Chegou ao fim nesta quarta-feira (2) a série de lives sobre políticas municipais no contexto de mudanças climáticas, realizada por ((o))eco em parceria com o Vote pelo Clima. A quarta e última transmissão teve o tema Desastres ambientais e adaptação climática, onde especialistas debateram estratégias de planejamento urbano, experiências práticas e soluções inovadoras para o enfrentamento aos desafios climáticos nas cidades.
Para discutir esses assuntos, a repórter Cristiane Prizibisczki recebeu Thaynah Gutierrez, secretária-executiva da Rede por Adaptação Antirracista e pós-graduada em Transição Energética e Direitos Humanos pelo CLACSO Equador; e Tatiane Brasil, pesquisadora da Rede Sul Americana para as Migrações Ambientais (RESAMA) e mestranda em Políticas Públicas com foco em desastres pelo Insper. A conversa contou com comentários de Sarah Darcie, coordenadora de advocacy do Instituto Clima de Eleição e secretária-executiva do GT Clima da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional.
A série, que tem todas as suas transmissões salvas no canal de ((o))eco no Youtube, reuniu especialistas para discutir ações que o poder público municipal pode tomar para lidar com os efeitos das mudanças climáticas em temas-chave para a vida nas cidades. O Vote pelo Clima, parceiro na organização das lives, é uma iniciativa promovida pelo Instituto Clima de Eleição e pelo NOSSAS para conectar eleitores a candidaturas comprometidas com a pauta climática em todo o Brasil.
Priorização de políticas para as populações vulneráveis e combate ao racismo ambiental
Thayná Gutierrez iniciou lembrando da tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul, em maio deste ano, quando as enchentes atingiram de forma agravada segmentos mais vulnerabilizados, como populações negras e periféricas. “A gente entende que falar sobre adaptação climática é necessariamente falar sobre o combate ao racismo ambiental”, frisou.
“A gente precisa de políticas que priorizem as populações mais vulnerabilizadas para que a gente garanta que a adaptação climática chegue para todos, e chegue principalmente para quem está suscetível a morrer primeiro, suscetível a enfrentar mais problemas relacionados com saúde, com acesso à alimentação adequada”, elaborou a especialista.
Segundo Gutierrez, a adaptação precisa de um conjunto de ações que envolvam “a intersetorialidade das políticas” e “um olhar integrado para todos os direitos que são negados e que precisam ser garantidos para que essas populações mais vulnerabilizadas tenham o direito à resiliência climática”.
“Quando a gente está em territórios marginalizados, onde a gente não tem uma infraestrutura urbana decente, que consiga conter os efeitos das grandes enchentes ou das grandes secas, a gente vai precisar não apenas de um plano de adaptação climática, mas a gente vai precisar olhar para a política que é oferecida pelo SUS e pelo SUAS [Sistema Único de Assistência Social], para a política de acesso a um desenvolvimento agrário, para que tenham a realidade dos eventos climáticos extremos como prioridade”, destacou.
A especialista lembrou que a resposta e a prevenção a desastres precisam considerar aspectos muitas vezes esquecidos, como orientações que considerem PCDs e o pós-desastre. “A gente precisa ter secretarias que olhem para as populações com deficiência e consigam pensar protocolos diante da emergência climática. A gente precisa acolher as famílias que precisam ter bons direcionamentos quando o evento climático chega. Não é suficiente, hoje, alertas de chuvas e alertas de emergência climática que não acolham como a população precisa seguir no dia seguinte ao desastre”, disse.
“São essas populações mais vulnerabilizadas que desde sempre tiveram respostas, também, para os eventos climáticos extremos, para as mudanças climáticas, e que sempre adaptaram seus territórios para permanecer neles. Então não é agora que a gente pode aceitar como resposta a remoção forçada das populações de seus territórios, a descontinuidade dos vínculos comunitários, por conta de uma má gestão que não consegue reconhecer a necessidade de reconstruir com as comunidades mais vulnerabilizadas”, concluiu Gutierrez.
