Era meados de 2008 e a cidade do Rio de Janeiro estava polarizada. No auge dos meus oito anos de idade, vivi um momento onde a disputa acirrada, veja bem, era protagonizada por Fernando Gabeira (PV) e Eduardo Paes (PMDB) na corrida para o Palácio da Cidade. A campanha de Gabeira, então candidato pelo Partido Verde, disputou voto a voto com o franco favorito. Sua comunicação despojada, simbolizada em seu jingle simples, porém cativante, “O Rio de Gabeira”, ficou marcada na minha memória. Dezessete anos se passaram, e a prefeitura segue com Eduardo Paes. Já o Rio, que um dia cogitou eleger Gabeira, hoje mal lembra da existência do PV.
“O partido acabou, hoje não existe mais”. A frase contundente é de Ana Borelli: editora, ilustradora, ativista ambiental, filiada, mas ex-militante do Partido Verde brasileiro – como ela mesmo fez questão de ressaltar ainda nos primeiros segundos de conversa. Declarações como essa foram constantes e aparentavam vir de um lugar de mágoa e desapontamento.
Antes, no entanto, as impressões eram diferentes. O Partido Verde, fundado em 17 de janeiro de 1986, serviu de ponto de encontro para Ana Borelli e Alfredo Sirkis – seu companheiro por quase trinta anos, separados após um acidente de carro fatal, em julho de 2020. O casal se conheceu em 1993, durante uma festa de lançamento das candidaturas de Carlos Minc e Fernando Gabeira. Os então candidatos concorriam para os cargos de deputado estadual e federal pelo estado do Rio de Janeiro, respectivamente.
O encontro daquela noite no Clube Lagoinha, no bairro carioca de Santa Teresa, mudou a vida de Ana. Segundo ela, a preocupação com o meio ambiente entrou em seu cotidiano a partir do relacionamento construído com Alfredo. Além de ocupar a presidência nacional do partido desde 1991, Sirkis foi um dos fundadores do PV. Ele apresentou para sua companheira não só a pauta ambiental, mas seu lugar na política brasileira de então.
“A gente era muito colado, então eu conhecia todo mundo porque eu viajava com ele para as convenções, atuava com ele nas manifestações… eu praticamente vivenciei as campanhas eleitorais, participava de tudo. Acho que por isso, de alguma forma, eu virei uma ativista”, ela relata.
Carioca do Flamengo, os primórdios da trajetória política de Alfredo Sirkis (1950-2020) foram durante o período da ditadura militar (1964-1985). Ele ingressou no Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Cap/UFRJ) no ensino médio. Enquanto estudante, participou de movimentos secundaristas, como a Associação Metropolitana de Estudantes Secundaristas (AMES/RJ). Por lá conheceu Carlos Minc, seu futuro colega verde. Juntos com seis companheiros ambientalistas, mais tarde vieram a fundar o PV. Antes, no entanto, a dupla ingressou em movimentos de guerrilha contra o regime. Outros fundadores do partido, a exemplo de Fernando Gabeira e Herbert Daniel, também pegaram em armas contra a tirania militar.

A luta contra a ditadura eventualmente obrigou Sirkis, assim como tantos guerrilheiros, a fugir do Brasil. Em seu último livro, “Descarbonário” (2019), o ex-secundarista conta que o período em que viveu na Europa lhe elucidou sobre as questões ecológicas e a política voltada para o meio ambiente.
Sirkis esteve em Portugal e na França, e conviveu com militantes dos primeiros partidos verdes europeus, ainda no final da década de 1970. Tal vivência mostrava um novo caminho para se fazer política. “Sempre houve uma troca muito grande [com os Verdes na França e Alemanha]. Tudo que ele via lá fora, que achava inovador, interessante, ele queria implementar aqui”, relembra Ana Borelli.
Carlos Minc, que concluiu doutorado na universidade de Sorbonne, em Paris, destaca a influência de professores como René Dumont – candidato à presidência da França pelos Verdes em 1974, na sua formação política naquele contexto.
“Nós vimos durante o exílio as grandes manifestações pacifistas, as grandes manifestações das mulheres na França, e pouco a pouco fui incorporando na minha visão de participação política, as questões ambientais, junto a essas lutas sociais”, relembra Minc, atualmente filiado ao PSB.
O PV no Congresso
Em meio às tentativas de retrocesso ambiental durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), o Partido Verde manteve uma posição de defesa aos princípios da sigla. Conforme mostra o Monitoramento do Congresso de ((o))eco, os então quatro deputados federais do PV votaram contra os Projetos de Lei (PL) conhecidos como “Pacote da Destruição”.
Entre eles estão o projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental, recentemente votado no Senado; o “PL do Veneno” que amplia o uso de agrotóxicos; o PL que enfraquece as Áreas de Preservação Permanente (APPs); o que autoriza mineração em Terras Indígenas; e o “PL da grilagem”, que muda as regras de regularização fundiária de terras públicas federais.
O PV também manteve atuação importante no judiciário, ao protocolar ações pela inconstitucionalidade de leis consideradas anti-ambientais. Um dos exemplos recentes resultou no fim da presunção de boa-fé no comércio do ouro pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O lugar da pauta ambiental na política
A socióloga Angela Alonso, professora de Sociologia da Universidade de São Paulo e pesquisadora do CEBRAP – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, argumenta que o movimento ambientalista entra no debate público a partir da Estrutura de Oportunidade Política nas manifestações pela redemocratização. O movimento ambientalista exemplifica este processo de mudança, pois suas reivindicações surgem como fruto da virada pós-materialista.
Segundo Alonso, estas novas mobilizações buscam melhorias na qualidade de vida e não nas condições de vida. Dessa forma, mobilizam-se coletivamente como forma de pressionar o Estado para ter acesso a recursos e assegurar suas demandas. Portanto, atuam como agentes de pressão e não necessariamente de oposição, de derrubada do governo.
Embora a questão ecológica tenha adquirido espaço no debate público, Alonso argumenta que isso não se refletia em um cenário favorável para a criação de um partido destinado a levantar essa bandeira.
Para a socióloga, a partir da morte de Chico Mendes, em dezembro de 1988, diferentes movimentos sociais e de caráter mais popular passaram a esverdear suas agendas. Esse processo resulta na formação do fórum de Organizações Não-Governamentais (ONGs). A Rio-92 vem para o Brasil em seguida, o que “abre uma janela de oportunidades também para esse ativismo se apresentar internacionalmente como parte dessa grande família ambiental”, destaca.

