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Em quase 8 anos, autuações em UCs federais somam uma Mega da virada

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Em quase 8 anos, autuações em UCs federais somam uma Mega da virada

As unidades de conservação federais seguem sob forte pressão de atividades ilegais, o que ameaça a biodiversidade brasileira e pode indicar fragilidades na fiscalização. Os dados usados na reportagem foram garimpados pela Fiquem Sabendo, via Lei de Acesso à Informação.

Na ponta do lápis, entre o início de 2018 e abril deste ano, foram registrados 2.715 crimes em parques e outras Unidades de Conservação (UCs) federais, incluindo caça, garimpo, pesca e desmate. As autuações aplicadas somaram quase R$ 663 milhões, similares ao prêmio da última Mega-Sena da Virada.

As UCs com mais ilícitos registrados são as flonas do Bom Futuro e do Jamari (RO), a APA da Barra do Rio Mamanguape (PB) e a Rebio do Abufari (AM). Já os maiores valores em autuações estão na Esec Juami-Japurá (AM), na Flona do Amana (PA) e na APA do Tapajós (PA).

A análise mostra que a pesca criminosa, inclusive durante a reprodução de espécies, foi a infração mais frequente, enquanto as maiores cifras autuadas recaem no garimpo e no desmatamento ilegais. As infrações à fauna silvestre incluem tráfico, cativeiro e maus-tratos. 

“Estamos em processo de perda acelerada da diversidade biológica, potencializada pelas alterações climáticas”, lembrou Tânia de Souza, presidente da ASCEMA (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente) e servidora do Ministério do Meio Ambiente.

No período, a fiscalização confiscou itens como carros e barcos, pescado, madeiras, armas de fogo, gaiolas e armadilhas. Os dados revelam igualmente que a soltura ou a doação de peixes e outros animais foram as medidas mais adotadas pelo órgão público.

Embora o número de ocorrências varie bastante no período, 2023 teve o maior valor em autuações. A disparada estaria conectada ao avanço do garimpo ilegal na Amazônia, que mobilizou operações de grande porte e gerou apreensões milionárias.

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Combate ao garimpo ilegal e caça em UCs no estado do Amazonas. Foto: ICMBio / Acervo

Gestores fazem milagres

O cenário das autuações revela a pressão imparável sobre as UCs e a necessidade de reforçar fiscalização e punições contra sua exploração predatória. “Os organismos de proteção ao meio ambiente estão sempre com menos funcionários, orçamento e ações do que o necessário”, apontou Vitória Ramos, da Fiquem Sabendo.

O cenário é confirmado por quem conhece a máquina pública por dentro. Para Tânia de Souza, presidente da ASCEMA (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente) e servidora do MMA, a criminalidade cresce porque as instituições não têm condições de exercer suas funções.

“Mesmo se tivesse 100% dos cargos ocupados, o ICMBio não teria pessoal suficiente para ter ao menos um servidor em cada UC. Essa é a realidade de quase todos os órgãos ambientais”, salientou. “Os gestores fazem milagre com o que têm. Mas esse milagre precariza tudo”, agregou.

Tentando amenizar essa precariedade, a Associação pediu ao governo Lula a nomeação de todos os servidores aprovados em concursos do MMA, Ibama e ICMBio até o início da COP30 da Convenção do Clima, em novembro, em Belém (PA).

Numa carta, a entidade alerta que a falta de servidores e as aposentadorias comprometem a fiscalização, a proteção ambiental e a imagem do Brasil, além de criticar contratações temporárias de servidores. “Fiscalização só pode ser feita por servidor concursado”, lembrou Souza.

“Não adianta dizer que o meio ambiente é prioridade se o orçamento mostra o contrário”, acrescentou. Em março de 2024, ((o))eco mostrou que havia menos de R$ 0,13 disponíveis para fiscalizar cada hectare das unidades de conservação federais.

Diante disso, a servidora destacou que conter a destruição depende também de gerar mais emprego e renda ao redor das UCs. “Com isso, a população ajuda a manter”, avaliou. Caso contrário, as consequências serão mais graves. “Estamos desperdiçando a chance de construir uma base de sociedade diferente dessa”.

Responsável por “gerir, proteger, monitorar e fiscalizar” as UCs federais, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) não retornou nossos pedidos de entrevista até o fechamento da reportagem. Mês passado, o órgão alcançou 18 anos de criação.

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Os dados colhidos em base pública apontam grande pressão sobre as UCs brasileiras. Imagem: Renata Costa/O Eco/Fiquem Sabendo

Como ficamos sabendo

A base de dados analisada por ((o))eco foi obtida por meio de um pedido da Fiquem Sabendo, uma organização sem fins lucrativos especializada em transparência pública.

“O acompanhamento social sobre o andamento das políticas públicas é essencial para que elas de fato aconteçam e que sejam melhoradas ou corrigidas quando necessário”, ressaltou a diretora-executiva da entidade, Maria Vitória Ramos.

Sobre as autuações em UCs, ela detalhou que “é importante entender quais são os biomas e os locais onde está tendo menos ou mais fiscalização, e se isso faz sentido quando se cruza com os dados de vulnerabilidade desses ecossistemas”.

A solicitação da entidade é parte do programa Fiscais do Clima, para ampliar a transparência, fortalecer lideranças comunitárias e estimular a participação cidadã, com apoio da Plataforma Green Accountability – liderada por WRI, Huairou Commission e SouthSouthNorth, em parceria com o Banco Mundial (GPSA).

Acesse aqui a base de dados bruta usada na reportagem.