São Paulo — Apontado como possível “beneficiário final” da farra dos descontos sobre aposentadorias praticada por associações habilitadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o empresário Maurício Camisotti usou sua corretora de seguros chamada Benfix para pagar R$ 1 milhão à empresa de consultoria do lobista Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “careca do INSS”.
A informação consta de um relatório de inteligência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) enviado à investigação do Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço do Ministério Público de São Paulo (MPSP), e da Polícia Civil, que apuram se entidades que mantêm acordos com o INSS estão sendo usadas para cometer milhares de estelionatos contra aposentados.
Nesta investigação, policiais cumpriram buscas e apreensões no apartamento de Maurício Camisotti (à esquerda na foto em destaque) e em suas empresas, além das entidades. Celulares, documentos e computadores foram apreendidos. O empresário é apontado como suspeito de ser o “beneficiário final” do milionário esquema de descontos sobre aposentados, que foi revelado pelo Metrópoles. Camisotti nega estar por trás das entidades e qualquer irregularidade em suas movimentações financeiras.
A série de reportagens sobre a farra do INSS mostrou que pelo menos três entidades ligadas a Camisotti chegaram a faturar, juntas, R$ 56 milhões por mês com descontos sobre aposentadorias. Elas têm funcionários, parentes e executivos do grupo de empresas ligado ao empresário, que ostenta uma vida de luxo e relação com políticos influentes em Brasília.
Todas essas entidades firmaram “acordos de cooperação técnica” com o INSS para que pudessem cobrar “mensalidades associativas” de aposentados em troca de supostas vantagens em serviços como planos de saúde e seguros. Os descontos são feitos diretamente na folha de pagamento das aposentadorias, antes do depósito na conta dos beneficiários.
Essas associações têm sido processadas por milhares de aposentados que afirmam à Justiça nunca terem ouvido falar delas até o dia em que descobriram os descontos em seus contracheques do INSS. Pela regra do órgão, as mensalidades só podem ser cobradas mediante filiação feita com a assinatura do segurado. Em centenas de ações, o Judiciário tem determinado a suspensão imediata dos descontos e o pagamento de indenização por danos morais.
Camisotti e “careca do INSS”
A Benfix, corretora de seguros de Camisotti, aparece como beneficiária de R$ 10,8 milhões das associações. Investigadores suspeitam que por meio dela o empresário administre a Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), o Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap), e a União dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (Unabrasil).
Dados do Coaf obtidos pelo Metrópoles mostram que a Benfix também fez repasses milionários às associações. Investigadores, no entanto, terão acesso a uma quebra de sigilo bancária mais ampla sobre as entidades, que têm como prestadoras de serviços outras empresas do grupo ligado a Camisotti.
A relação entre a Benfix e as entidades ficou mais clara para os investigadores após a apreensão do celular e de computadores do gerente administrativo da Ambec, Éubulo Leite Fernandes. Ele discute diretamente com gerentes da Benfix pagamentos e outros assuntos relacionados à gestão das entidades.
Segundo a polícia, foram localizadas “na caixa de e-mail pastas para cada uma das associações” investigadas, “deixando claro que as associações operam de forma conjunta”. Foi no celular de Éubulo que a polícia também encontrou diálogos com um contato salvo como “Rubens Costa – Prospect”, que tem uma foto muito parecida com a de Antônio Carlos Camilo Antunes, além do nome de sua empresa de consultoria.
Foi a Benfix que apareceu em um relatório de inteligência financeira do Coaf, produzido em julho deste ano, como autora de uma transferência no valor de R$ 1.072.607,01 para a Prospect Consultoria Empresarial, empresa controlada por Antônio Carlos Camilo Antunes, o “careca do INSS”.
Como mostrou o Metrópoles, Antunes foi superintendente de marketing de uma gigante do ramo de planos de saúde e tem procurações para atuar em nome de entidades que cobram mensalidades associativas de aposentados e ganha dinheiro por meio de contratos de consultoria e até de serviços relacionados a redes sociais.
É por meio de consultoria que ele presta serviços a entidades que querem ou mantêm acordos com o INSS para efetuar descontos sobre aposentados, boa parte deles questionados na Justiça por terem sido feitos sem o consentimento do segurado. Além do grupo de Camisotti, Antunes é conhecido em Brasília por atuar para diversas entidades como “consultor”.
Milionário, ele tem expandido seu patrimônio nos últimos anos. Comprou três carros Porsche zero quilômetro e é dono de outros veículos de luxo que estão em seu nome e no de suas empresas. Neste ano, também adquiriu uma casa no Lago Sul, região nobre de Brasília, por R$ 3,3 milhões, e demoliu o imóvel em junho.
Como mostrou o Metrópoles, o Coaf identificou operações acima do rendimento declarado por Camisotti, de R$ 50 mil por mês. Entre elas, operações de R$ 150 milhões. As associações ligadas ao empresário fazem parte de uma lista de 36 entidades que mantêm acordos com o INSS para cobrarem mensalidades associativas de aposentados.
Em meio a uma avalanche de denúncias de descontos indevidos, feitos sem o consentimento do aposentado, o que é proibido, o faturamento mensal dessas entidades saltou de R$ 85 milhões para R$ 250 milhões — em um ano, elas receberam mais de R$ 2 bilhões, como revelou o Metrópoles em março.
Entre entidades que realmente existem e militam por direitos dos aposentados há décadas, há nessa lista associações de prateleira que firmaram acordo de cooperação técnica com o INSS quando tinham menos de dez filiados, como é o caso da Ambec, e tiveram um crescimento exponencial, chegando a mais de 600 mil filiados, em meio a acusações de fraudes nas filiações.
Além do inquérito da Polícia Civil paulista e do MPSP, a farra do INSS revelada pelo Metrópoles também levou a investigações no Tribunal de Contas da União (TCU), da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal (PF). Responsável pelos convênios do INSS com as entidades, o diretor de benefícios do órgão, André Fidelis, foi exonerado do cargo após a série de reportagens.
O que dizem os envolvidos
Por meio de nota, a assessoria de Maurício Camisotti afirma que “o relatório do Coaf é um documento protegido por sigilo e a Benfix não tem autorização legal para acessá-lo para conhecer seu conteúdo”.
“Por esta razão e embora não tenha sido possível identificar e avaliar a transação mencionada para prestar o devido esclarecimento, acreditamos se tratar de pagamento por ordem e conta de algum dos clientes da Benfix dentro do escopo do contrato. Fato é que a Benfix não mantém contrato com a empresa Prospect e, consequentemente, não efetuou pagamento à qualquer título à esta empresa”, afirma a nota.
Já o advogado Emmanuel Vilanova, que defende Antônio Carlos Camilo Antunes, afirmou que “atualmente, não existe nenhuma relação” entre a Prospect e a Benfix, empresa de Camisotti.
“Se existiu no passado, esta certamente decorreu de uma relação de prestação de serviço entre empresas privadas, desempenhada de maneira totalmente regular, sendo todo serviço entregue de forma satisfatória, tal qual o padrão de qualidade adotado pela Prospect com todos os seus clientes”, diz a nota do advogado. “Ressalte-se que toda a relação da Prospect é regulada por contratos e prestada de forma totalmente lícita”, completa.
Fonte: Oficial