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Proteger a floresta é proteger o capital

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Proteger a floresta é proteger o capital

O setor financeiro ocupa uma posição estratégica na engrenagem global da preservação ambiental, do desenvolvimento sustentável e da resposta à crise climática. Seus fluxos moldam cadeias produtivas, definem o que é viável e o que é arriscado, e têm o poder de fomentar soluções ou aprofundar colapsos. É por isso que a Amazônia não pode mais ficar fora do radar de quem toma decisões de investimento, concessão de crédito ou seguros.

O que está em jogo vai muito além do desmatamento. A Amazônia é uma força planetária. Suas florestas estocam mais de cem bilhões de toneladas de carbono, o equivalente a uma década de emissões globais. Suas árvores são responsáveis por lançar até 20 bilhões de litros de água por dia na atmosfera, criando os chamados “rios voadores” que irrigam grande parte do agronegócio brasileiro. Cada buraco na floresta amazônica prejudica mais o regador que sustenta a agricultura nacional. Perder a floresta é transformar o Brasil e o mundo em algo radicalmente diferente.

O problema é que a Amazônia já está mudando. A floresta está mais quente. O planeta já ultrapassou o limite de 1,5°C de aquecimento global em relação aos níveis pré-industriais e a Amazônia é uma das regiões de maior vulnerabilidade. A produtividade de cultivos de valor econômico, como o açaí e o cacau, já vem sendo afetada. Os riscos financeiros para a agropecuária, os prejuízos para a saúde humana e os danos para a biodiversidade são enormes. Em agosto de 2024, parte do Rio Madeira (um dos maiores e mais importantes afluentes do rio Amazonas, com mais de 3 mil km de extensão) desapareceu, devido a uma seca extrema. Em um mercado atento a riscos, esses sinais não podem mais ser ignorados.

A produção agrícola precisa se adequar a uma nova realidade. Em 50 anos, o Brasil passou de importador para exportador de alimentos. A revolução no campo custou quase 50% do Cerrado e 20% da Amazônia, mas, diante do cenário de mudanças climáticas, esse modelo não se sustenta mais. É preciso atualizar nossos sistemas produtivos a uma nova realidade. A floresta precisa ser vista como ativo da produção. Incorporar a floresta e a vegetação nativa dentro do sistema produtivo é evitar a inflação de alimentos no futuro.

O desmatamento é uma variável decisiva nessa equação. E ele não está em um país distante: está aqui, e é uma responsabilidade nacional. Embora o Brasil possa emitir menos carbono que outras potências, é líder mundial em perda de florestas tropicais. Isso fragiliza a própria base da economia nacional. A produtividade pode cair de maneira bastante significativa. Isso é risco financeiro.

Investir em ativos ligados à Amazônia sem levar esses fatores em conta é uma imprudência. O mau uso de terras públicas, com atividades criminosas como a grilagem, continua sendo o principal motor do desmatamento na região. As cadeias da carne, da soja, da mineração e da infraestrutura frequentemente se sobrepõem a áreas com conflitos fundiários, passivos ambientais e riscos jurídicos. Isso afeta não apenas a imagem das empresas, mas a solidez dos ativos em si. Fundos de investimento, operações de crédito ou seguros que ignoram a origem fundiária das áreas envolvidas, ou não fazem due diligence sobre riscos socioambientais, correm o sério risco de viabilizar atividades ilegais, o que pode se tornar um passivo reputacional e financeiro difícil de reverter.

Transações financeiras que não observam a origem fundiária das áreas envolvidas, a regularidade ambiental dos empreendimentos ou o respeito aos direitos das populações locais correm o risco de financiar cadeias produtivas marcadas pela ilegalidade ou por danos climáticos. Hoje, o mercado já incorpora critérios ambientais, sociais e de governança (ESG) em certas decisões. Mas, no caso da Amazônia, isso precisa ir muito além de selos e relatórios auto declaratórios. É preciso exigir rastreabilidade completa das cadeias produtivas, incluindo origem da terra; avaliar passivos socioambientais históricos; considerar riscos de conflitos fundiários e impactos sobre povos indígenas e comunidades tradicionais; integrar informações geoespaciais, dados de desmatamento e cadastros públicos; fomentar boas práticas e apoiar cadeias produtivas sustentáveis.

Por fim, temos que atentar para o fato de que a Amazônia é talvez a nossa maior vantagem comparativa na produção agropecuária, atual e futura. Cerca de 90% da nossa lavoura depende de chuvas, o que está intimamente ligado à integridade da Amazônia. A China, que compra hoje cerca de 30-40% de tudo o que exportamos, vê o Brasil como um parceiro estratégico, tendo o nosso país contribuído para retirar 800 milhões de chineses de condições de fome. Para continuarmos a atender a este mercado, nossa agricultura precisa ser resiliente. Em outras palavras, conservar e até recuperar florestas passa a ser um investimento e não mais uma linha de custo no orçamento. 

Mas a Amazônia não é só risco, é também oportunidade. Há caminhos de investimento com externalidades positivas. A presença de floresta pode aumentar a produtividade da soja, por exemplo. Sistemas agroflorestais oferecem mais resiliência climática, mais produtividade e mais segurança para a produção. Há um potencial em investimentos para reduzir o desmatamento na Amazônia com retorno socioambiental: conservação de florestas públicas, combate ao desmatamento legal em terras privadas, assistência técnica a pequenos produtores, aumento da produtividade agrícola. 

No fim das contas, investir corretamente na Amazônia é uma forma de proteger o próprio investimento. Desmatamento e a consequente mudança climática e destruição da biodiversidade são hoje umas das maiores ameaças financeiras do século XXI. O capital que se mantiver cego a esse cenário não estará apenas atrasado em relação às exigências ESG, estará exposto a riscos crescentes e muitas vezes irreversíveis. O que se impõe, cada vez mais, é uma mudança de paradigma: proteger a floresta é proteger o capital.

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