Municípios esbarram em estruturas de governo inadequadas e na qualidade de seus planos
Tatiane Brasil, por sua vez, apresentou dados do governo federal que mostram que, nesta quarta, 1520 municípios brasileiros estavam em estado de emergência ou calamidade pública por conta de desastres ambientais – muitos pelas queimadas, mas 41 deles por alagamentos, inundações e enxurradas no Rio Grande do Sul, Paraná e Maranhão, atingindo principalmente as populações vulnerabilizadas.
“É importante a gente desmistificar um pouco [a ideia] de que os desastres, principalmente os de origens climáticas, são naturais. Os desastres não são naturais, são fruto de um processo histórico, político e social que está posto para esses territórios e essas populações”, destacou.
Para exemplificar, a debatedora trouxe 10 exemplos de grandes desastres no país desde 2008, nos estados de Santa Catarina, Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro, Acre, Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, além da Bacia Amazônica. “Quando a gente olha o número de afetados, fica uma população do tamanho da Suíça. Não é um exagero, isso acontece todos os dias e a gente sabe com quem acontece. Como a Thaynah trouxe, isso tem um recorte de classe, de raça”, afirmou.
Sobre a preparação dos municípios, Tatiane trouxe dados do Indicador de Capacidade Municipal (ICM), que lista 1972 municípios “mais suscetíveis à ocorrências de deslizamentos, enxurradas e inundações”. “Mesmo nesse indicador que reúne 3 eixos, ele é basicamente um checklist. Faz um plano lá e ‘check’ no plano de habitação, de redução de riscos, de adaptação. Isso nos dá respostas reais sobre se estamos preparados ou não?”, questionou.
“Apesar de ser um checklist, ou seja, uma coisa bem simples para falar sobre a qualidade de qualquer coisa, nem a isso a gente teve acesso ainda nesses municípios prioritários. Quem dirá a avaliação dessas políticas. Será que a gente está fazendo esses planos de maneira adequada? Tendo a achar que talvez não. É um pouco do que a Thaynah disse, a comunidade é bem pouco envolvida nesses processos”, lamentou.
A especialista criticou também a pouca integração entre esses planos e a estrutura da Defesa Civil, explicando que esses órgãos, em especial nos municípios pequenos, costumam ser “um braço da secretaria de Meio Ambiente ou de Planejamento, composta por uma pessoa, que às vezes é um militar reformado, e essa pessoa tem que fazer o mapeamento, a identificação, a relação com a comunidade”, enumerou. “É uma missão impossível, a própria estrutura não facilita esse processo”.
“Quando a gente pensa em eleições municipais, a gente também não pode desvincular, por exemplo, que desastres e adaptação às mudanças climáticas tem que ser um eixo estratégico. Deveria estar ali no gabinete do prefeito, como uma gestão estratégica. Não pode estar ali subdirecionado num setor, ou simplesmente jogado numa pasta”, afirmou. Ela mostrou, porém, que muitos planos de governo tratam desses temas de forma genérica, ou até os utilizando como “desculpa” para fazer remoções de populações, muitas vezes sem necessidade e contra sua vontade”.
Sarah Darcie, do Clima de Eleição, disse em seu comentário que, segundo análise do Clima de Eleição, faltam propostas de adaptação climática nos planos de governo da região Norte, em especial. “A gente percebe que no Sul-Sudeste houve um aumento na menção de políticas de adaptação e até uma visão um pouco mais ampla da adaptação e da gestão de desastres do que, por exemplo, em Manaus e Belém, que foram outros planos que a gente também avaliou e que muitas vezes não tocam da mesma forma nessas questões. A gente tem desastres acontecendo no Brasil inteiro, mas não são todos os municípios que estão realmente propondo políticas públicas voltadas para isso”, avaliou, citando candidaturas em Porto Alegre e São Paulo como exemplos positivos.