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COP 30: Reta final, mas ainda tortuosa até Belém do Pará

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COP 30: Reta final, mas ainda tortuosa até Belém do Pará

Faltam pouco menos de 100 dias para o início da 30ª Conferência do Clima da ONU (COP 30), e é em meio à crise de hospedagens e infraestrutura na cidade-sede do evento, Belém (PA), cabos-de-guerra internos na política ambiental e acirramento das tensões multilaterais no nível internacional que o Brasil alcança esta marca. Avanços foram feitos, mas muitos desafios ainda precisam ser superados nesta reta final para o maior evento climático mundial, avaliam especialistas.

Crise de hospedagem

No último dia de julho, o escritório climático das Nações Unidas convocou uma reunião urgente com a presidência da COP 30, a cargo do Brasil, devido às preocupações de que os altos preços de hospedagem e carência de leitos para a Conferência de novembro possam excluir países mais pobres das negociações.

Na ocasião, três grupos de países – África, América Latina e o das Nações Insulares – pediram que a COP não seja realizada em Belém se o problema não for resolvido. 

“Se os quartos não são adequados e em número suficiente, não podemos ter uma COP ali [em Belém]. E a questão, para nós, não é sobre quartos, mas sobre inclusão. Precisamos garantir a inclusão. E isso quer dizer mídia, sociedade civil, delegados, jovens”, disse, ao Valor Econômico, Richard Muyungi, presidente do grupo dos 54 países africanos e vice-presidente do Bureau da ONU Clima.

Problemas com alto custo de participação não são novidade nas Conferências do Clima. Um exemplo foi a Cúpula realizada em Glasgow, na Escócia, em 2021, que demandou desenvoltura e resiliência dos participantes, muitos hospedados fora do país. Mas o tema nunca foi tratado como problema central nos preparativos para as COPs.

Em nota divulgada após o encontro com a ONU, a presidência brasileira da convenção reiterou que está comprometida em viabilizar a participação de todos os estados-membros. Uma nova reunião está agendada para o próximo dia 14. 

“A Secretaria Extraordinária da COP 30 reitera seu compromisso com a realização de uma conferência climática ampla, inclusiva e acessível. O plano de acomodação está sendo implementado em fases, com prioridade, nesta etapa, para as delegações que participarão diretamente das negociações oficiais da COP 30”, disse o governo em nota publicada na última sexta-feira (1).

No âmbito interno, os problemas de acomodação não são os únicos que preocupam organizações brasileiras. 

“As dificuldades de acomodação existem, são uma preocupação à parte, mas existem outros problemas para a sociedade civil. São problemas de o governo não ajudar com a infraestrutura, de setores do governo, especificamente a Casa Civil, dizerem que não seria bom você ter uma participação muito ampla”, disse a ((o))eco o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini. “O presidente Lula subiu a rampa com o povo, vai fazer uma festa e agora não quer que o povo vá para a festa?”, questiona.

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Uma cidade inflacionada, com especulação imobiliária nas alturas, gargalos na infraestrutura e cenário político fragmentado entre setores do governo e do Congresso. Foto: Rafael Medelima / cop.audiovisual

Conflitos internos

Não bastassem os problemas na organização do evento, a menos de 100 dias da COP 30, o Brasil se mantém em meio a conflitos internos na agenda ambiental, como a insistência nos planos de ampliar a exploração de petróleo, o PL do Licenciamento e o avanço de obras ambientalmente degradantes, como o asfaltamento da BR-319.

Para os especialistas ouvidos por ((o))eco, é essencial que o Brasil resolva os problemas internos para que mantenha sua credibilidade como presidente da Conferência do Clima.

Segundo Márcio Astrini, o ideal era que o Brasil estivesse em “´águas calmas” internamente, para que fosse possível uma união em apoio à presidência da COP e para pressionar os outros países, em uma espécie de união nacional para o avanço da agenda do clima. O que se vê, no entanto, é o contrário.

“Essa briga interna faz com que a gente perca energia com as nossas coisas e não faça uma construção coletiva para fora”, diz.

Segundo Wendell Andrade, especialista em política climática para a Amazônia do Instituto Talanoa, o Parlamento brasileiro atual é uma grande fonte desses entraves. 

“Ele [Parlamento] tem elevado o nível de exigência e imposto problemas orçamentários, estruturais e até reputacionais ao Brasil, como no caso da aprovação do PL do Licenciamento. É difícil justificar isso no exterior. Mais difícil ainda é justificar para os financiadores de políticas climáticas e de boas práticas no Brasil por que, em pleno ano de COP, o país demonstra afrouxamento e desprezo pela institucionalidade construída”, disse.

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A ministra do Meio Ambiente e Clima, Marina Silva, em uma sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado em que acabou insultada por parlamentares que defendem o PL da Devastação. Foto: Geraldo Magela / Agência Senado

Costuras finais

A 30ª Conferência do Clima começa dia 10 de novembro, em Belém, capital do Pará. 

Para Márcio Astrini e Wendell Andrade, o país conta com muitos acertos na pavimentação do caminho até o evento, como a própria escolha dos nomes do embaixador André Corrêa do Lago e de Ana Toni para encabeçar os trabalhos de condução do Brasil como anfitrião da COP 30, nomes com grande experiência na área e sem ingerências diretas de setores de influência.

Também somam na lista de conquistas a criação da Agenda de Ação, que possibilita a ampliação do debate para o segmento empresarial e dos cidadãos – e não somente aos Estados nacionais – e a ideia do Mutirão Global pelo Clima. 

Até o início da Cúpula do Clima de Belém, no entanto, o Brasil ainda terá que resolver não só os problemas elencados acima, mas também realizar a costura final para que o país entregue ao mundo o que vem prometendo como um “líder climático”.

“A Presidência parece estar fazendo o que está ao seu alcance. O maior desafio, de fato, é exercitar o capital de coordenação entre todos os atores envolvidos nessa grande colaboração proposta pelo mutirão. A gestão pública, em geral, conta com pouco capital de coordenação. Faltam pessoas com perfil estratégico e capacidade de movimentar engrenagens. E isso não é um desafio exclusivo da Presidência da COP. É um desafio do país como um todo”, diz o especialista do Instituto Talanoa.

Para Márcio Astrini, resolver os problemas internos é fundamental nesta reta final para a COP 30. “O veto ao Projeto de Lei de Licenciamento Ambiental é fundamental para que você não tenha um país que vai pedir mais ambição aos outros e dentro de casa vai diminuir sua capacidade de lidar com a crise do clima”, diz.

Além disso, para Astrini e Andrade, o Brasil precisa ter a coragem de colocar sobre a mesa temas fundamentais para o enfrentamento da crise climática, como o fim dos combustíveis fósseis.

“Não é algo que vai se dar da noite para o dia, a gente sabe disso, mas você precisa ter um plano de como fazer, a gente precisa transformar esse desejo em algo concreto e para isso, temos que ter os passos a serem dados: quem começa, quando começa, quando termina, quem faz primeiro etc. Nada disso está dado e eu acho que essa é a proposta que o Brasil tem que colocar em cima da mesa”, diz Márcio Astrini

“Esperamos que, nessa prova olímpica de 100 metros com barreiras em que essa contagem regressiva se transformou, o Brasil tenha pernas longas e vigor para não tropeçar em pedregulhos”, finaliza Wendell Andrade.