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De casa vendida a suicídio: como o Jogo do Tigrinho destrói famílias

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De casa vendida a suicídio: como o Jogo do Tigrinho destrói famílias

São Paulo — A esperança de ganhar dinheiro fácil em plataformas de apostas on-line, cada vez mais disseminadas no país, tem virado um drama para milhares de famílias brasileiras. Jogadores têm perdido o controle e, consequentemente, muito dinheiro em jogos de azar na internet, que são divulgados, em muitos casos, por influencers. Um dos mais populares é conhecido no Brasil como Jogo do Tigrinho.

Desde 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o uso abusivo de jogos eletrônicos como uma doença, pelo fato de a jogatina on-line promover prejuízos físicos, psicológicos e inter-relacionais. Há situações em que o vício vira caso de polícia. Jogadores contraem altas dívidas, vendem seus bens, chegam a fugir de casa com medo de credores e até a tirar a própria vida.

O delegado Eduardo Simões Miraldi, do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), afirmou ao Metrópoles que, somente neste ano, a Polícia Civil identificou quatro casos de suicídios de pessoas que se desestabilizaram emocionalmente, por causa das apostas online, no estado de São Paulo.

Atualmente, o departamento policial toca oito investigações, divididas na mesma quantidade de inquéritos, nos quais constam como principais alvos influenciadores digitais, que contribuem para a disseminação massiva das plataformas de apostas.

Os jogos mais populares entre os brasileiros são uma espécie de cassino on-line e são ilegais no país por infringirem a Lei de Contravenções Penais. O Jogo do Tigrinho, por exemplo, simula um caça-níquel, e ficou famoso por prometer ganhos fabulosos.

“Constatamos que esse tipo jogo, além do prejuízo financeiro, que é enorme, também mexe com a questão psicológica. Há casos de pessoas que se mataram, são quatro em São Paulo, porque a pessoa apostou tudo o que tinha, economias, e perdeu”, afirmou o delegado do Deic.

Para ilustrar, ele comentou sobre um homem que vendeu um imóvel, por R$ 200 mil, e usou o dinheiro para apostas online, perdendo tudo. Eduardo Simões não deu mais detalhes, alegando que todos as apurações seguem em segredo de Justiça.

Um caso que ficou conhecido no Brasil foi o da enfermeira Gabriely Sabino, de 23 anos. Moradora de Piracicaba, interior paulista, ela desapareceu por oito dias após uma crise emocional deflagrada pelo vício no Jogo do Tigrinho. Ela fugiu, alegando depressão, por causa de uma dívida de R$ 25 mil.

O Metrópoles mostrou que, entre 2023 e 2024, a Polícia Civil já registrou mais de 500 boletins de ocorrência envolvendo os jogos de azar online em todo o estado de São Paulo.

 

Além da fronteira

A maior dificuldade apontada pelo delegado do Deic, para o trabalho da polícia, é a de que as plataformas não contam com sede no Brasil, criando um obstáculo jurídico para a interrupção das operações delas.

Para que os cassinos online alcancem os jogadores brasileiros, porém, as empresas sediadas em Malta, Estônia, ou ainda na Tunísia, por exemplo, contam com a ajuda de intermediadores, envolvidos em esquemas criminosos, usados para fazer a ponte do dinheiro obtido com a contravenção penal.

Eles captam o dinheiro das apostas e o repassa, cobrando uma taxa, para as contas bancárias das plataformas. O valor obtido pelos atravessadores é inferior às tributações, não pagas, pelo serviço irregular. As empresas usadas para isso estão no Brasil, em nome de laranjas, e são usadas para dificultar o trabalho de monitoramento da polícia.

Recurso humano virtual

O recurso humano usado pelas organizações criminosas para fomentar as apostas, mostram as investigações do Deic, são os influenciadores digitais. Em alguns casos, eles compartilham inclusive links usados por quadrilhas para aplicar golpes.

O delegado Eduardo Simões explicou que as plataformas de jogos fecham parcerias com os influenciadores no Brasil, os quais começam a divulgar os cassinos online. Para isso, os influencers disponibilizam links, incentivando seus milhões de seguidores a clicar neles.

Com isso, as pessoas são direcionadas para plataformas, onde os jogos de azar estão hospedados. Nelas se cadastram e, para isso, geralmente pagam um valor, por meio de cartão de crédito ou, ainda, pix.

“A plataforma consegue saber de qual perfil partiu aquele jogador, aí repassa um percentual do que ganha para o influenciador. Esse percentual é variável, depende de cada caso. Não existe uma regra fixa, depende, cada caso é um caso”, afirmou Eduardo Simões Miraldi.

Há mais de um influencer investigado em cada um dos oito inquéritos instaurados pelo Deic, que não especifico o total de alvos por questões estratégicas. A principal medida tomada contra eles é a solicitação do bloqueio de seus perfis, além da apreensão dos celulares, veículos e eventuais itens adquiridos com o dinheiro obtido por meio das plataformas de jogos.

“Não é só uma contravenção penal. Há o envolvimento de organização criminosa, voltada para a prática da contravenção, lavagem de dinheiro e outros crimes mais graves. Isso de divulgar ganhos irreais nas redes sociais, além de propagar o jogo, induz os seguidores ao erro, podendo se configurar como crime contra o consumidor ou ainda estelionato”.

Vida de luxo

Apesar de variarem, os percentuais repassados pelas plataformas possibilitam o enriquecimento rápido dos influenciadores, que começam a comprar veículos de luxo, joias e imóveis, ostentando-os em seus perfis para, segundo o delegado do Deic, “estimular ainda mais o jogo”.

“Isso significa: olha o que ganhei com o jogo. Mas no caso dos influenciadores, eles não fizeram apostas. O influencer ganha bastante, com o dinheiro que seu seguidor perde, apostando”.

Um dos alvos da Polícia Civil foi a influenciadora Larissa Rozendo Fonseca, em São José dos Campos, no interior de São Paulo.

As investigações mostram que, por meio de seu perfil no Instagram, ela promoveu jogos de azar, aumentando com isso, rápida e exponencialmente, seu patrimônio.

“Jogo do Tigrinho”: quem é a influenciadora alvo de operação em SP

No último dia 16, um mandado de busca e apreensão foi cumprido na casa dela, avaliada em R$ 2 milhões, obtida com os ganhos repassados pelas plataformas, de acordo com a polícia.

Ela, que não foi presa, é investigada por crimes contra a relação de consumo, contra o consumidor, lavagem de dinheiro e contravenção penal. A defesa dele não foi localizada. O espaço segue aberto para manifestações.

Jogo do Tigrinho e Meta

O Jogo do Tigrinho fica hospedado no site da empresa PG Soft, cuja sede fica em Malta, na Europa.

Em seu portal ela se identifica com uma da maiores empresas de entretenimento digital do mundo, acrescentando exigir que seus usuários tenham mais de 18 anos, no caso dos jogos de azar.

“Qualquer conta que for encontrada e tenha sido aberta por um menor de idade será fechada imediatamente e todos os ganhos serão confiscados”, afirma.

A Meta, empresa responsável pelo Instagram, afirmou ao Metrópoles não permitir conteúdos voltados para menores de 18 anos que promovam jogos online “envolvendo valores monetários”.

“Usamos uma combinação de tecnologia e revisores humanos para identificar conteúdos e contas que violem nossas políticas e estamos sempre trabalhando para aprimorar a nossa abordagem em prol de um ambiente seguro para todos”.

Caso identifique uma eventual irregularidade, a empresa afirmou “remover posts dessa natureza”.

Fonte: Oficial