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Audicine traz o cineasta, roteirista e diretor brasileiro Eloi Pires Ferreira

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Eloi Pires Ferreira: um caminho na realidade brasileira
Eloi Pires Ferreira na gravação do curta-metragem "Curitiba Zero Grau" (2010).


Após a segunda guerra mundial uma nova percepção cinematografia nasceu na Itália, o Neo-realismo. Com o objetivo de retratar a realidade, foi a primeira vanguarda a se preocupar com causas sociais e o cotidiano das pessoas. Durante e após a guerra, a sociedade consequentemente mudou sua visão de mundo e o cinema acompanhou esta transformação. A técnica neorrealista caracteriza-se por gravações fora do estúdio, interpretação de papéis por autores não profissionais, iluminação ambiente, atenção aos problemas sociais e proximidade de histórias de pessoas comuns. Com esta forte representação da realidade, sem o uso de um embelezamento estético ou romântico, ele se aproxima mais do documentário jornalístico.

O filme “Ladrões de Bicicleta”, produzido em 1948 pelo italiano Vittorio De Sica é um dos filmes mais consagrados desse movimento. O filme retrata a história de Antonio Ricci (Lamberto Maggiorani), um homem humilde que luta para sustentar sua família. Após ter seu único meio de locomoção roubado, uma bicicleta, Antonio e seu filho saem pela cidade à procura do objeto furtado.

No Brasil esta vanguarda eclodiu em 1953 com o Alex Viany, com o filme “Agulha no Palheiro”, e sobretudo, com Nelson Pereira dos Santos com “Rio 40 Graus” (1955) e “Rio Zona Norte” (1957).

No cenário local, somos bem representados. O jornalista e diretor-roteirista Eloi Pires Ferreira trouxe para Curitiba o prêmio Margarida de Prata, pelo longa-metragem “Sal da Terra” produzido em 2008. O filme conta a história de um padre caminhoneiro que por meio da estrada descobre personagens marcantes e a diversidade humana. Pelos quilômetros rodados o padre pretende ajudar cada personagem que passa pelo seu caminho tendo como ponto final de sua viajem a celebração da Santa Missa.

Em entrevista, Eloi Pires Ferreira nos conta como descobriu sua paixão por cinema, um pouco mais sobre a produção de seus longas e também sobre o futuro do cenário local curitibano.

Como você descobriu sua paixão pelo cinema?

Indo ao cinema. E muito cedo. O primeiro filme que vi (no colo dos meus pais) eu tinha menos de dois anos. Foi no antigo Cine Guarani, no Portão, era um filme alemão que eu não lembro mais o nome e segundo minha mãe eu fiquei muito entusiasmado principalmente com os trailers e curtas que passavam antes do filme. De lá pra cá eu nunca mais parei de ver filmes.

Quando decidiu focar suas obras na vanguarda neo-realista?

Eu não decidi assim calculadamente e nem sei se é bem isso. Os filmes que eu fiz têm influência neo-realista, sem dúvida, mas também outras. Acho que o primeiro filme neo-realista que eu vi foi “Ladrões de Bicicleta”, do Vittorio De Sica, pelo qual me apaixonei no ato. No “Curitiba Zero Grau”, os personagens pai e filho catadores de papel remetem diretamente ao pai e ao filho do “Ladrões”. Mas também aquela relação pai e filho lembra a relação pai e filhos de “Vidas Secas” do Nelson Pereira dos Santos (outro dos meus filmes preferidos de todos os tempos) e a minha própria relação com meu pai quando eu era criança. Mas minha preferência é antes de tudo por personagens. De resto as coisas vão acontecendo.

Fale um pouco da experiência e as dificuldades de fazer o longa Sal da Terra, filme que ganhou o prêmio Margarida de Prata. Qual a importância desse prêmio para sua carreira e para o longa?

