Um relatório do comitê independente da Americanas, criado para investigar o escândalo que envolve a varejista, mostra que os responsáveis por avaliar o caso tiveram dificuldades de acesso a informações.
De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, o documento foi concluído há mais de dois meses, mas ainda não foi divulgado publicamente pela companhia. Nesta semana, a Justiça disponibilizou o relatório nos autos do processo.
O comitê independente, criado em 2023, é formado pelo advogado Otávio Yazbek; pelo professor Eduardo Flores, que dá aula de contabilidade na Universidade de São Paulo; e pelo executivo Antonio Manso, com passagens por empresas como Fibria e Latam.
O relatório mostra que a investigação enfrentou limitações por causa do desligamento de funcionários antes que pudessem ser entrevistados. Além disso, o acesso aos dados de algumas pessoas relevantes foi apenas parcial.
Ao todo, 15 integrantes dos conselhos de administração e fiscais e comitês de auditoria e financeiro da Lasa, da B2W e da Americanas concordaram em compartilhar seus dados, desde que filtrados conforme critérios estabelecidos previamente.
As dificuldades do comitê independente
Entre as limitações, a investigação independente também menciona a falta de acesso aos acordos de delação dos ex-executivos Marcelo Nunes e Flávia Carneiro. Ambos recebem da Americanas um pacote de benefícios pela delação.
A Americanas alega que não teve ingerência na investigação. Em nota, declarou não ter poderes coercitivos para requerer esclarecimentos e que o comitê atuou diretamente com os afastados pela companhia para coletar informações.
O relatório também destaca o papel dos bancos em diversos momentos, incluindo trocas de e-mails entre funcionários das instituições e executivos da varejista no contexto do risco sacado. O risco sacado, ou confirming, envolve crédito bancário para antecipar pagamentos a fornecedores. No caso da Americanas, essa operação foi usada para maquiar a real situação financeira da empresa.
Em depoimento à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no começo de 2023, o bilionário Beto Sicupira, então integrante do conselho de administração e um dos principais acionistas, afirmou que a Americanas nunca teve histórico de risco sacado e que esse tipo de operação jamais foi levado ao conselho.
A resposta dos bancos
Em um trecho sobre risco sacado, o relatório apresenta trocas de e-mails entre funcionários da Americanas sobre reuniões com o Santander.
De acordo com o relatório, no dia 27 de março de 2017, o funcionário da Americanas Tiago Costa elaborou um resumo de uma reunião com o banco, realizada em 24 de março.
“O banco entende que o melhor posicionamento é não dar disclosure total da operação”, relata Costa a Fábio Abrate, ex-diretor financeiro da varejista, referindo-se ao termo contábil usado para descrever o processo de fornecimento do acesso público a informações financeiras de uma empresa, com o objetivo de dar transparência a esses dados. “O ideal é lançar no balanço como uma rubrica especial ou como subitem destacado, dentro da linha de fornecedores. Das duas formas, é preciso tratar do assunto nas notas explicativas.”
Depois, Abrate enviou um e-mail para Costa e perguntou qual é a data do comitê do Santander. Costa respondeu que o dia depende da agenda de Sérgio Rial, então CEO do Santander, que assumiu a Americanas em janeiro de 2023.
Procurado, o Santander afirmou que não tem ingerência, supervisão nem responsabilidade sobre as demonstrações financeiras da Americanas. “O estudo sobre operações de confirming a que se refere o relatório tratava-se, na verdade, de material de orientação aos clientes sobre o tratamento fiscal e contábil deste produto, em obediência às regras da autoridade reguladora”, informou o banco. “Sendo assim, o Santander repudia qualquer insinuação contrária à lisura e correção em sua relação com a empresa, reiterando ter sido também vítima das fraudes.”
Ex-CEO da Americanas vive na Espanha
Em outro ponto, o relatório mostra uma troca de mensagens com emojis de risadas do então diretor Fabien Picavet, sobre venda de ações da Americanas. No diálogo, ainda em 2022, seu ex-colega Raoni Lapagesse afirma que Miguel Gutierrez, ex-CEO da Americanas, seria investigado por vender ações antes do anúncio de sua saída da companhia. “Mas aí ele já estará foragido em Madri”, diz Lapagesse.
Gutierrez tem cidadania espanhola e hoje mora na capital espanhola. Em agosto, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) lhe concedeu habeas corpus.
Em nota, a defesa de Gutierrez declarou que os fatos apresentados no relatório não são conclusivos e que o documento não caracteriza fraude contábil nem autoria ou materialidade de crimes.
Fonte: Oficial