São Paulo — Cadeirada, soco na cara, xingamentos, apelidos jocosos e toda sorte de ofensas pessoais viraram o prato principal colocado à frente de quem vai às urnas em 6 de outubro para escolher o futuro prefeito de São Paulo. Em meio ao deserto de discussões propositivas e à violência política na maior cidade do país, eleitores peneiram o que restou, fazem um resumo do que viram até o momento e usam termos como baixaria, deplorável, palhaçada, vergonha, deprimente e feio para descrever aquilo que foi apresentado pelos candidatos.
O que a reportagem do Metrópoles ouviu nas ruas de São Paulo é condizente com o resultado da pesquisa Quaest divulgada nesta terça-feira (24/9), em que 81% dos eleitores qualificaram os debates entre os candidatos como de baixo nível. Ou seja, se fosse um “corte” para redes sociais, como está na moda, o clima seria de “que Xou da Xuxa é esse?”, para ficar no meme indignado que tomou conta da internet na última semana.
O comerciante Edson da Silva, 56 anos, crítica o panorama geral da eleição em São Paulo. “Acho que vale tudo, é uma baixaria. [Candidatos] Não têm programa de governo e, para ganhar eleição, estão fazendo qualquer coisa para chamar a atenção do eleitorado”, disse.
A empresária Renata Andrade Drebtchinsky, 36 anos, afirma que o cenário é vergonhoso e que as discussões estão seguindo para um rumo que não agrada quem vive na capital paulista. “A gente espera que essa atitude mude o quanto antes, porque não é por aí, né? A política é para ser discutida, para ser planejada, para a gente esperar um futuro para nosso país, cidade, estado”, diz.
O sentimento manifestado pela também empresária Giovana Drebtchinsky, 29 anos, é semelhante. “A situação atual é deplorável, onde a briga gera engajamento, onde é legal estar fora da curva e no fim das contas [isso] não favorece a população, a nós mesmos, nossos filhos e gerações”, afirma.
O motorista de aplicativo Luiz Henrique de Moraes, 32 anos, critica o clima de “quinta série” que tomou conta da eleição. “Estou achando uma palhaçada. Está muito perdida, essa galera da política. Parecem que estão na escola. Realmente, não sabem se controlar, se pôr como políticos mesmo, para ajudar a sociedade e o país. É uma vergonha atrás da outra”, diz.
Moraes compara as baixarias da campanha eleitoral a programa de TV. “Se o povo brasileiro está procurando um reality show, então está mais para isso. Acaba atraindo essas pessoas que querem ver a zona acontecer. A galera séria vê que nenhum político hoje oferece opção ali”, afirma.
O product owner Fernando Toshio Fujimura, 51 anos, também critica a campanha usando a TV como comparativo. “Para ver baixaria, é melhor ver o Ratinho ou até o próprio Datena no programa dele”, diz. “Infelizmente, a gente está vivendo uma fase bem intolerante. Os candidatos estão querendo mais rebaixar um ao outro e esqueceram totalmente da plataforma de propostas políticas”, afirma.
Especialista em marketing, Pedro Felipe da Silva, 20 anos, diz que é deprimente o que tem visto. “A política se tornou até parecida com fanatismo religioso, em que ídolos não podem ser contestados. De alguma maneira, as pessoas começaram a gerar uma idolatria doentia por políticos”, afirma.
O supervisor de logística Isidoro Rodrigues de Freitas Junior, 42 anos, afirma que o cenário “está muito feito, no geral” e que as brigas não têm levado a nada. “Não devemos partir para vias de fato, ignorância. O fator principal não está sendo discutido. O que realmente importa é discutir as questões políticas, melhorias para o povo”, diz.
A auxiliar de ouvidoria Aline de Oliveira, 41 anos, também demonstra decepção com a postura dos candidatos. “Acho que tudo é uma palhaçada e não estão focando no que precisa, que é ajudar ao povo e falar o que queremos saber. Ficam disputando como se fosse num ringue”, diz. O resultado é a dúvida. “Estou bem indecisa agora. Tinha uma decisão formada e estou bem triste com o que vi nos debates.”
Responsabilidade
Cientista político e diretor executivo do Transparência Partidária, Marcelo Issa afirma que agressividade e violência em geral levam a engajamento, e isso não apenas na política. “Então, o que nós vemos, são atores políticos se aproveitando desse fato já sabidamente reconhecido e comprovado por pesquisas de que agressividade, violência, sentimento de revolta, enfim, são principais fatores a provocarem engajamento nas redes”, diz.
Issa também afirma que o principal efeito da violência política na campanha é que o centro das discussões acaba se desviando dos problemas reais da cidade, que afetam o dia a dia das pessoas. “Lembrando que é no município que as principais políticas públicas para o cidadão são realizadas”, diz. “O principal efeito é desviar o foco dessas questões para a própria violência em si, prejudicando a qualidade do debate e a formação consciente do voto do cidadão”, afirma.
O cientista diz que esse tipo de problema não é algo inédito, mas que cresceu muito especialmente depois de 2018 e é um fenômeno que não se restringe às eleições.
O especialista também diz que é preciso responsabilizar partidos políticos pela escolha de pessoas desqualificadas. “Vimos e continuamos a ver candidatos que pregam contra a democracia e são tolerados por partidos e sistema de justiça. A Constituição determina que os partidos sejam guardiões da democracia. É incompreensível que a sociedade brasileira admita que os partidos lancem candidatos que não tenham compromisso democráticos”, afirma.
Issa também responsabiliza a imprensa pelo cenário atual. “Existe um equívoco do jornalismo, da imprensa, em dar visibilidade a esse tipo de candidato, em repercutir suas declarações, em convidá-los para discussões que devem se pautar por princípios democráticos, como são os debates políticos, transmitidos por televisões e redes sociais”, diz.
Doutor em comunicação política e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Roberto Gondo afirma que a violência política não é algo raro de acontecer, embora não costume se manifestar de forma tão explícita como se deu nestas eleições, em especial a dois candidatos considerados coadjuvantes na disputa. Segundo o especialista, os dois líderes nas pesquisas têm sido mais cuidados em relação a isso.
Gondo diz que a legislação eleitoral é importante para conter problemas dessa natureza, mas que nem sempre se consegue fazer um controle pleno sobre esse tipo de situação. “O que se coloca é que, às vezes, não é só candidato que agride. Quem agride também são assessores e isso também gera um problema, porque não se consegue rastrear todos os envolvidos no processo e fazer a punição nesse momento eleitoral”
Segundo Gondo, a forma como a sociedade pode se manifestar em relação à violência política é boicotando quem promove esse tipo de violência. “A partir do momento em que essas pessoas que tentam a atenção a partir da violência perceberem que isso é muito mais negativo do que ganhar notoriedade, eles [candidatos] não vão fazer. Eles fazem porque isso gera mídia, visibilidade. A melhor saída é a conscientização da sociedade e evitar candidatos e narrativas populistas, extremistas”.
Fonte: Oficial