O governo Lula anunciou, no início da tarde desta sexta-feira (8), os vetos que fará ao Projeto de Lei do Licenciamento. Após avaliação técnica e jurídica, foram vetados 63 trechos do texto que saiu do Congresso em meados de julho. Organizações da sociedade civil, que pediam o veto integral da proposta, ainda aguardam texto alternativos apresentados para avaliação.
Chamado de “PL da Devastação”, o texto do Congresso mudava as regras atuais de licenciamento e criava amplas possibilidades de procedimentos autodeclaratórios, enfraquecia condicionantes ambientais e aumentava o poder de estados e municípios de decidir quais atividades passariam por licenciamento ambiental.
Segundo o governo federal, o pontos mais preocupantes foram corrigidos, com base em quatro critérios: garantia da integridade do processo de licenciamento, com foco na proteção ao meio ambiente; garantia dos direitos de povos indígenas e comunidades quilombolas; garantia de segurança jurídica e incorporação de inovações que tornem o licenciamento mais ágil.
Para a ministra Marina Silva, do Ministério de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA), os vetos e novas normas propostas (veja abaixo) não comprometem a proteção ambiental no país.
“Nós fizemos vetos estratégicos para preservar a integridade do licenciamento e isso ficou assegurado. Nossas metas em relação a desmatamento zero, em relação a reduzir entre 59% e 67% de emissão de CO2, estão perfeitamente mantidas”, disse a ministra, em coletiva de imprensa.
De modo geral, o presidente vetou 63 trechos de quase 400 dispositivos da lei. Como forma de pacificar entendimentos divergentes – e tentar garantir apoio do Congresso – o governo publicou uma Medida Provisória e enviou ao Congresso um novo Projeto de Lei, com textos alternativos aos vetos feitos.
Veja abaixo os principais pontos modificados:
1. Normas para uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC)
Como estava: O texto que veio do Congresso ampliava o dispositivo da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) – que já existia em algumas normas estaduais – para empreendimentos de pequeno e médio potencial poluidor. A LAC consiste em uma descrição simplificada das atividades econômicas o que, na prática, funcionava como uma licença por autodeclaração, sem necessidade de aprovação de órgãos técnicos competentes. Ao ampliar seu uso para empreendimentos de médio potencial, obras como a barragem da Vale em Brumadinho, que se rompeu em 2019 e deixou 272 mortos, poderiam ser licenciadas de forma autodeclaratória e simplificada.
O que o governo fez: O governo vetou a ampliação para atividades de médio potencial poluidor. Pela proposta do Executivo, além dessa vedação, foram acrescentados limites aos procedimentos autodeclaratórios.
2 – Restrição de poderes a estados e municípios
Como estava: O texto do Congresso ampliava os poderes de estados e municípios de decidir quais empreendimentos seriam – e principalmente os que não seriam – alvo de licenciamento ambiental.
O que o governo fez: Vetou dispositivos que transferiam de forma ampla a cada ente federado, sem padronização, a responsabilidade por estabelecer critérios e procedimentos de licenciamento, como porte, potencial poluidor, atividades passíveis de LAC e tipologias que seriam sujeitas a licenciamento
“A medida [veto] evita uma descentralização que poderia estimular uma competição antiambiental entre os entes federativos, em que a flexibilização de regras ambientais se tornaria moeda de troca para atração de investimentos com potencial de causar danos. O alinhamento nacional assegura previsibilidade para empreendedores, reduz disputas judiciais e mantém um padrão mínimo de proteção ambiental, garantindo segurança jurídica aos empreendimentos”, explicou Marcos Rogério, secretário especial para Assuntos Jurídicos da Casa Civil.
3. Preservação da Mata Atlântica
Como estava – Um “jabuti” inserido no texto pelo Congresso revogava parágrafos importantes da Lei da Mata Atlântica, permitindo que áreas de mata primária, secundária e em estágio médio de regeneração pudessem ser suprimidas sem análise prévia dos órgãos ambientais competentes.
O que o governo fez: Vetou o trecho integralmente.

4 – Direitos de povos indígenas e comunidades quilombolas
Como estava: Texto do Congresso dizia que a manifestação das autoridades ligadas a Terras Indígenas e Comunidades Quilombolas só seria considerada em casos em que tais terras já possuíssem decreto presidencial de demarcação.
O que o governo fez: Vetou dispositivos que restringiam consulta aos órgãos responsáveis.
