Home Meio-Ambiente Árvores gigantes da Amazônia: entre o fascínio e a falta de proteção

Árvores gigantes da Amazônia: entre o fascínio e a falta de proteção

0
Árvores gigantes da Amazônia: entre o fascínio e a falta de proteção

O ano era 2022 e um avião sobrevoava a Amazônia. Na ponta de suas asas, equipamentos eletrônicos mapeavam o tapete verde. O objetivo? Descobrir onde estavam os gigantes da floresta.

Os cientistas já tinham uma suspeita. Alguns anos antes, indícios de que as maiores árvores do Brasil poderiam estar na Calha Norte, o bloco de florestas de cerca de 39 milhões de hectares entre o norte do Pará e o Amapá. Naquele mesmo ano, duas árvores da mesma espécie, angelim-vermelho, foram descobertas e catalogadas entre as maiores do mundo.  Uma fica no Pará e tem 88,5 metros de altura, duas vezes e meia a altura do Cristo Redentor. A outra fica no Amapá, tem 85,44 metros de altura. As duas ficam em Unidades de Conservação. A descoberta era fantástica e ao mesmo tempo preocupante. A razão? As duas estão ameaçadas.

A maior delas, identificada inicialmente na Floresta Estadual do Paru, no Pará, foi considerada não apenas a maior do Brasil, mas também a quarta maior árvore do mundo. A notícia repercutiu pelo mundo e era tão assombrosa que ambientalistas se reuniram pedindo que a gigante de mais de 500 anos fosse melhor protegida, o que levou à criação do Parque Estadual das Árvores Gigantes em parte da área, em 2024. Na teoria, a Unidade de Conservação de proteção integral garantiria que o angelim-vermelho permanecesse em pé. Na prática, porém, a UC divide atenção do gestor com três florestas estaduais (Paru, Faro e Trombetas), uma área enorme para um número pequeno de servidores, sobretudo com a falta de investimentos, ameaças de grilagem, fogo e garimpo ilegal.

No Amapá, sua parente próxima, outra gigante de 85 metros de altura, não se encontra em situação melhor. Localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, no Amapá, ela corre risco imediato devido ao garimpo ilegal, que hoje opera a um quilômetro de suas raízes.

Além disso, os estudos que identificaram essas duas gigantes ainda estão em desenvolvimento, porém apenas 1% da Floresta Amazônica foi mapeada, ou seja, outros gigantes possivelmente encontram-se ainda desconhecidos pela ciência em meio à mata, mas, considerando a realidade do bioma, podem já estar na mira do correntão, do garimpo e do fogo.

Além disso, a retirada e comercialização do angelim-vermelho é permitida por lei e é comum, ao transitar pela região, encontrar caminhões carregados de toras da espécie, com selo de comercialização. Ver um caminhão, às vezes, carregando a tora de uma única árvore é chocante. Centenas de anos de crescimento e evolução, verdadeiros testemunhos do tempo, mortos e prontos para virar a mesa de alguém. Quando as árvores foram identificadas por pesquisadores, o estado do Amapá aventou a possibilidade de uma normativa para a proteção da espécie. Porém, a iniciativa não vingou e as árvores continuam desamparadas. Como na prática não há uma definição legal do que seria uma “árvore gigante”, qualquer exemplar que não esteja dentro de uma Unidade de Conservação corre o risco de virar tábua, mesmo que tenha mais de 400 anos e seja maior do que aquela descoberta em 2022.

Para piorar, a falta de investimento e fiscalização coloca em risco mesmo aquelas que deveriam estar protegidas nas UCs. A Floresta Estadual do Paru já teve mais de 500 CARs registrados de forma ilegal em sua área. Uma ação do Governo do Pará diminui essa ameaça em 2022, mas em 2024, quando da criação do Parque Estadual das Árvores Gigantes em parte desse território, representantes do “setor do garimpo” que participaram da consulta pública questionaram abertamente a necessidade de proteger cerca de 500 mil hectares, uma vez que a árvore em si ocupava um território pequeno. No entendimento dos ilegais, a presença do Parque traria danos aos “seus negócios”.  A promessa do governo do Pará na época era levar incentivos econômicos por meio do turismo para a região.

Passado quase um ano da criação do Parque, pouco se ouviu falar do assunto. Assim como pouco se ouve falar de operações de fiscalização na região, onde o garimpo e a grilagem prosperam.

Com um número maior de servidores dedicados a cada uma das UCs da região, as árvores gigantes e todo o ecossistema que as circunda estariam mais protegidas tanto do desmatamento para grilagem, como da mineração e a população teria a oportunidade de descobrir fontes de renda a partir da floresta conservada. Com leis fortes e específicas para proteger tanto o angelim-vermelho quanto outras espécies gigantes, como a castanheira, o  corte e a venda destas árvores, inclusive legalmente, seria controlado.

A falta de proteção e o corte descontrolado quase levaram espécies como o pau-brasil (Caesalpinia echinata ou Paubrasilia echinata) e a araucária (Araucaria angustifolia) à extinção. O pau-brasil, na verdade, chegou a ser declarado extinto no início do século XX, mas foi redescoberto em Pernambuco em 1928 e hoje poucos e raros exemplares são encontrados, especialmente em Unidades de Conservação. Já a araucária, antes abundante, especialmente na região sul, hoje resta em somente 0,8% de florestas primárias em que ocorrem, enquanto a árvore é considerada “em Perigo Crítico de Extinção”.

O Brasil, único país com nome de árvore, ao longo dos últimos 525 dizimou quase em sua totalidade a Mata Atlântica e possivelmente deixou de conhecer riquezas imensuráveis. No ano da “COP da Floresta”, a pergunta que fica é: para as gigantes da Amazônia o futuro será diferente ou, assim como na Mata Atlântica, a enormidade do verde da nossa bandeira será apenas uma lembrança presente nos livros de história?

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.