Candidatos às prefeituras de alguns dos municípios mais desmatados do Brasil são fazendeiros que, em diversos casos, acumulam desmatamento em suas propriedades, embargos do Ibama e processos por crimes ambientais. Levantamento obtido por ((o))eco encontrou problemas em 147 registros do Cadastro Ambiental Rural (CAR) realizados em nome de 63 candidatos a prefeito de 46 das 70 cidades prioritárias para ações contra o desmatamento na Amazônia – as campeãs de desmatamento no bioma.
Esses problemas vão desde passivos na Reserva Legal até sobreposições com unidades de conservação ou terras indígenas. Dos 63 candidatos, 18 são prefeitos em busca de reeleição, 3 são vice-prefeitos e 2 são deputados federais – Gerlen Diniz (PP-AC), candidato em Sena Madureira (AC); e Léo Moraes (PODE-RO), candidato em Porto Velho (RO). Outros 4 são candidatos de situação, apoiados por atuais prefeitos de saída dos cargos – incluindo Arthur Possimoner (MDB), sobrinho de Leila Possimoner (MDB), prefeita de Placas (PA).
Os municípios da lista de cidades prioritárias, em maioria no chamado Arco do Desmatamento, fazem parte de um monitoramento especial realizado pelo Governo Federal no âmbito do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Segundo dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (PRODES), do INPE, citados pelo Ministério do Meio Ambiente, “estes municípios foram responsáveis por 78% e 73% do desmatamento nos períodos 2021/22 e 2022/23, respectivamente”.
Em monitoramento por satélite realizado a partir de 2008, as propriedades somam cerca de 3.035 km² de desmatamento – o equivalente a duas vezes a cidade de São Paulo. 5 das propriedades estão sobrepostas a unidades de conservação e 2 estão sobrepostas a terras indígenas – um desses cadastros foi cancelado. De acordo com a 5ª fase PPCDAm, lançada em 2023, o governo prevê cancelar todos os CAR em terras públicas até 2027.
Prefeito paraense, que também é pecuarista, luta contra desintrusão de terra indígena
João Cleber (MDB), prefeito de São Félix do Xingu (PA), é um caso de destaque. Com patrimônio declarado à Justiça Eleitoral no valor de R$ 14,6 milhões – mais da metade em cabeças de gado –, o prefeito-pecuarista tenta reeleição no município com maior rebanho bovino do país. São 2,5 milhões de cabeças de gado na cidade com 65 mil habitantes, ou 38 bois para cada pessoa.
Esse enorme rebanho na cidade gera pressão sobre suas terras indígenas – especialmente as TIs Kayapó, Apyterewa e Trincheira Bacajá, entre as mais devastadas da Amazônia. A Repórter Brasil mostrou como candidatos em São Félix do Xingu, como Silvio Terraço Hotel (PL), que concorre a prefeito, Lauanda Apyterewa (que, apesar do nome escolhido, não é indígena) e Antônio Borges Belfort, candidatos a vereadores também pelo PL, tentam se cacifar politicamente em cima das invasões às TIs e da luta contra as desintrusões, como a ocorrida na Apyterewa no fim do ano passado.
No comando do Executivo municipal, por sua vez, João Cleber também agiu contra a desintrusão. Segundo ação judicial do Ministério Público Federal, o prefeito postou vídeo no dia 16 de outubro de 2023, no perfil oficial da prefeitura no Instagram, “afirmando de forma inequívoca que intercedeu junto ao governador do Estado do Pará com o objetivo de parar a realização da desintrusão”, o que se provou mentira.
Em sentença, o juiz federal Claudio Cezar Cavalcantes afirmou que “o prefeito tem usado as redes sociais para veicular FAKE NEWS e incentivar a população a resistir o procedimento de reintegração de posse da TI Apyterewa”. “No vídeo juntado aos autos, João Cleber afirma que a operação foi suspensa. Tal notícia é falsa”, reforçou o magistrado da Vara Federal de Redenção (PA). Embora o método seja diferente, o objetivo é uma repetição: como mostrou o De Olho nos Ruralistas, João Cleber, à época também prefeito, ameaçou renunciar em 2016 caso o então governo Dilma avançasse com a desintrusão.
O prefeito acabou proibido de se manifestar em vídeo contra a operação, de adentrar a terra indígena e de discutir a legalidade da operação com a população, sob pena de multa de R$ 100 mil para cada violação. O afastamento da prefeitura, que o MPF também pedia, por outro lado, não foi acatado. Outra ação também corre na Justiça Federal relacionada a ações do prefeito na TI Apyterewa – o emedebista teria autorizado obras de recuperação de uma estrada no interior da reserva para benefício dos invasores, ainda em 2021.
João Cleber, segundo o levantamento ao qual ((o))eco teve acesso, é dono de ao menos três terras na região, chamadas “Fazenda Bom Jardim I, II e III” (que teve o CAR suspenso); “Fazenda Ouro Branco” (CAR pendente, aguardando análise, com 955 hectares de passivo de reserva legal); e “Sítio Ouro Pardo” (cujo CAR consta como pendente, “analisado, aguardando atendimento a notificação” e com a localização da Reserva Legal “não aprovada”).
O desmatamento na Fazenda Bom Jardim I, II e III, segundo o monitoramento por satélite, chegou a 3800 hectares desde 2008. Tanto a Bom Jardim quanto a Ouro Branco contam com áreas embargadas pelo Ibama; a primeira num total de mais de 1300 hectares, a segunda sem especificação. As multas relacionadas estão na casa de R$ 9,2 milhões – embora, desse valor, apenas R$ 88,5 mil, de multas emitidas em julho de 2011, não conte com o status “para homologação/prazo de defesa”. Destas multas mais antigas, uma de R$ 87,5 mil teve parcelamento extrajudicial aprovado, e outra R$ 1 mil aguarda pagamento.
Entramos em contato com o prefeito João Cleber na semana passada para que ele pudesse comentar o desmatamento detectado em suas propriedades. Não houve retorno. O espaço segue aberto.
As acusações contra o prefeito, porém, não param nos crimes ambientais, embora estejam relacionadas a eles. Em reportagem de 2022, o jornal estadunidense Washington Post acusou João Cleber e seu irmão, o suplente de deputado estadual Torrinho (MDB) – que chegou a assumiu o mandato durante licenças de Igor Normando (MDB), candidato a prefeito de Belém –, de supostos crimes de grilagem de terras, exploração de trabalho análogo à escravidão e até assassinatos, inclusive de ambientalistas. As pessoas ouvidas pela reportagem deixavam claro o receio de falar. Ambos negam as acusações.
O candidato à reeleição em São Félix do Xingu até respondeu a um processo por supostamente explorar três trabalhadores de maneira análoga à escravidão na Fazenda Bom Jardim, em denúncia do Ministério Público Federal de 2016. Em abril de 2023, porém, acabou absolvido.
Segundo o juiz federal Halisson Costa Gloria, da Vara Federal de Redenção, “a ausência de banheiros, água tratada, alojamento adequado e o deficiente fornecimento de equipamentos de proteção individual certamente configuram excessos na forma de exploração laboral, e devem ser coibidos pelo sistema fiscalizatório trabalhista, sem, contudo, representar, por si só, o tipo previsto no art. 149 da Lei Penal Brasileira [trabalho análogo à escravidão]”.