Imagens gravadas pelas câmeras corporais dos policiais militares envolvidos na morte de um morador da comunidade de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, na última quinta-feira (10/7), mostram o momento em que os agentes atiraram contra Igor Oliveira, de 24 anos, que estava rendido e desarmado.
Na ocasião, quatro suspeitos invadiram a casa de uma moradora da comunidade para fugir dos policiais. Na gravação, obtida pelo Metrópoles, é possível ver a ação de três militares em um quarto onde estavam três dos quatro jovens, entre eles Igor Oliveira.
Igor e os dois jovens estavam rendidos por outro policial quando outro agente dispara duas vezes. Os jovens se abaixam. Em seguida, o policial cuja câmera corporal gravava a ação aponta a arma para Oliveira e pergunta: “Tem passagem?”, ao qual o jovem responde “Não, senhor”. “Então, levanta”, diz o militar. Nesse momento, ele atira na cabeça do jovem, e outro policial atira contra ele em seguida.
Após um barulho da câmera corporal do policial, ele diz “As COP, as COP”, e vira-se para outra direção. “As COP, as COP”, responde outro militar, referindo-se às câmeras operacionais portáteis (COP). Com o dispositivo virado para uma janela, é possível ouvir ainda mais dois disparos de arma de fogo.
Veja:
Tarcísio admite “ilegalidade”
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou no sábado (12/7) que a análise das câmeras corporais dos agentes envolvidos na ação em Paraisópolis mostrou que houve “ilegalidade” por parte dos agentes.
Os moradores de Paraisópolis protestaram após a morte de Igor Oliveira. Um confronto durante o ato deixou um homem de 29 anos morto e um policial militar baleado. Ele foi levado ao Hospital Albert Einstein.
“Chamou a atenção a reação da comunidade em Paraisópolis. Então, nos levou a crer que podia ter havido um problema. Da análise das câmeras corporais, vimos que realmente tinha havido ali uma ilegalidade e vamos coibir com rigor. Vamos dar o respaldo, sim, para as forças de segurança, mas não vamos tolerar o desvio, a ilegalidade e o abuso”, afirmou Tarcísio durante agenda nesta sábado em Cerquilho, no interior de São Paulo.
O porta-voz da PM, coronel Emerson Massera, já havia afirmado, em entrevista coletiva realizada na sexta-feira (11/7), que não havia justificativa para os agentes da corporação atirarem na cabeça e matarem um homem já rendido durante uma operação na comunidade.
Segundo Massera, o homem não oferecia risco quando os policiais fizeram os disparos.
“Dois policiais efetuaram os disparos. Não havia nada que justificasse nesse momento o disparo por parte da força policial”, disse o porta-voz da corporação.
No mesmo dia, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) também informou que imagens das câmeras corporais utilizadas pelos PMs, que entraram na comunidade para averiguar uma denúncia de tráfico de entorpecentes, comprovam que houve execução.
A corregedoria da corporação já efetuou a prisão dos militares envolvidos no caso. “Os dois policiais vão ser indiciados para o homicídio doloso, vão ser apresentados à Justiça e vão responder pelo crime que cometeram”, afirmou Tarcísio, que defendeu o aumento no investimento em tecnologia para melhorar a qualidade do trabalho policial.
“Vamos precisar investir muito mais em tecnologia, em inteligência artificial, agregar isso nas nossas ações. E sempre reciclando, sempre fazendo treinamento para que eventos como o de Paraisópolis não voltem a se repetir”, disse o governador.
Suspeitos desarmados
- O jovem executado em Paraisópolis por PMs estava desarmado, assim como os outros três suspeitos que também invadiram a casa para fugir de perseguição, segundo uma testemunha ouvida pelo Metrópoles. O morto, Igor Oliveira, tinha 24 anos.
- Os policiais afirmaram ter encontrado armas e drogas no local, o que foi desmentido pela proprietária do imóvel. Em fotos e vídeos enviados à imprensa, o material apreendido aparece disposto sobre a cama.
