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“O mundo é diferente da ponte pra cá”: a cena do hip-hop em São Paulo

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Imagem colorida de montagem com breaking dance e grafite. Metrópoles

São Paulo — No dia 11 de agosto de 1973, uma festa organizada em um apartamento em Nova Iorque deu origem ao hip-hop. No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou no ano passado um projeto de lei que determina essa data como dia nacional do hip-hop. No cenário nacional, o movimento cultural se destaca em São Paulo.

No imaginário popular, o hip-hop aparece como sinônimo de rap e grupos como o Racionais MC’s já vêm a cabeça. O movimento, no entanto, vai além do gênero musical e traz na sua composição outros três elementos: Breaking Dance, Grafite e MC’s/DJ’s. MC é a a sigla para mestre de cerimônias.

 

Segundo a doutoranda e professora de hip-hop na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), Cristiane Dias, dois movimentos paulistas foram muito importantes na propagação do “estilo de vida” no país. São eles o “Projeto Rappers” criado em 1992, por artistas da cultura Hip-Hop e o do Instituto da Mulher Negra Geledés; e o “Projeto Rap…ensando a Educação”, criado no mesmo ano pela Secretaria Municipal de Educação da cidade.

Cristiane é autora do livro “A Pedagogia do Hip-Hop” e acredita em uma linha de pesquisa que define o movimento como elemento de formação de identidades e de contribuição na construção de um “modelo educacional político engajado e emancipatório”.

Ela também é professora de breaking dance e pratica, o agora esporte olímpico, há mais de 20 anos. Ao Metrópoles, Cristiane cita o breaking como um retrato da juventude negra e periférica do Brasil “no sentido de transgressão e da traquinagem, se aproximando muitas vezes de Exu, pois detém os conhecimentos dos territórios, da rua”.

Cristiane acredita que, por meio da dança, é possível ter liberdade para se expressar sem precisar falar “para enfrentar a luta cotidiana que envolve opressões como machismo, racismo e desigualdades”.

A pesquisadora e dançarina revelou que muitas vezes os B-boys e B-girls, como são chamados os dançarinos de breaking, ainda são vistos como “marginais” mas que, por outro lado,  a prática ganhou um aspecto comercial aparecendo em filmes, propagandas e, em 2024, nos Jogos Olímpicos. “É um dos movimentos que mais conecta jovens no mundo”, diz a professora.

Em São Paulo, Cristiane enxerga a cultura do hip-hop como uma das grandes referências da cidade e destaca a importância de políticas públicas como o Território Hip-Hop, da Prefeitura de São Paulo, que também promove o Mês do Hip-Hop.

“Salva vida”

Nas ruas de São Paulo, o hip-hop marca presença por meio das chamadas batalhas de rima. Entre as centenas de pessoas que se reúnem em praças públicas para colocar em prática suas habilidades de freestyle, está Guilherme Lazzaro, de 22 anos. Em entrevista ao Metrópoles, ele, que rima em batalhas desde 2018, disse que o movimento mudou sua visão de mundo:

“As batalhas moldam caráter. O rap me mudou muito em relação à pessoa que eu sou, como eu enxergo as injustiças no mundo, todos os privilégios que eu e outras pessoas têm e como a gente pode lutar contra os preconceitos que tem não só no rap como na sociedade num geral”, afirmou o MC – como são chamados aqueles que rimam em batalhas.

Para ele, que acompanha o movimento desde 2012, o cenário evoluiu especialmente após a pandemia, quando as batalhas começaram a ganhar mais visibilidade por meio das redes sociais: “Antes era uma bolha dentro do hip-hop. Hoje, você pode ver em reels e tiktok que tem muitos vídeos estourados”.

Em São Paulo, o Circuito Paulista de Batalha de MCs (CPBM) seleciona uma vaga para o torneio nacional de rima.

MC Dhiowzin, de 22 anos disputa a vaga segunda vez mas diz que o principal objetivo se tornar conhecido do público das batalhas:

“Eu disputo o regional mais difícil. Vou rimar com muitos MC´s com 1 milhão de seguidores. Óbvio que eu quero ganhar, mas nesse momento, meu grande objetivo é o público me conhecer”, contou ao Metrópoles.

Para focar nas batalhas de rima, Dhiowzin pediu dispensa do emprego e hoje complementa a renda vendendo brigadeiros. O jovem diz perceber o crescimento do movimento pela chegada de um público mais elitizado nas batalhas.

“Apesar de muita gente não gostar, eu gosto porque querendo ou não é o público que traz dinheiro para gente e faz a gente conseguir expandir essa cultura tanto para a periferia quanto para a burguesia”, contou.

“A arte transforma”

Nem só de música vive o hip-hop. O grafite também aparece como um elemento essencial dentro do movimento. Em São Paulo, a arte aparece principalmente em regiões mais periféricas e retratando assuntos das comunidades.

César Mors, um dos líderes do grupo Objetos Pixadores Não Identificados (OPNI), referência nacional quando o assunto é grafite, acredita que os desenhos dão confiança para os moradores das favelas paulistanas:

“Primeiro o grafite dá autoestima para o povo periférico. Depois lhe dá confiança para ver que é capaz”.

O crew, nome que um grupo de grafite recebe, OPNI começou em 1997 e busca representar, em seus traços, pontos da realidade das comunidades espalhadas pelo Brasil e pelo mundo. Hoje, a organização faz parte da Rede Fundamental, uma produtora criada por César para levar o projeto nascido em São Mateus, na zona leste da capital, para outros lugares.

O grupo é responsável por produzir uma das maiores galerias a céu aberto do Brasil, a chamada “Favela Galeria”, na Vila Flávia, em São Mateus. Grafiteiros já pintaram cerca de 250 muros de casas da comunidade.

Cesar afirmou à reportagem que os próprios moradores pedem para ter seus muros pintados. Ao chegar no local, os artistas conversam com os donos do imóvel e buscam conhecer a família que ali mora. Para os artistas, o grafite é para ser um reflexo do povo periférico.

“Essa questão da moradia é muito forte assim para gente. O sonho do pobre brasileiro, daqueles que moram em periferia, é ter a própria casa. É uma parada básica”, contou Val Rua, um dos artistas do grupo.

Val acredita que os desenhos podem ajudar nas conexões humanas e citou o impacto da arte em sua vida:

“Grafite é meu estilo de vida, meu ganha pão, minha forma de pensar, minha filosofia, é meu senso crítico. A minha solidariedade também está no grafite. Minha personalidade foi criada através do grafite, através do hip-hop. Tivemos boas referências”.

A “crew” OPNI venceu o 1° Prêmio Mundo da Rua de 2012, customizou o tênis do ex-jogador da NBA Kobe Bryant a convite da marca de tênis Nike e representou o Brasil em um festival nos Estados Unidos, o New Orleans Jazz & Heritage Festival.

Fonte: Oficial