BRASÍLIA – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, obteve sucesso em sua estratégia de aumento da arrecadação pelo segundo ano consecutivo. Em 2024, conforme dados divulgados pela Receita Federal nesta terça-feira, 28, a arrecadação real (descontada a inflação) cresceu 9,62% em comparação a 2023, superando significativamente o crescimento do PIB, que deve ser de 3,5%, de acordo com as projeções do Boletim Focus do Banco Central. No entanto, o grande desafio é que, mesmo com essa alta expressiva, as contas públicas continuarão apresentando um déficit ao final do ano.
A grande dúvida que surge é: como o governo não conseguiu equilibrar as contas com um aumento de quase 10% nas receitas? E o que ocorrerá caso a economia desacelere e a arrecadação diminua ou até caia? Essas questões preocupam os especialistas em finanças públicas e explicam, em parte, o descontentamento do mercado com a política fiscal do governo Lula.
O resultado oficial das contas do Tesouro será divulgado na quinta-feira, 30, mas Haddad já antecipou que o déficit primário (sem considerar os gastos com juros) ficará em 0,1% do PIB. Esse número pode ser maior se forem incluídos os gastos com o auxílio ao Rio Grande do Sul, o que pode fazer o déficit chegar a 0,4% do PIB. A meta fiscal de déficit zero possui uma margem de tolerância de 0,25 ponto percentual do PIB, tornando a exclusão dos gastos com o estado questionável, já que essa margem foi criada justamente para absorver choques imprevistos nas despesas públicas.
Apesar do aumento da arrecadação, o governo argumenta que houve uma redução significativa no déficit em relação aos 2,4% do PIB registrados em 2023. Além disso, a Fazenda defende que a devolução das Medidas Provisórias (MPs) pelo Congresso, que extinguiram o programa Perse para o setor de eventos e a desoneração da folha para alguns setores e municípios, teria ajudado a equilibrar as contas. No entanto, a resistência do Congresso às MPs durante 2023 e a falta de negociação da equipe econômica dificultaram uma solução intermediária. Além disso, o pagamento de precatórios do governo anterior aumentou o déficit deste ano, o que limita a melhoria das contas públicas.
Outro fator relevante é que as contas públicas sofreram uma reindexação considerável sob o atual governo. O salário mínimo voltou a ser vinculado ao crescimento do PIB, o que aumentou os gastos com a Previdência, e os pisos para saúde e educação também subiram, refletindo a alta das receitas. Isso criou um ciclo vicioso, onde o aumento da arrecadação impulsiona ainda mais esses gastos.
No lado da arrecadação, Haddad e sua equipe não têm do que reclamar. Embora algumas medidas, como o voto de qualidade do Carf, não tenham surtido efeito, a taxação de fundos offshore gerou R$ 7,6 bilhões, enquanto a tributação dos fundos exclusivos arrecadou outros R$ 13 bilhões. A colaboração entre a Receita Federal e os contribuintes também resultou em um aumento de R$ 18,3 bilhões nas receitas do governo.
Embora a arrecadação tenha sido bem-sucedida, o grande desafio ainda é a ausência de uma agenda de corte de gastos efetiva. Sem isso, o país continuará enfrentando juros elevados, uma moeda desvalorizada e inflação alta, o que limitará o crescimento do PIB e afetará a popularidade do presidente Lula.