De partido nichado ao esvaziamento
“PV or not PV, that is the question”. Em alusão ao dilema de Hamlet, Sirkis brinca em trecho de “Descarbonário”. A pergunta introduz um questionamento do próprio fundador sobre o papel do partido na arena política nacional.
A criação do Partido Verde no Brasil foi tida como uma inovação para o debate político no país. A urgência da pauta, no entanto, não se traduziu em força política para a sigla.
Minc, que está em seu décimo mandato como deputado estadual do Rio de Janeiro, conta que segue identificado à legenda, mesmo tendo deixado o PV há mais de 30 anos. Apesar da “generosidade” nas ideias propostas pela sigla, como ele diz, o deputado argumenta que existem outros quadros de ecologistas importantes fora do Partido Verde – a exemplo dele próprio –, e que é necessário incorporar outras pautas na atividade política. “Eu me dei conta que, em um país como o Brasil, se falar exclusivamente da questão ambiental, ninguém se elege”, afirma.
No começo dos anos 2000, o PV alcançou maior representatividade na esfera federal. Em 2010, o partido chegou a conquistar 15 cadeiras no Congresso Nacional. Atualmente, a sigla conta com apenas quatro representantes na Câmara.
Em abril do ano passado, os deputados Luciano Amaral (AL) e Jadyel Alencar (PI) foram expulsos do Partido Verde. A saída ocorreu após ambos votarem contra a manutenção da prisão de Chiquinho Brazão, acusado de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ). A decisão dos congressistas desobedecia a orientação de voto da sigla.
Entre a teoria e a prática
Além das dificuldades para mobilizar um eleitorado em torno da agenda ecológica, o fazer político também se mostrou um desafio. Para Jairo Nicolau, cientista político, professor e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV/CPDOC), os então fundadores do PV foram pouco competentes para nacionalizar o partido “por falta de experiência ou vontade para fazer esse negócio”.
“Esses caras tinham uma visão de Brasil. Agora, formar um partido é uma loucura, né? Eles fundaram um partido aqui no Rio, aí chamam os amigos em São Paulo, em Minas… Mas o Brasil é muito grande, você não consegue nacionalizar”, diz o professor.
O Partido Verde nunca foi um partido de massas, como reconhece Sirkis em “Descarbonário”. Para sua companheira, Ana Borelli, a legenda ganhou novos desafios com a chegada de José Luiz Penna, sucessor de Sirkis na presidência do PV.
José Luiz Penna é presidente nacional do Partido Verde desde 1999. Reconduzido ao cargo em janeiro deste ano, ele se tornou o dirigente de partido mais longevo do país. “A minha leitura é que o Penna foi entrando devagarzinho, começou a se contrapor, a organizar o partido em São Paulo, aí depois virou deputado, aí vai pra Minas, atrai um político lá, oferece a legenda para ele. Quando o grupo fundador percebeu, o Penna foi ganhando e hoje ele domina o fundo eleitoral, tem controle do partido”, destaca Jairo Nicolau.

