Home Noticias Aos 10 anos, Templo de Salomão consolida “Wall Street religiosa” em SP

Aos 10 anos, Templo de Salomão consolida “Wall Street religiosa” em SP

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Templo de Salomão iluminado

São Paulo — “Aqui tudo é Universal”, comentou um gari enquanto varria a rua Bresser, no bairro do Brás, região central de São Paulo, na tarde da última segunda-feira (29/7), quando a via estava fechada para a comemoração dos 10 anos de inauguração do Templo de Salomão. A celebração havia começado cinco dias antes e duraria até quarta-feira (31/7), exatamente uma década após a abertura da monumental sede da Igreja Universal do Reino de Deus. 

Apesar do trânsito interditado e das polêmicas envolvidas na construção do templo, como o uso de um alvará de reforma para erguer um edifício com 100 mil m² em uma área que deveria abrigar moradias populares, ninguém reclama da sua presença. Pelo contrário, a espiritualidade cristã se impõe na região, com o auxílio de dezenas de voluntários da Universal que se espalham pelos 10 quarteirões que separam o templo da estação do Metrô.  

“Você vai ao templo? É só seguir reto até encontrar um outro rapaz de colete amarelo”, informou um dos voluntários antes que lhe dirijam a palavra. A simpatia invasiva se repete ao longo do percurso. “É repórter? Então entra para conhecer”, disse um homem à beira das escadas do templo sem ter sido acionado. A exceção na região é achar alguém que não vangloria a igreja.

“Não estou indo agora, mas frequento sim”, disse o garçom José Célio, de 51 anos, com olhos baixos, aparentando sentir vergonha pela resposta. “Às vezes, eu saio daqui tarde, fico cansado e acabo indo para casa. Mas sempre que dá eu vou. Meu patrão também vai”, justificou.

 

O Templo de Salomão é a joia da coroa da Avenida Celso Garcia, via que concentra filiais das principais denominações evangélicas brasileiras, entre elas o Templo Central da Assembleia de Deus, de José Wellington Bezerra da Costa, a Igreja Internacional da Graça de Deus, de R.R. Soares, o Santuário de São Paulo da Reino dos Céus, de Adelino de Carvalho, e a Igreja Bola de Neve, do apóstolo Rinaldo Pereira, conhecido como Rina.

Pela quantidade de igrejas e o dinheiro que ali circula, a Avenida Celso Garcia recebeu o apelido de “Wall Street religiosa” do historiador inglês Perry Anderson, que visitou o local em 2016. Além dos templos em si, são muitas as lojas de artigos religiosos e organizações que mantêm relações com as denominações. No quarteirão atrás do Templo de Salomão, por exemplo, a Universal mantém a sede da Força Jovem Universal, a Escola Bíblica Infantil e a Catedral do Brás, antiga sede da igreja. 

As explicações para a avenida ter se tornado um conglomerado cristão são diversas. Há o fato de a via abrigar uma das igrejas católicas mais antigas da cidade de São Paulo, a centenária Paróquia São João Batista do Brás, cuja importância histórica atravessa o combate à gripe espanhola, entre 1918 e 1920, e os movimentos de resistência à ditadura militar (1964-1985). A região também conta com a Igreja Ortodoxa Grega de São Pedro, fundada em 1950.

Além da tradição cristã, a história do bairro do Brás aponta para o aumento do número de imigrantes a partir da década 1940. Após movimentos de desapropriação de moradores com as construções das estações da l=Linha 3-Vermelha do Metrô, na década de 1970, o bairro passou a simbolizar um local de comércio popular e de abrigo para pessoas recém chegadas a São Paulo.

Com a alta circulação de pessoas e imóveis desocupados, a região se tornou ideal para a fixação das novas denominações pentecostais e neopentecostais emergentes na década de 1990, que transformavam galpões abandonados em igrejas.  

Foi nesse contexto que a Igreja Universal fixou um dos seus primeiros pontos na capital paulista, em um antigo cinema no número 499 da Avenida Celso Garcia. Com a expansão da igreja comandada pelo bispo Edir Macedo, no início dos anos 2000, surgiu a necessidade de erguer construções que representavam o tamanho da igreja e o cinema deu lugar para a Catedral do Brás. 

A ideia do Templo de Salomão surgiu na esteira da construção de megatemplos brasileiros, tendência entre líderes religiosos nos anos 2010. Sua inauguração, em 31 de julho de 2014, contou com a presença das principais autoridades do país à época, como o então prefeito da capital, Fernando Haddad (PT), o governador Geraldo Alckmin (PSB), a presidente Dilma Rousseff (PT), e o vice Michel Temer (MDB). Erguido em apenas quatro anos, o templo simbolizou o poder e a capacidade de Edir Macedo de unir rivais políticos. 

De lá para cá, o bispo perdeu parte de seu caráter pluripartidário. A Universal se alinhou politicamente ao então presidente Jair Bolsonaro (PL), que passou a ter como aliado o partido Republicanos, ligado à igreja. Com a tomada de lado, o aniversário de dez anos do Templo de Salomão perdeu relevância política: a comemoração só recebeu uma visita surpresa do influenciador Pablo Marçal, pré-candidato à prefeitura de São Paulo pelo PRTB. 

Mas, na região do Brás, a construção ainda impõe respeito. “Quando o templo inaugurou, vieram aqui entregar o convite pra gente. Eu não quis conhecer. Sou cristã, mas não gosto de ir nessa igreja por causa de toda soberba. Quando eu neguei o convite, falaram logo que era coisa do diabo”, lembrou Juliana, de 34 anos.

Na loja de lingerie em que ela trabalha como atendente, assim como em outros comércios da região, a trilha sonora que toca é o louvor. Ela nega que exista alguma discriminação contra não cristãos, mas pediu para não ter o sobrenome identificado. “Meu patrão vai ao templo, não sei se ele vai gostar de saber que eu estou falando essas coisas”, completou. 

Fonte: Oficial