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Como o garimpo ameaça a Amazônia, de certa forma com o aval do Estado

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Como o garimpo ameaça a Amazônia, de certa forma com o aval do Estado

As coisas mudam para continuarem iguais. Não à toa o garimpo é uma herança colonial que atravessa a história da Amazônia, carregando seus velhos males até hoje. Embora regulamentada pelo Código de Mineração desde 1989 e classificada por lei como uma atividade de alto impacto socioambiental, a prática escapa a uma legislação defasada que alimenta ciclos de exploração e sustenta a impunidade. Isso porque seu arcabouço jurídico foi desenhado para um cenário de pequena escala, muito distante do cenário atual, em que predominam grandes empreendimentos disfarçados de garimpo. A regulação obsoleta, somada a flexibilizações indevidas do licenciamento ambiental e à falta de transparência na implementação de salvaguardas, permite que o garimpo “legal” opere com os mesmos efeitos nocivos do ilegal — como desmatamento, contaminação por mercúrio, conflitos com povos tradicionais e trabalho escravo. Então, para haver mudanças estruturais, não basta mudar — é preciso acompanhar o tempo.

No Brasil, o ouro é o principal motor da atividade garimpeira, impulsionado por seu alto valor no mercado global e facilidade de comercialização. Atualmente, 85% dos garimpos em operação no país se dedicam à sua extração, e mais de 90% da área garimpada — tanto legal quanto ilegal — está concentrada na Amazônia Legal. Somente entre 2016 e 2023, por exemplo, mais de 80% das permissões para garimpo de ouro no território nacional foram concedidas na região amazônica, totalizando 630 mil hectares — o equivalente a quatro vezes o território da cidade de São Paulo.

O Pará e o Mato Grosso concentram a maior parte dessas permissões. No caso do Pará, a situação é ainda mais crítica: o licenciamento ambiental ocorre de forma simplificada e descentralizada para os municípios, com pouca transparência e baixo controle. O estado paraense, de grande relevância nacional e regional, combina uma extensa cobertura florestal com um alto número de garimpos passíveis de legalização — condições que poderiam posicioná-lo como referência na gestão responsável da atividade. Porém, a condução precária desse processo tem contribuído não para o fortalecimento das políticas públicas, mas para um colapso na região.

Os números confirmam que o garimpo deixou de ser algo artesanal para se tornar um empreendimento de natureza corporativa e industrial — sem que normas ambientais e de controle tenham acompanhado essa evolução.

Os dados são do estudo Garimpo Legal do Ouro na Amazônia: Recomendações para um Adequado Controle dos Impactos Socioambientais, elaborado pelo Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio) e pelo projeto Amazônia 2030. Na pesquisa, os autores analisaram as normas ambientais aplicadas ao garimpo e concluíram que, mesmo quando realizada legalmente, a atividade não conta com mecanismos eficazes para prevenir ou reduzir os impactos socioambientais na Amazônia. Então, a omissão do Estado, personificada em falhas na regulação e na fiscalização da atividade, fomenta terreno fértil para a expansão desenfreada do garimpo legal, que assume cada vez mais a lógica de um negócio empresarial.

As cooperativas de garimpeiros operam em áreas 178% maiores do que aquelas exploradas por pessoas físicas e pequenas firmas somadas, e mais que o dobro da média empresarial. Os números confirmam que o garimpo deixou de ser algo artesanal para se tornar um empreendimento de natureza corporativa e industrial — sem que normas ambientais e de controle tenham acompanhado essa evolução. Para evitar um atraso ainda maior, é crucial atualizar a regulamentação da atividade a esse cenário tanto em âmbito federal quanto estadual — antes que as consequências se tornem irreversíveis.

Pesquisadores afirmam que o primeiro — e mais importante — passo é exigir uma pesquisa prévia obrigatória para atividades de garimpagem, sobretudo quando operadas por cooperativas, dado que hoje isso é aplicado somente à mineração industrial. Essa etapa garantiria maior controle ambiental e ajudaria a combater a lavagem de ouro — que continua presente mesmo em operações legais.

Flexibilizar ainda mais o garimpo não é uma opção diante do cenário nebuloso que enfrentamos – por isso, os pesquisadores recomendam o arquivamento de projetos de lei que tramitam no Congresso com esse intuito. Os estados têm papel decisivo nesse processo, com destaque para o Pará, que pode liderar iniciativas públicas voltadas ao fortalecimento do licenciamento ambiental, com mais rigor técnico, transparência e estrutura institucional. Sem reformas profundas, o garimpo de ouro na Amazônia continuará sendo um vetor de destruição sem freio com aval do Estado.

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