O novo cenário político brasileiro mostra-se disposto a promover avanços no desenvolvimento sustentável da Amazônia e no combate à crise climática global. Uma das provas desta disposição foi a criação da Secretaria Nacional de Bioeconomia no âmbito do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Considerando que uma abordagem bioeconômica possa incentivar atividades que gerem retornos econômicos e renda a partir do uso sustentável dos recursos naturais, a nova secretaria é um passo acertado no combate às mudanças climáticas e como parte estratégica da recuperação econômica do país.
A bioeconomia no Brasil encontra campo fértil na Amazônia. Pode ser um dos motores para a tão urgente redução da destruição florestal na região. A redução rápida e significativa das altas taxas de desmatamento e do fogo permitirá não apenas manter os serviços ambientais prestados pelas florestas, mas também que as práticas agrícolas sejam mais sustentáveis e de baixo carbono.
A bioeconomia na Amazônia, contudo, requer cuidadosa atenção se quisermos, de fato, contribuir para um desenvolvimento sustentável da região sem a demanda de novos desmatamentos e com participação social, sobretudo dos povos originários e tradicionais. Será preciso estabelecer o que realmente significa uma bioeconomia verdadeiramente amazônica e não, simplesmente, adotar um conceito pronto cunhado fora da região ou do país.
Para o IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), será necessário que o novo governo e a sociedade brasileira construam um conceito de bioeconomia amazônica que seja catalisador de proteção ambiental, distribuição justa de renda e preservação de direitos e modos milenares e seculares de vida e produção.
Para tanto, será preciso considerar quatro pilares norteadores desta conceituação. O primeiro pilar é o compromisso com o desmatamento zero. Uma bioeconomia genuinamente amazônica não poderá demandar, direta ou indiretamente, novos desmatamentos. O novo governo está comprometido com o desmatamento zero até 2030. Isso representa um avanço frente aos dados catastróficos de aumento de 59,5% de perdas de cobertura florestal na Amazônia nos últimos quatro anos em relação ao governo anterior (2015-2018). E não faz sentido, portanto, falar de bioeconomia em cadeias que, porventura, promovam o desmatamento, como as monoculturas.
O segundo pilar é a diversificação dos métodos de produção, valorizando a biodiversidade e sistemas produtivos sustentáveis alinhados à floresta em pé. O terceiro pilar é preservar a imensa diversidade de métodos tradicionais de produção de produtos da sociobiodiversidade amazônica, valorizando o conhecimento local e o modo coletivo de produção. E é justamente este conhecimento local ou regional baseado nos saberes tradicionais dos povos originários e comunidades tradicionais que podem resgatar as técnicas eficazes de cultivo e uso sustentável de produtos da sociobiodiversidade com inclusão social.
Finalmente, um quarto pilar deve ser levado em consideração nesta definição de uma bioeconomia amazônica: a repartição equitativa dos benefícios oriundos da bioeconomia com as populações que detêm e protegem a sociobiodiversidade regional.
Estes quatro pilares devem ser considerados pelo governo e, mais especificamente, pela Secretaria Nacional de Bioeconomia, e talvez se apliquem às discussões que contemplem outros biomas brasileiros ou os recursos pesqueiros. É essencial, contudo, que haja um entendimento que um conceito único de bioeconomia para o país deve, cuidadosamente, considerar as diferenças e os potenciais bioeconômicos de cada bioma brasileiro. Cabe lembrar que, para o desenvolvimento da bioeconomia na Amazônia, é fundamental que haja um trabalho conjunto com e entre os estados. O Pará, o Acre e o Amazonas, por exemplo, já estão trabalhando em suas políticas estaduais de bioeconomia e estas iniciativas deverão prosperar de forma integrada, contribuindo com a construção de uma política nacional de bioeconomia que seja capaz de preservar recursos naturais, gerar prosperidade econômica e promover justiça social.
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