Associações ambientalistas do Rio Grande do Sul se posicionam contra o projeto de lei estadual (PL 97/2018), que dispensa a outorga de água para atividades agropecuárias. O projeto, de autoria do deputado Elton Weber (PSB) – presidente da bancada ruralista da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS) –, pode causar descontrole na gestão dos recursos hídricos do estado, segundo as entidades.
O projeto altera o Sistema Estadual de Recursos Hídricos (SERH) para dispensar o processo de outorga para captação de águas subterrâneas e de acumulações de água da chuva para “atividades produtivas agrossilvipastoris”, além do uso em necessidades básicas individuais (única dispensa prevista no SERH) e poços comunitários. A dispensa valeria para locais em que não há rede de distribuição pública, e o uso da água em pequenas propriedades ainda seria dispensado de cobrança. O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça da ALRS, onde já recebeu parecer favorável do deputado Luciano Silveira (MDB).
Segundo nota da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), o projeto usa as pequenas comunidades e o uso individual como justificativa, mas “quer mesmo abrir a porteira para a retirada de controle público”. “A produção agrícola, que mais usa água, ficaria dispensada da outorga e a maioria das propriedades rurais, independentes do que produzem e da quantidade de água utilizada, não pagariam”, critica a ONG.
A AGAPAN cita trechos da lei federal 9433/97, que cria a Política Nacional de Recursos Hídricos. De acordo com essa lei, a outorga tem o objetivo de “assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água”, enquanto a cobrança pelo uso serve para “reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor”, “incentivar a racionalização do uso da água” e “obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos”. “Assim, os instrumentos da outorga e da cobrança são fundamentais para a gestão ambientalmente sustentável dos recursos hídricos”, defende a entidade.
Na mesma linha, a Associação dos Servidores da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do RS (ASSEMA-RS), também divulgou nota criticando o projeto. De acordo com os servidores, o projeto representa um “retrocesso” e é “extremamente temerário” no atual contexto de crise climática. A organização lembra que o estado ainda não tem um inventário dos usos e disponibilidades de recursos hídricos, o que é previsto na lei do Sistema Estadual de Recursos Hídricos. Sem esse inventário, o projeto pode dificultar “o monitoramento e fiscalização, agravar conflitos e a própria crise hídrica e climática”, segundo o texto.
A associação critica ainda a eliminação da participação comunitária, um dos princípios do Sistema Estadual de Recursos Hídricos. “Assim, a proposta do PL tem por consequência a retirada do poder de discussão e de decisão por regiões e bacias hidrográficas de seus Comitês de Bacia, os quais congregam usuários de água, representantes políticos e de entidades atuantes na respectiva área. Poderes estes que são direitos adquiridos pela sociedade e que estão na vanguarda da proteção ambiental, servindo de inspiração para a legislação federal”, argumenta a associação.
A entidade lembrou ainda que, em 2021, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional uma lei estadual de Mato Grosso do Sul, que concedia isenções na cobrança de água no estado. Segundo o voto do relator, o ministro Dias Toffoli – seguido pelos demais ministros, com exceção de Marco Aurélio Mello –, apenas a União pode legislar sobre o gerenciamento do uso de água. Além disso, Toffoli lembrou que um dos objetivos do regime de outorga é o controle quantitativo e qualitativo do uso da água.
Por esses motivos, a ASSEMA-RS conclui a nota pedindo o arquivamento do projeto pelos conflitos com o que diz a lei do SERH, e também “pelo potencial de acirramento de conflitos pelo uso d’água, pelos princípios da precaução e da proibição de retrocesso e, principalmente, por tratar de matéria de competência privativa da União”.