- Atrás do móvel, era possível ver o rosto do homem morto, com olhos abertos e um tiro no pescoço.
- Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) lamentou a divulgação das imagens. Em coletiva de imprensa, na manhã dessa sexta (11/7), o porta-voz da PM repudiou a conduta dos agentes que mataram um homem rendido.
- Dois policiais foram presos em flagrante. Os demais presentes na operação, que testemunharam os tiros, foram indiciados, mas não presos.
PM mudou versão
Inicialmente, a PM afirmou que agentes realizavam patrulhamento pela região quando receberam uma denúncia sobre indivíduos que estariam armados com fuzis na região.
Segundo a corporação, ao chegar no local, os policiais perceberam uma “correria” e uma tentativa de fuga por parte de quatro suspeitos. Os supostos criminosos entraram em uma residência da região.
Um suspeito foi baleado e morreu no local. Os outros três foram presos. Armas de fogo, munições, entorpecentes e anotações do tráfico foram apreendidos.
Mais tarde, a polícia informou que a operação no local foi montada para averiguar a existência de uma casa-bomba na região. O endereço, contudo, não foi localizado.
Comunidade protestou após morte de suspeito
Os moradores de Paraisópolis protestaram após a morte do jovem em suposto confronto com a polícia. Os manifestantes montaram barricadas e atearam fogo em pneus e madeira nas ruas do bairro.
Durante a manifestação, outro homem foi morto. Desta vez, a PM afirma que não houve exagero por parte da corporação. Um policial foi baleado e socorrido ao Hospital Albert Einstein.
A SSP dividiu o caso em duas ocorrências: a da operação que matou um homem durante a tarde e a do protesto em si. Ambas estão sendo investigadas pelo Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), por meio de inquérito policial.
Um inquérito policial militar também foi instaurado para apurar os fatos. As câmeras corporais dos agentes serão analisadas para completo esclarecimento das ocorrências, informou a pasta.
Paraisópolis lidera mortes por PMs
Como o Metrópoles mostrou na reportagem especial A Política da Bala, a comunidade de Paraisópolis é líder, em toda a capital paulista, no número mortes causadas por PMs. O material, que analisou 246 mortes em ações da corporação, revelou que os agentes mataram 85 pessoas desarmadas e 47 com tiros pelas costas.
O 89º Distrito Policial (Morumbi) é a delegacia com a área que possui mais casos na cidade, um total de 14. Desses, a reportagem localizou cinco casos apenas em três quarteirões de Paraisópolis. Ao menos um deles, sobre a morte de um adolescente, levantou suspeitas de que o suposto confronto apontado pelos PMs pode não ter acontecido.
Os casos aconteceram nas ruas Herbert Spencer, Pasquale Gallupi e Ernest Renan – essa última é a mesma onde acontecia o baile funk em que houve o tumulto com a chegada de PMs e que resultou nas mortes dos jovens que estavam no local.
Dos 22 PMs que mataram mais de uma pessoa em 2024, cinco são do 16º Batalhão, que atende a região de Paraisópolis.
O que diz a PM
- Em relação ao volume de mortes causadas pela corporação, a Polícia Militar afirmou, por meio de nota, que “não tolera desvios de conduta” e que, “como demonstração desse compromisso, desde o início da atual gestão, 463 policiais militares foram presos e 318 demitidos ou expulsos”.
- Segundo a PM, todas as mortes por policiais são investigadas com acompanhamento da Corregedoria e do Ministério Público do estado.
- Além disso, o comunicado afirma que em todos os casos são instauradas comissões para identificar “não conformidades”.
- “A atual gestão investe em formação contínua do efetivo, capacitações práticas e teóricas, e na aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, como armas de incapacitação neuromuscular, com o objetivo de mitigar a letalidade policial”, diz o comunicado”.
Fonte: www.metropoles.com