A socióloga Angela Alonso também classifica a gestão de Penna como centralizadora, o que dificultaria a expansão da legenda. “Você já tinha um partido pequeno que passa a ter uma espécie de grande controlador de agenda, de ingresso, de candidaturas. E essa estratégia que ele adotou, eu acho, contribuiu para que o partido não só não crescesse, como para que ele perdesse oportunidades, porque perdeu membros”, explica.
A conduta do presidente Penna também compromete a renovação de quadros, algo fundamental para a continuidade de uma organização partidária.
“Porque você não permite a criação de novas lideranças, que é a coisa mais importante para a continuidade de um movimento ou de um partido. Você precisa renová-la, você precisa transmitir de uma geração para outra o que foi acumulado. E quando uma liderança se cristaliza nessa posição, ela fecha essas portas”, acrescenta.
A reportagem procurou o atual presidente do PV, José Luiz Penna. Perguntado sobre críticas levantadas por correligionários e políticos que não estão mais no partido sobre sua gestão, Penna, através de sua assessoria, quis saber de antemão os nomes das outras fontes ouvidas por ((o))eco. Diante da recusa da reportagem, não respondeu a ((o))eco. O espaço segue aberto.
Uma nova cara para o PV?
A questão ambiental ganha cada vez mais holofotes em meio ao agravamento da crise climática, mas o mesmo não pode ser dito sobre o Partido Verde. Houve momentos onde a legenda conquistou votações simbólicas. A eleição de Sirkis para Vereador do Rio de Janeiro em 1988, sendo o mais votado da cidade. Ou mesmo a de Gilberto Gil para a Câmara Municipal de Salvador, no mesmo ano. Em 2010, a então candidata do PV à Presidência da República, Marina Silva, somou quase 20 milhões de votos no primeiro turno.

Em contraste a esse retrospecto, o PV se encontra atualmente com apenas quatro deputados federais eleitos, sendo uma das menores bancadas do Congresso Nacional.
No recorte fluminense, o berço da legenda, o partido não conseguiu nenhuma cadeira na Assembleia Estadual em 2022, e teve 19 vereadores eleitos nos pleitos municipais de 2024 – apenas um na capital do estado, o vereador Marcio Santos. Ele ingressou na sigla em abril do ano passado e conquistou a reeleição na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, após obter 21.122 votos.
“Eu nunca fui ecológico, é bom deixar isso claro”, disse o verde, Marcio Santos, após um riso tímido. O vereador, que atualmente é Secretário de Economia Solidária da Prefeitura do Rio, diz que aceitou o convite do Partido Verde pelas ideias em comum. “Não ter muito essa coisa de esquerda nem direita, eu acho que nem centro, sei lá, a gente não sabe muito onde o PV flutua… eu acho que defende ideias, eu acho que isso é o fundamental da história do PV e o que fez eu vir pra cá, pensar no povo”, descreve.
Criado em Bangu, na zona oeste do Rio, o secretário argumenta que a ecologia começa por atender as demandas de populações vulneráveis. Santos, que já foi Subsecretário Municipal de Saneamento, avalia que atender a população com tratamento de esgoto é uma questão básica nesse sentido. “A ecologia já começa por aí [trazer saneamento público]. Hoje é tudo muito fácil. Falar de desmatamento, de mudanças climáticas que estão acontecendo, mas se você não cuida da sua ponta, da sua casa, você não pode fazer ecologia”, completa.
Marcio Santos começou seu mandato na Câmara dos Vereadores pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), até sua eventual fusão que resultou no PRD (Partido Renovação Democrática). Enquanto esteve no legislativo municipal, assinou leis ordinárias como a Lei 6.979, que prevê a inclusão da temática de educação ambiental no programa de ensino das escolas da rede pública municipal. Dentre as noventa leis ordinárias assinadas em sua autoria, quatro estão relacionadas à temáticas de meio ambiente e sustentabilidade.
Recém-chegado ao PV, Márcio Santos ocupa o cargo de presidente municipal da legenda.

Para Fabiano Carnevale, vice-presidente municipal e filiado há trinta anos, a participação do secretário sinaliza uma mudança de estratégia do partido. Segundo ele, é preciso que o Partido Verde exercite a ideia de uma “ecologia popular” e alcance um eleitorado para além de uma classe média urbana, preocupada e consciente das questões ambientais.
O PV estava sem um vereador no Rio de Janeiro há doze anos. Carnevale estima que haja menos de dez mil filiados na cidade. Prestes a completar 40 anos de fundação, os dirigentes querem “levar o PV pra rua”, e acreditam que, para isso, “ele [o partido] vai tomar uma outra roupagem”.
A ideia de expandir seus potenciais eleitores não é um desafio de hoje. Para Jairo Nicolau, que acompanhou as primeiras assembleias do PV no Rio, o discurso de popularizar a sigla assombra os dirigentes partidários desde seus primórdios. “Eu ouço isso desde os anos oitenta”, ele brinca. “Não vejo [essa mudança] no horizonte. Talvez essa descrição seja ilustrativa do que o partido virou – uma legenda como outra qualquer”, finaliza.
Ao aderir a máxima dos Verdes europeus ‘nem de esquerda nem de direita, mas para frente’, Ana Borelli acredita que o Partido Verde se tornou fisiológico e conta com lideranças desengajadas na luta ambiental.
“Na época [da fundação do partido] era uma nova maneira de fazer política, como eu de fato acreditava. Infelizmente, aquela utopia, a ideologia de quando o Alfredo fundou a sigla, desmoronou. Hoje, acho que nem o Partido Verde fala mais de meio ambiente”, completa.