Apesar do descumprimento de duas condicionantes da licença prévia (LP) do Comperj pela Petrobras e pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), a Comissão Estadual de Controle Ambiental (CECA) concedeu a licença de operação e recuperação (LOR) para as unidades de utilidades do Gaslub (ex-Comperj) na reunião do colegiado realizada na terça-feira (dia 6). Nas unidades de utilidades, serão gerados insumos como água tratada, vapor e energia elétrica para a refinaria de gás natural do megaempreendimento da Petrobras, localizado em Itaboraí, no leste fluminense.
A reportagem solicitou a relação de quem votou a favor e contra a aprovação da licença na Ceca à assessoria de imprensa da Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade do Rio de Janeiro (Seas-RJ), mas o pedido não foi atendido. Segundo a Seas-RJ, ainda não há previsão para a votação do pedido de concessão da licença de operação que permitirá o funcionamento da UPGN.
Como ((o))eco revelou em reportagens publicadas nos últimos dias 25 de março e 18 e 31 de julho, ainda não foram cumpridas duas condicionantes vitais para a proteção de quase metade dos manguezais do estado do Rio de Janeiro e dos mananciais que abastecem de água potável por volta de 2 milhões de pessoas no leste fluminense. O parecer técnico do Inea que ratificou o pedido de concessão da LOR das unidades de utilidades ignorou o descumprimento das condicionantes 30.1 e 30.2 da LP do Comperj.
Não foram restauradas, por exemplo, as matas ciliares das sub-bacias dos rios Caceribu e Guapi-Macacu, como obriga a condicionante 30.1 da LP FE013990/2008, emitida em março de 2008 pela Ceca. A LP teve de incorporar as determinações da Autorização Ibama nº 001/2008, visto que o Comperj (agora Gaslub) impacta direta e indiretamente os manguezais existentes em duas unidades de conservação federais – a Área de Proteção Ambiental (APA) Guapi-Mirim e a Estação Ecológica (Esec) Guanabara.
O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) 1 do Comperj autorizou a empresa a monetizar a obrigação de restaurar 5.005 hectares, incluindo as matas ciliares previstas na condicionante 30.1. Entre 2019 e 2020, a petroleira depositou R$ 396 milhões no Fundo da Mata Atlântica (FMA-RJ), vinculado ao Inea), relativos à quitação da determinação de restaurar 5.005 hectares bacia hidrográfica onde se localiza o Gaslub.
No entanto, o programa Florestas do Amanhã (FDA), criado pela Seas-RJ para implementar projetos com os recursos do TAC 1, só havia iniciado a restauração de 314 hectares, ou 6,3% dos 5.005 hectares previstos no acordo entre Petrobras, Seas-RJ, Inea e Ministério Público Estadual (MPRJ). A área sob restauração até aquele momento havia demandado a liberação de R$ 8 milhões do recurso do TAC 1, ou 2% do montante total transferido pela empresa ao FMA-RJ. Ainda assim, o pouco sob restauração não corresponde às faixas marginais dos rios das bacias do Caceribu e Guapi-Macacu na região a montante do Gaslub, incluindo as nascentes.
Já a condicionante 30.2 da LP tem sido vítima de um jogo de empurra entre Petrobras, Inea e prefeitura de Guapimirim, cidade vizinha a Itaboraí. Inicialmente, a estatal descumpriu a 30.2, que lhe obrigava a comprar, reflorestar e promover a manutenção de uma área de 2.525 hectares para servir de zona tampão, mitigando (atenuando) os impactos ambientais negativos do Comperj sobre a APA Guapi-Mirim e a Esec Guanabara.
Em vez de tomar providências administrativas e judiciais e negar a concessão da licença de instalação (LI) à Petrobras, o Inea transformou a obrigação original ao averbar a LI IN001540/2009 em março de 2012 para incluir a condicionante 35, que afrouxou a obrigação original da petroleira. A condicionante 35 mudou radicalmente o compromisso descumprido da 30.2 ao prever apenas um genérico apoio financeiro e técnico ao poder público na implantação e manutenção da zona tampão (Parque Natural Municipal Águas de Guapimirim). Não há até hoje esclarecimento público da Seas-RJ e do Inea para tal modificação.
A Petrobras foi novamente favorecida pelo Inea no termo de compromisso assinado em dezembro de 2013. O documento definiu em R$ 4 milhões o valor do apoio financeiro da empresa. Mais uma vez o governo fluminense não apresentou os critérios técnicos que utilizou para fixar um valor anos-luz distante do mínimo necessário para desapropriar, implantar e restaurar o parque, que se encontra totalmente desmatado por causa das pastagens lá existentes. Estima-se que o custo para desapropriar a área não fique abaixo de R$ 30 milhões. Sua restauração pode ultrapassar R$ 200 milhões, se considerarmos uma conta proporcional à usada para monetizar as obrigações de restauração florestal da empresa no TAC 1 do Comperj.
O parecer do Inea favorável à aprovação da LOR da unidade de utilidades da UPGN preferiu tratar apenas da condicionante 35 da LI IN001540/2009, resumindo-se a atestar o depósito de R$ 4 milhões feito pela Petrobras numa conta do FMA-RJ entre 2014 e 2015. Informa que o Inea ainda não efetuou a quitação do termo de compromisso firmado em 2013 com a empresa, visando ao cumprimento das condicionantes 30.2 da LP e 35 da LI IN001540/2009.