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Brasil aposta em mosaicos de conservação para gerir suas vastas florestas

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Brasil aposta em mosaicos de conservação para gerir suas vastas florestas

Do assentamento ribeirinho de Puranga Conquista, na floresta amazônica, Elisângela Borges envia loções, sabonetes, xampus e óleos de sua própria linha de produtos para cidades distantes no Brasil, Índia e Estados Unidos.

De sua varanda à beira do Rio Negro, Borges conta que sua empresa, Yara Amazonas, deu início a uma parceria com madeireiros para extrair óleos e sementes da floresta, ao invés de cortar árvores.

“Vale muito mais a floresta em pé do que derrubada”, Borges afirmou ao Context.

A Yara Amazonas é somente uma dentre dezenas de iniciativas sustentáveis dentro do mosaico de áreas protegidas do Baixo Rio Negro, um grupo de 14 unidades de conservação estabelecidas entre 1980 e 2018, que cobre uma área maior que a Irlanda.

O governo federal criou o sistema de mosaicos em 2000 para melhorar a gestão de reservas naturais contíguas ou sobrepostas, e para empoderar as comunidades que vivem nelas, de acordo com Henrique Pereira, professor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.

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Compostos por membros da comunidade e administradores federais, estaduais e municipais, os conselhos que gerenciam os 27 mosaicos do Brasil ajudam a combater grileiros, madeireiros e fazendeiros ilegais, e permitem que o financiamento alcance iniciativas locais.

A gestão de áreas protegidas, desde parques nacionais, que possuem regras proibindo a moradia humana, até territórios indígenas e assentamentos para desenvolvimento sustentável, é uma tarefa monumental no Brasil.

Essas áreas correspondem a cerca de 40% do território do país, uma área maior que a Índia, de acordo com um levantamento de 2024 do governo federal, e são regidas por diferentes regras e jurisdições.

O Brasil está se preparando para sediar em Belém em novembro a COP30, conferência da ONU sobre mudanças climáticas, criando expectativa sobre o financiamento de ações para proteger o meio ambiente no país e o apoio a comunidades locais.

Uma seca severa na Amazônia aumentou a insegurança alimentar, segundo autoridades brasileiras, assim como incêndios florestais que contribuíram significativamente para a perda recorde de florestas no mundo em 2024, de acordo com um relatório publicado no mês passado pela ONG ambiental World Resources Institute.

Cientistas afirmam que o desmatamento está agravando os efeitos das mudanças climáticas, ameaçando transformar grandes áreas da Amazônia em ecossistemas mais secos e degradados.

A composição diversificada dos membros do conselho dos mosaicos os ajuda a trocar experiências e a se fortalecer para que medidas de conservação criadas no papel funcionem na prática, disse Marcos Pinheiro, coordenador da Rede de Mosaicos de Áreas Protegidas (REMAP).

Lar de mais de 800 famílias, segundo um censo de 2024, incluindo membros de duas nações indígenas, Puranga Conquista é uma reserva de desenvolvimento sustentável de 86.000 hectares que faz parte do Mosaico do Baixo Rio Negro.

Para chegar até lá a partir de Manaus, capital do estado do Amazonas e município onde a maior parte do Mosaico do Baixo Rio Negro está localizada, é preciso fazer uma viagem de barco de uma hora pelo Rio Negro, margeado pela floresta e algumas casas de madeira.

Em reservas do tipo, moradores recebem lotes de terra onde podem cultivar, pescar e extrair sementes, frutos e madeira sob regras ambientais rígidas e um plano desenvolvido pela comunidade.

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Direito à terra

Mas nem sempre foi assim.

Quando a área foi protegida pela primeira vez em 1995, Puranga Conquista foi classificada como parte de um parque estadual, um tipo de unidade de conservação em que assentamentos humanos são proibidos.

Pessoas que viviam lá há décadas poderiam ter sido expulsas, como afirmou o líder comunitário Francisco Borges, pai de Elisângela e membro do conselho do mosaico.

Em 2000, a comunidade deu início a uma campanha com o apoio de outras unidades do mosaico e conseguiu, em 2014, persuadir as autoridades a reclassificar a área como uma reserva de desenvolvimento sustentável, para que a população pudesse continuar vivendo ali.

“Politicamente, uma demanda do conselho do mosaico é muito mais forte do que um pedido de uma única unidade de conservação”, disse Francisco Borges.

Em 2018, o Mosaico do Baixo Rio Negro ganhou outros 580.000 hectares, depois que comunidades fizeram uma campanha e conseguiram que a área desprotegida fosse reconhecida como uma reserva para desenvolvimento sustentável.

De acordo com ambientalistas, promover direitos comunitários à terra é essencial para conter o desmatamento, já que a medida desencoraja que pessoas desmatem florestas públicas para reivindicar suas terras como propriedades privadas.

O Fundo Amazônia, um mecanismo internacional de apoio a projetos para conter e reverter o desmatamento, ajudou a financiar a produção da Yara Amazonas e três oficinas usadas por indígenas locais para produzir artesanato.

Existem diversas outras iniciativas dentro do Mosaico do Baixo Rio Negro, incluindo grupos de jovens, brigadas de incêndio, oficinas de móveis e medidas para preservar populações de tartarugas.

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Desembarque de mudas na RDS Puranga Conquista, em Manaus. Foto: Nathalie Brasil/Fundação Thomson Reuters.

Desafios políticos

Mas essas iniciativas nem sempre contam com apoio político.

Pinheiro, da REMAP, afirma que muitos mosaicos de conservação contribuíram para manter as comunidades engajadas na proteção territorial durante tempos de turbulência política.

Entre 2019 e 2022, o governo de extrema-direita do Presidente Jair Bolsonaro coincidiu com um aumento no desmatamento no Brasil, conforme conselhos e outras políticas ambientais foram desmantelados.

O conselho do Mosaico do Baixo Rio Negro continuou, no entanto, a funcionar extra-oficialmente.

“Essa rede que atua no Rio Negro … entendeu que era um temporal passando – todos ficaram quietos, mas continuaram se reunindo”, disse Pinheiro.

Os desafios políticos, no entanto, não desapareceram.

Um projeto de lei para flexibilizar as regras que regem o licenciamento ambiental continua a tramitar no Congresso.

O poderoso setor do agronegócio brasileiro apoia as mudanças, mas a ONG ambiental Instituto Socioambiental afirma que elas permitiriam ignorar grande parte do impacto de estradas, ferrovias, usinas hidrelétricas e outros projetos em áreas protegidas.

Elisângela Borges disse que o Brasil tem um potencial ainda a ser explorado para promover o desenvolvimento sem prejudicar a natureza.

“Começamos com um investimento de 120 reais e agora estamos mostrando do que uma unidade de conservação é capaz”, disse. “A natureza me trouxe isso – é libertador.”

(US$ 1 = 5,6892 reais)

(Reportagem de André Cabette Fábio; Edição de Jack Graham e Jon Hemming)