São Paulo — Apontado como possível “beneficiário final” da farra dos descontos sobre aposentadorias praticada por associações habilitadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o empresário Maurício Camisotti (foto em destaque) fez remessas de pelo menos R$ 150 milhões a dois bancos em um período de quatro anos.
Segundo o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Camisotti movimentou “quantias vultosas em dinheiro” que mereceram um “alerta para movimentações incompatíveis com seu patrimônio, atividade econômica ou ocupação profissional”.
Camisotti foi alvo de buscas e apreensões da Polícia Civil e do Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público (MPSP), em julho, em uma operação para investigar a autoria de milhares de estelionatos cometidos contra aposentados.
Trata-se do inquérito que mira três entidades que faturam milhões de reais por mês com descontos sobre aposentadorias: Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap) e União dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (Unabrasil).
Segundo as investigações, uma corretora de seguros de Camisotti, a Benfix, recebeu R$ 10,8 milhões dessas entidades entre 2020 e 2024, como mostrou o Metrópoles nesse domingo. Essa mesma empresa mantém funcionários na gestão das entidades.
Para a Polícia Civil e o MPSP, há fortes indícios de que as três entidades operam “de forma conjunta” e são controladas pelo mesmo “grupo empresarial” controlado por Camisotti. Da Benfix, são sócios somente o empresário e sua esposa.
Segundo o Coaf, da quantia milionária repassada pelas associações à Benfix, pelo menos R$ 500 mil passaram para as mãos do próprio Camisotti. No pedido de busca e apreensão contra o empresário, os investigadores afirmam que esse é “um forte indicativo de que o investigado seja o beneficiário final das fraudes”.
Computadores e e-mails foram apreendidos em uma série de buscas e apreensões feitas sigilosamente e sem divulgação pela polícia e pelo MPSP nas entidades, empresas ligadas a ela e em funcionários delas, em julho. Camisotti recebeu a polícia em seu apartamento de R$ 9,2 milhões, na Vila Olímpia, zona sul da capital.
Camisotti e seu entorno são bem relacionados com senadores, governadores, deputados e prefeitos, além de lobistas conhecidos em Brasília que já foram alvo da Polícia Federal (PF). Somente o empresário comprou em um mesmo ano duas mansões de R$ 22 milhões cada. Ele também acumula uma frota de carros de luxo em nome de suas empresas, como uma Lamborghini avaliada em R$ 3,1 milhões.
Como mostrou o Metrópoles, em maio, no auge de seus faturamentos, as três associações investigadas receberam, juntas, R$ 56 milhões com as mensalidades descontadas dos aposentados. Elas fazem parte de uma lista de 36 entidades que mantêm acordos com o INSS.
Em meio a uma avalanche de denúncias de descontos indevidos, feitos sem o consentimento do aposentado, o que é proibido, o faturamento mensal dessas entidades saltou de R$ 85 milhões para R$ 250 milhões — em um ano, elas receberam mais de R$ 2 bilhões, como revelou o Metrópoles em março.
Entre entidades que realmente existem e militam por direitos dos aposentados há décadas, há nessa lista associações de prateleira que firmaram acordo de cooperação técnica com o INSS quando tinham menos de dez filiados, como é o caso da Ambec, e tiveram um crescimento exponencial, chegando a mais de 600 mil filiados, em meio a acusações de fraudes nas filiações.
A farra do INSS revelada pelo Metrópoles também levou a investigações no Tribunal de Contas da União (TCU), da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal (PF). Responsável pelos contratos do INSS com as entidades, o diretor de benefícios do órgão, André Fidelis, foi exonerado do cargo após a série de reportagens. Em pedidos de busca e apreensão, a Polícia Civil paulista e o MPSP citaram matérias do Metrópoles que revelaram o envolvimento de Maurício Camisotti com a farra dos descontos.
O que dizem os envolvidos
Sobre as movimentações identificadas pelo Coaf, Maurício Camisotti afirma, por meio de nota, que foi demonstrado às autoridades que a movimentação é compatível, declarada e sem qualquer ligação com os fatos apurados”.
Ele disse ainda que “é acionista da Benfix”, uma “empresa especializada em serviços de apoio administrativo em geral” que “tem em seu portifólio de clientes as associações Ambec, Cebap e Unsbras”. Ele diz que “não exerce qualquer função executiva nas entidades e tem uma relação de prestadora de serviços com as associações, sempre atuando em total conformidade com a legislação e regulamentação vigentes”.
Camisotti afirma que já prestou esclarecimentos à polícia e nega que a Benfix tenha recebido R$ 10,8 milhões das três entidades. “Não houve tal recebimento pela Benfix, foram apenas movimentações financeiras interpretadas como pagamentos. A Benfix não recebeu a quantia informada”, diz. Ele afirma que “não há fraude e não há beneficiário” e que as movimentações financeiras são “totalmente regulares e devidamente compatíveis com os respectivos objetos”.
As três entidades investigadas pela Polícia Civil e pelo MPSP também negaram qualquer irregularidade nos descontos feitos sobre as aposentadorias e na relação com a Benfix.
“Antes de mais nada, é preciso deixar claro que todas as situações foram devidamente esclarecidas, sendo apresentadas as devidas evidências de consentimento da filiação, inexistindo assim o alegado crime de estelionato”, afirmam as entidades, por meio de nota.
As três entidades afirmam que mantêm “contratos de serviços com a Benfix”, mas negam os repasses no montante informado pelo Coaf aos investigadores. Segundo as entidades, os boletins de ocorrência feitos por aposentados “podem ser esclarecidos com as respectivas evidências de consentimento” e que “o volume é de baixa incidência em relação à carteira de beneficiários”.
“Como esclarecido anteriormente, Ambec e Cebap comprovaram o consentimento das filiações pelos aposentados com a apresentação das evidências às autoridades, afastando qualquer relação dos casos apresentados na investigação com estelionato”, afirmam.
Fonte: Oficial