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Engajamento local é fundamental para a criação de novas áreas marinhas protegidas

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Engajamento local é fundamental para a criação de novas áreas marinhas protegidas

À medida que o mundo se une para o alcance de metas ambiciosas do Arcabouço Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal (GBF), que incluem a proteção de 30% do planeta e a restauração de 30% dos ecossistemas degradados, um novo estudo destaca com detalhes quais as principais dificuldades e condições que facilitam o processo de planejamento e criação de novas áreas marinhas protegidas (AMPs) no Brasil. 

O estudo, publicado em 2025 por Rafael Magris e Leandra Gonçalves, baseia-se na revisão do conteúdo de 60 propostas de novas áreas marinhas protegidas que tiveram início desde o ano de 1997, incluindo as propostas de novas Unidades de Conservação na região da Babitonga, Albardão e Abrolhos e àquelas que estiveram em consulta pública recentemente, tais como as Reservas Extrativistas Rio Formoso e Itacaré. A partir da revisão dos documentos que registram todas as etapas dos processos, tais como relatórios, atas de reuniões, notas técnicas, entre outros, foi possível registrar os fatores associados aos contextos locais que determinaram o progresso ou o prolongamento destas propostas. No total, foi registrada uma lista de 12 fatores que influenciaram o desenvolvimento das propostas de AMPs, como barreira ou oportunidade. Entre eles, destacam-se a percepção das comunidades locais sobre os benefícios de se criar uma AMP, o nível de engajamento e participação social no processo, tais como o protagonismo de comunidades locais no desenho das áreas, a capacidade institucional de coordenar o processo, o tamanho da proposta ou a inclusão de áreas privadas dentro da proposta, a intervenção do Ministério Público em favorecer ou identificar problemas nos procedimentos, e até mesmo a existência de lobby de algum setor econômico em postergar o processo de criação de uma AMP, tais como da indústria do petróleo. 

Entre os principais resultados, foi destacado que a capacidade institucional do órgão responsável pelo desenvolvimento de propostas de AMPs é limitada e tem afetado o desenvolvimento das mesmas, incluindo a falta de recursos humanos e a necessidade de procedimentos mais claros quanto às necessidades das propostas de AMP avançarem ou não. O estudo indicou também que as propostas de AMPs de uso sustentável apresentaram menos dificuldades quando comparadas com àquelas de proteção integral. Um dos fatores mais importantes para alavancar as propostas de Uso Sustentável, tais como as Reservas Extrativistas, foi a percepção de benefícios sociais associados à  criação de uma nova Unidade de Conservação. Ressalta-se com isso a importância de processos que partem dos territórios, com transparência, informação e envolvimento das comunidades nos processos de criação de AMPs.

O número de desafios tende a crescer ao longo do processo, desde a fase de análise até o momento de consulta pública, e alguns desafios permanecem como resistência na etapa final de proposição das áreas, incluindo a percepção de que o tamanho da AMP pode ser grande ou inadequada em relação aos usos existentes, e os impactos sociais e econômicos que a criação de uma nova AMP pode trazer.

Por fim, o estudo aponta os principais gargalos e intervenções de melhoria no processo de estabelecimento de novas AMPs. Há uma necessidade urgente de aprimorar e fortalecer a capacidade institucional, com procedimentos mais claros sobre as necessidades de cada etapa no processo de planejamento de uma nova AMP; aumentar os níveis de participação e engajamento social, considerando questão de equidade e justiça social; o uso de janelas de oportunidade política para o estabelecimento de AMPs, sem atropelar as fases críticas de amadurecimento das propostas; e uma melhor compreensão da influência das decisões do desenho e das categorias propostas em termos de impacto esperado na conservação e no alcance dos objetivos de conservação em consideração. Refletir sobre essas quatro lições pode ajudar a proporcionar um progresso de conservação eficaz, inclusivo e equitativo para as metas globais de conservação de 30% de cobertura por áreas marinhas protegidas.

É fundamental aproveitar melhor as janelas de oportunidade para criar novas áreas protegidas, sem deixar de lado as análises técnicas necessárias para definir o tamanho necessário e os limites mais adequados. Ao mesmo tempo, é essencial garantir que as comunidades locais participem de forma legítima e ativa no processo. Só assim será possível conciliar conservação e justiça social, tendo como base evidência das melhores informações existentes. Por fim, é imprescindível melhorar os processos de negociação entre os diferentes setores econômicos e a conservação da natureza através de um diálogo transparente e decisões equilibradas. 

 A tomada de decisão sobre o planejamento de novas AMPs nos próximos anos terá impactos profundos e duradouros na estratégia de conservação marinha no Brasil e no mundo. É importante enfatizar que o planejamento estratégico das novas AMPs, apoiado por métodos robustos de definição de limites e participação social, será crucial para garantir a gestão eficaz e equitativa dos ecossistemas marinhos.

À medida que os países implementam seus compromissos do GBF, o planejamento de novas AMPs representa a principal ferramenta para o alcance de inúmeras metas de conservação e precisaremos lidar e navegar entre os desafios da conservação da biodiversidade em um mundo interconectado e em mudança. No entanto, nas últimas décadas a sociedade mudou, e processos decisórios que não representam os interesses da sociedade, em especial das comunidades envolvidas e afetadas, tendem a não serem tão eficientes. Com inovação contínua e parcerias fortalecidas entre ciência, comunidade e gestão, as AMPs têm o potencial de transformar os esforços de conservação e proporcionar benefícios duradouros tanto para a natureza quanto para a sociedade.

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