitas vezes os órgãos ambientais demoram ou não têm condições humanas nem estruturais para serem mais ágeis. “Nesse sentido, se optará por eliminar o licenciamento, ao invés de investir e estruturar um mecanismo que existe para proteger o interesse público”, finaliza.
De fato, faz-se necessário reduzir burocracias e aprimorar o sistema de licenciamento para torná-lo mais ágil e eficiente, mas isso não pode comprometer o rigor técnico e a qualidade das análises ambientais. Somente equilibrando agilidade e rigor será possível garantir uma economia sustentável, a preservação dos ecossistemas e a defesa dos direitos das comunidades impactadas.
O PL da Devastação foi aprovado. O que acontece agora? – Sumaúma
Pressione pelo veto presidencial: https://pldadevastacao.org/
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