Fazer o “O Sal da Terra” foi antes de tudo uma grande aventura. É um filme estradeiro, portanto, de produção muito complicada. Eu sempre digo que filmar na estrada é insalubre, tinha que ter “adicional de periculosidade”. Foram nove semanas de filmagens entre 2003 e 2004. Aí o dinheiro acabou e só conseguimos terminar e lançar o filme em 2008. Foi um projeto que exigiu muita garra de todos os envolvidos na produção, sendo que a maior dedicação veio da parte do meu principal sócio no projeto e também um dos roteiristas, o J.Olimpio (já falecido), que se mostrou um valoroso guerreiro. O filme trata de temas que me são caros e fala da condição humana pelo viés da espiritualidade. Teve uma trajetória interessante e além do Margarida recebeu também o prêmio de melhor longa de ficção no “European Spiritual Film Festival”, realizado em Paris, em 2010. Sim, ganhar algum prêmio é sempre muito bom, massageia um pouco o ego e é uma forma de reconhecimento, fazendo você acreditar que toda aquela trabalheira e seu resultado, enfim, tudo aquilo não foi algo completamente inútil. E no caso do Margarida de Prata, ele é um prêmio antigo e reconhecido no meio cinematográfico brasileiro e a gente tá muito bem acompanhado, já que vários filmes importantes da nossa cinematografia foram agraciados com ele (“Central do Brasil”, entre outros). Mas tirante o Oscar e, num segundo lugar bem distante, a Palma de Ouro, o público em geral, que é quem pretendemos atingir com os filmes, não tá nem aí, não tem a menor ideia do que sejam os outros prêmios.

O enredo de "Curitiba, Zero Grau" cruza a vida de um vendedor de automóveis, um catador de papeis, um motoboy e um motorista de ônibus em uma noite de inverno da fria capital paranaense.
O enredo de “Curitiba, Zero Grau” cruza a vida de um vendedor de automóveis, um catador de papeis, um motoboy e um motorista de ônibus em uma noite de inverno da fria capital paranaense.

Como surgiu a ideia para o filme Curitiba Zero Grau? Muitos aspectos neo-realistas estão presentes no filme, você poderia me falar sobre as técnicas de produção e as dificuldades?

São várias ideias que foram se somando. Mas, basicamente, tudo vem da observação do cotidiano, da vida do cidadão comum, das pessoas que nos cercam, do que aparece no noticiário e das minhas próprias vivências e das pessoas próximas a mim. Isso também se aplica aos outros dois roteiristas, o Altenir Silva e o Erico Beduschi. Como mencionei acima, o filme tem propositalmente elementos que remetem ao neo-realismo, guardadas as diferenças de tempo, meios de realização e opções estéticas. Quanto às dificuldades, eu havia dito que filmar na estrada é insalubre, mas filmar nas ruas de uma grande cidade não é diferente. O “Zero” também levou em torno de 8 a 9 semanas de filmagens, com muitas locações, sendo a maioria externas, muitos atores e figurantes, além de uma equipe bastante grande (para os nossos padrões fora do eixo), equipamento pesado (rodamos em película), variações climáticas etc. Então dá pra imaginar o grau, não é?! Sugiro que vocês assistam ao making of que está nos extras do DVD.

Quais são seus projetos futuros?

Mais de uma dezena, sendo 3 longas de ficção, 3 documentários e vários seriados pra TV. Tudo em projeto, por enquanto. Alguns em fase de captação de recursos, outros aguardando resultado de editais e todos com roteiros prontos.

Como você vê o momento atual do cinema brasileiro? E o cenário local curitibano?

O audiovisual brasileiro está num momento superinteressante, com muitos mecanismos de financiamento de produção amadurecendo, muitas oportunidades de negócio, a profissionalização avançando, mas com alguns velhos gargalos. As estruturas de distribuição e exibição nas mãos das majors norte americanas e a concentração dos recursos ainda no eixo Rio- São Paulo, e tendo o Rio praticamente como único cenário (o que eu tenho chamado de riocentrismo), apesar de o nosso Brasil ser tão diverso. Mesmo assim, dá pra dizer que a regionalização está em processo, com alguns avanços bem evidentes. Saindo do eixo, Curitiba está numa posição bacana, mas podia ser melhor, principalmente se os curitibanos gostassem um pouco mais do que se faz aqui, como acontece com Porto Alegre, Recife, Fortaleza…

Produção: Agência MAKTUB

Texto: Camila Beatriz Costa, Giulie Carvalho e Letícia Joly

Edição: Lana Gillies e Beatriz Lima

Foto: Arquivo