“A limitação proposta no texto do PL aprovado deixaria de fora uma série de povos e territórios em fase de reconhecimento pela Funai e pela Fundação Palmares, contrariando a Constituição Federal. O novo PL assegura a participação de ambos, prevenindo conflitos e fortalecendo a participação social nas decisões que impactam diretamente modos de vida e territórios tradicionais. Assim, mantém o que está previsto no regramento federal específico”, justificou o governo.
5. Cadastro Ambiental Rural (CAR)
Como estava: O texto saído do Congresso propunha que produtores rurais com Cadastro Ambiental Rural (CAR) ainda pendente de análise também poderiam ser liberados do processo de licenciamento ambiental.
O que o governo fez: Vetou a proposta de dispensa de licenciamento ambiental nestes casos. Só poderão ser dispensados de licenciamento – a partir de uma série de outros requisitos – proprietários com o CAR já analisado.
6. Condicionantes ambientais e medidas compensatórias para impactos indiretos
Como estava: A proposta dos parlamentares previa que a aplicação de condicionantes ambientais e medidas compensatórias nos processos de licenciamento só seriam válidas para impactos diretos do empreendimento.
O que o governo fez: Vetou o trecho e propôs novo texto. Segundo o governo, este novo texto assegura que, sempre que houver nexo de causalidade entre o empreendimento e os impactos ambientais, sejam eles diretos ou indiretos, serão exigidas medidas de mitigação, compensação e controle.
7. Unidades de Conservação
Como estava: O PL do Congresso dizia que a manifestação do órgão gestor da unidade de conservação não era vinculante – isto é, não teria força obrigatória e não precisaria ser seguido pelo empreendedor.
O que o governo fez: Vetou o artigo que retirava o caráter vinculante do órgão gestor.
“A medida reforça a importância da avaliação técnica especializada na proteção de áreas ambientalmente sensíveis, assegurando que os impactos sobre Unidades de Conservação sejam devidamente analisados e considerados nas decisões de licenciamento pelos órgãos gestores responsáveis por essas áreas”, disse o governo.
8 – Licenciamento Ambiental Especial (LAE)
Como estava: O Congresso criou o dispositivo do Licenciamento Ambiental Especial (LAE) que, na prática, visa dar celeridade aos processos de licenciamento considerados estratégicos ao país. O texto dos parlamentares também previa que o licenciamento seria em apenas uma fase, com expedição de todas as licenças ao mesmo tempo.
O que o governo fez: Vetou o trecho que criava a LAE, mas, por considerar a inovação importante, publicou uma Medida Provisória com mesmo teor, extinguindo apenas o trecho que dizia que o licenciamento seria “monofásico”.
“O processo monofásico exigiria dos empreendedores antecipação de despesas relevantes antes mesmo de comprovada a viabilidade ambiental do empreendimento, que é um dos primeiros passos do processo. Por outro lado, geraria insegurança jurídica passível de judicialização”, disse o governo.
Durante a coletiva de imprensa, os representantes do governo explicaram que a decisão sobre quais empreendimentos serão considerados prioritários – e portanto, aptos ao procedimento acelerado da LAE – será feita por um “Conselho de Governo”, do qual todos os ministérios fariam parte. A Medida Provisória, publicada ainda nesta sexta-feira, tem eficácia imediata.
Questionada se empreendimentos como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas seriam facilitados pela LAE, a ministra Marina Silva disse que os processos de licenciamento ambiental serão respeitados, com possibilidade de negativa do órgão ambiental, caso assim entenda.
9 – Responsabilidade Instituições financeiras na concessão de crédito
Como estava: O projeto do Legislativo enfraquecia a responsabilidade de instituições financeiras em casos de danos ambientais de projetos por elas financiados.
O que o governo fez: Vetou o trecho e propôs redação alternativa, estabelecendo que o financiador deve exigir do empreendedor o licenciamento ambiental antes de conceder o crédito
“A ideia do conjunto de vetos é, de um lado, aperfeiçoar o texto que o Senado e a Câmara aprovaram, por outro lado, garantir que aquele espírito de inovar e acelerar estejam presentes, desde que respeitada a Constituição, a legislação federal e, sobretudo, a proteção do meio ambiente”, disse o secretário Marcos Rogério.
O texto modificado pelo governo será enviado ao Congresso, para ser apreciado em regime de urgência constitucional. Segundo representantes do governo, a articulação com os parlamentares já está sendo feita para garantir a aprovação.