É impactante ver os Estados Unidos, a maior economia do mundo, como uma réplica da “Nau dos Insensatos”, obra de Sebastian Brant, do século XV, que denuncia a sociedade de seu tempo e sobretudo suas elites, repletas de vícios e fraquezas.
Conduzida por uma tripulação completamente disfuncional, em pleno século XXI, a ações da maior economia do planeta sinalizam fortes impactos ambientais internos e externos.
Donald Trump está enterrando o conceito de escândalos administrativos. De braços dados com interesses econômicos que apoiaram sua candidatura, promove bazófias em defesa de seu grupo de interesses, com apoio de sua equipe transloucada de assessores.
A equipagem manobra com orgulho. Em 10 de março, diante dos chefes dos setores de petróleo e do gás reunidos em Houston (Texas), o dono de uma empresa de “faturamento” hidráulico (fracking), Chris Wright, agora na condição de secretário de Energia dos EUA, anunciou o “fim das políticas climáticas irracionais e quase religiosas do governo Biden”.
Wright explicou que a exploração de hidrocarbonetos tinha “justificativa moral” porque permitia “reduzir a pobreza” e que a ambição de um grande número de Estados de alcançar a neutralidade de carbono até 2050 era um “objetivo sinistro”.
Esse discurso, se proferido em 1972, já pareceria sinistro. Não veio só. Foi seguido pelo pronunciamento do secretário do Interior, Doug Burgum, que já declarou a abertura das áreas federais protegidas para a exploração minerária. Dessa vez disse que todas as usinas a carvão do país continuariam operando e que as que foram fechadas poderiam reabrir.
Foi alegria geral para os insensatos. Mas o que é bom para os fósseis é, na verdade, um pesadelo para os americanos e o resto do mundo.
Em que pese a desordem total, que exige avaliação sobre sanidade e constitucionalidade, os anúncios de Trump são feitos com celebração: “Hoje é o dia de desregulamentação mais importante da história norte-americana”, disse Lee Zeldin, administrador da Agência de Proteção Ambiental (EPA).
Vai sobrar matéria para tribunais. As medidas anunciadas aumentarão a emissão de poluentes, que atingirão principalmente os menos favorecidos.
O juiz William J. Alsup, do Tribunal Distrital dos EUA para o Distrito Norte da Califórnia, determinou a reintegração de todos os funcionários que haviam sido demitidos por decreto do Escritório de Gestão de Pessoal, o braço de recursos humanos do governo. Concluiu que a demissão fora fraudulenta.
Os erros injustificáveis da administração Trump só encontram respaldo em fontes questionáveis. Segundo o Marques de Sade, a única moral que um governo republicano deve considerar é sua própria manutenção. Essa parece ser a política usual de Trump e seus assessores.
Todos os escritórios e cargos de Justiça Ambiental estão sendo encerrados por Trump até 21 de março, “na extensão máxima permitida por lei”.
Atacar a normativa ambiental e o conceito de Justiça Ambiental significa bloquear a amplitude de direitos fundamentais que a legislação de proteção da vida deve oferecer. A proteção constitucional em muitos países abriga o conceito de que todos devem ter o mesmo nível de proteção à saúde e contra riscos ambientais. Assim também se dá com as resoluções da ONU, das quais os Estados Unidos também são signatários.
Estatísticas apontam que negros nos EUA estão expostos a um nível 38% maior de dióxido de nitrogênio do que pessoas brancas e comunidades de baixa renda são desproporcionalmente visadas por locais de resíduos perigosos.
O impacto cumulativo é um abismo regulatório no qual milhões de pessoas caem a cada ano. O conceito de Justiça Ambiental está sendo atacado por Trump pois cria uma barreira aos interesses predatórios e aprofunda a leitura do processo civilizatório.
Ao considerar determinantes sociais e ambientais de forma conjunta, em sua totalidade, desconstrói a crise civilizacional ao observar causas sinérgicas com ótica integrada.
Na nau de Trump não há escândalo que importe. A ilegalidade já está na própria raiz do governo, no generalizado conflito de interesses entre setores econômicos, setor público e absoluta falta de solidariedade e empatia do mandatário com a própria segurança da população.
O colapso do significado do escândalo será causa e efeito do declínio democrático americano. O colapso do escândalo faz do retorno à normalidade fato pouco provável.
Estamos assistindo ao governo do absurdo, com a erosão das condições que tornam quaisquer revelações impossíveis de erodir o mandatário. De outro lado, estamos assistindo ao ressurgimento, com toda a força, do Mito de Midas, do toque de ouro que enlouquece os homens.
Nada é novo. Em “O Elogio à Loucura”, diz a Loucura: “Quanto mais contrária ao bom senso é uma coisa, tanto maior é o número dos seus admiradores, e constantemente se vê que tudo o que mais se opõe à razão é justamente o que se adota com maior avidez. Perguntar-me-eis por quê? Pois já não vos disse mil vezes? É porque quase todos os homens são malucos.”
Mas nem mesmo a banalização dos escândalos e a loucura resistem à tanta estupidez. As consequências chegam.
Relatos afirmam que legisladores republicanos estão frustrados com Elon Musk, o timoneiro mor dos insensatos. Sua função de suprimir qualquer risco contrário aos interesses de Trump dentro da burocracia federal está irritando eleitores e tornando os legisladores menos populares em seus distritos.
Musk é desaprovado nas pesquisas. A maquinaria estatal é forte e Musk é visto como condutor de uma operação cruel e errática que demite e contrata pessoas ao acaso apenas para conseguir benefícios.
E la nave va… Mas as consequências chegam.
A natureza é forte e não perdoa. O instinto de sobrevivência determinará a luz no fim do túnel.
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