A greve dos servidores federais do meio ambiente está terminando após um mês e meio e o governo Lula perdeu uma grande oportunidade de demonstrar que fala sério quando coloca a questão ambiental e climática no centro de seu discurso internacional. A mobilização foi tratada pelo governo como um pleito salarial, mas a questão vai muito além disso.
A principal demanda dos servidores era (e ainda é) a valorização da carreira; é fundamental que ela tenha uma estrutura competitiva, capaz de atrair e reter profissionais qualificados. Esta está longe de ser a realidade atual. Hoje a carreira sofre com a entrada de “concurseiros”, que a usam como trampolim para outros concursos, e com a evasão de profissionais experientes que acabam migrando para outros postos onde sua experiência é valorizada. Um servidor do IBAMA ou do ICMBio em final de carreira ganha menos do que um recém-concursado de carreiras similares do governo federal, por exemplo um analista de infraestrutura ou um especialista em regulação de agências como a ANA, a ANP ou a ANEEL. É certo que o concurso nacional unificado deste ano irá fisgar muitos quadros técnicos do IBAMA e do ICMBio.
A carreira federal de especialista em meio ambiente tem 8.903 cargos, dos quais apenas 4.964 (55,8%) estão ocupados. Os demais – 3.939 cargos, ou 44,2% do total – estão vagos por aposentadorias ou evasão. Mesmo assim, o governo acaba de aprovar concurso para apenas 460 vagas, cerca de 11% do déficit atual. E isso sem entrarmos no debate se essa quantia é suficiente para o cumprimento da agenda ambiental federal. Existe apenas um fiscal ambiental para cada mil km² de áreas protegidas no Brasil. Os eventuais bons resultados – como a redução expressiva do desmatamento na Amazônia em 2023 – são frutos de uma grande dose de voluntarismo e abnegação dos servidores ambientais e não são sustentáveis no longo prazo.
A recusa do governo federal em valorizar adequadamente a área ambiental é completamente irracional do ponto de vista econômico. O Governo Lula estabeleceu R$ 350 milhões ao ano como impacto orçamentário máximo da negociação com os servidores. Só o prejuízo causado pela greve no setor de petróleo é de R$ 750 milhões mensais, segundo a Pré-Sal S.A. Somem-se a essa cifra os custos de carros parados na importação, produtos madeireiros retidos na exportação e muitas outras perdas envolvidas. Ou seja, os prejuízos de apenas um mês de greve seriam suficientes para custear muitos anos de uma reestruturação da carreira ambiental.
No entanto, os prejuízos econômicos causados pela greve dos servidores são até pequenos frente ao custo de termos órgãos ambientais subdimensionados, subfinanciados e com uma carreira desvalorizada. Quanto custa para o PIB o desmatamento descontrolado da Amazônia e do Cerrado? E os incêndios no Pantanal? Quanto custam os atrasos no licenciamento de grandes empreendimentos causados por escassez de pessoal? Quanto dos nossos biomas ficam desprotegidos por não haver analistas suficientes para cuidar de parques e reservas?
A desvalorização da carreira ambiental fica ainda mais evidente quando lembramos que o governo concedeu reajustes à Polícia Federal e à Polícia Rodoviária Federal com impactos orçamentários estimados em R$ 1,79 bilhão e R$ 1,3 bilhão, respectivamente. É certo que as decisões do governo são condicionadas pelo arrocho fiscal, mas é justamente na escassez que as prioridades se revelam mais claramente.
A greve ambiental está chegando ao fim após uma negociação em que o governo impôs uma reestruturação às avessas, piorando a carreira para os futuros concursados em troca de um reajuste salarial razoável para os servidores da ativa. Aos trabalhadores coube uma decisão dificílima: aceitar um reajuste nesses termos ou correr o risco de ficar sem reposição salarial neste e possivelmente nos governos seguintes – a depender do resultado das próximas eleições. Apesar do alívio para quem receberá esse reajuste parcelado em 2025 e 2026, as questões estruturais que tanto prejudicam o desempenho ambiental do país seguem problemáticas e intocadas. A reestruturação que será alardeada pelo governo não é a reestruturação adequada e reivindicada pelos servidores ambientais.
Uma máquina ambiental federal robusta e eficiente é parte indispensável de um Estado sintonizado com os desafios da contemporaneidade. Uma regulação ambiental de ponta, sofisticada, precisa de uma carreira atrativa e bem remunerada. E isso não custa tanto, perto do benefício que gera para a sociedade.
Como diz o slogan dos servidores: não tem floresta, não tem cerrado, sem o servidor ambiental valorizado.
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