São Paulo — A Defensoria Pública da União (DPU) afirmou em relatório que “há reiteradas situações de violação de direitos humanos” na retenção de imigrantes em uma área restrita no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo.
Em 15 de agosto, a DPU esteve presente na área restrita do terminal 3 do aeroporto, para “diagnóstico da situação e avaliação de medidas cabíveis”. A área restrita é uma região do terminal onde ficam os imigrantes ainda não admitidos, ou seja, que ainda não ingressaram no país oficialmente por estarem sem visto ou documentos.
“Foram encontradas crianças, adolescentes, pessoas dormindo no chão e uma crescente demanda por atendimento de saúde, com muitas pessoas apresentando sintomas gripais”, diz o documento.
A Polícia Federal (PF) contabiliza 466 imigrantes nessa situação, enquanto a DPU indica cerca de 550 pessoas. Um deles, nacional de Gana, morreu em decorrência de um infarto na última terça-feira (13/8). O imigrante foi levado ao Hospital Geral de Guarulhos para receber tratamento médico em 11 de agosto após se sentir mal na área restrita, mas não resistiu.
“A situação atual está bastante agravada pelo frio. A DPU constatou que muitos não receberam cobertores e passam as noites sem qualquer agasalho”, indica o documento.
Segundo uma imagem anexada pelo DPU ao relatório, o aeroporto restringiu o apoio aos imigrantes ali retidos. Em um cartaz escrito à mão e assinado pela “supervisão”, há orientações para não levar os “inads” (passageiros inadmissíveis) em “nenhum lugar”, como para comprar água ou café, ou ir à farmácia. “Não saem de forma alguma”, reitera o comunicado.
“As imagens são representativas de um tratamento inadequado com os migrantes, contrariando a legislação nacional e o dever de tratamento humanitário aos migrantes e potenciais requerentes de refúgio”, denunciou a DPU.
Maior fluxo de imigrantes
Em nota enviada ao Metrópoles, a PF informou que desde o mês de julho “vem sendo observado um incremento no fluxo de viajantes que chegam em trânsito internacional, mas deixam de seguir viagem, optam por não regressar ao país de origem, não podendo ingressar no Brasil por falta de visto”.
“Em sua grande maioria, terminam por solicitar refúgio visando entrar no Brasil ainda que sem a documentação pertinente”, diz o comunicado.
De janeiro a julho, a PF recebeu um total de 5.428 solicitações de refúgio, com média diária de 25 solicitações. Somente no mês de agosto, já foram 765 solicitações, o que gera uma média de 40 solicitações por dia. Nos últimos três dias, foram 261 pedidos.
“A Polícia Federal destaca que vem buscando otimizar processos e atuar em parceria com outras instituições visando maior celeridade e observância dos direitos humanos dos viajantes.”
Embora reconheça o trabalho da PF que vem sendo feito, a DPU considera, no entanto, “que tais esforços ainda são suficientes e entende que seriam necessários procedimentos mais ágeis para a liberação dessas pessoas”.
“Atualmente, não há estrutura adequada para prestar assistência durante o período de espera, como alimentação regular, proteção contra o frio e hospedagem. É fato que tem havido apoio em casos específicos para mulheres, crianças e idosos, mas a Defensoria alerta que é necessário aumentar as capacidades de processamento para que seja reduzido o tempo de espera no local”, informou a DPU em nota.
Em nota, o Ministério de Justiça e Segurança Pública (MJSP) informou que “está acompanhando o crescimento do fluxo de viajantes que chegam no Aeroporto Internacional de Guarulhos”.
“A Senajus [Secretaria Nacional de Justiça] informa que está estudando medidas estruturantes para esta questão, como discutido na audiência pública realizada na semana passada na Comissão Mista de Migrações Internacionais e Refúgio do Congresso Nacional”, diz a nota.
A reportagem entrou em contato com o Ministério Público Federal (MPF), mas não obteve retorno. O espaço permanece aberto.
Procurado, o Aeroporto Internacional de Guarulhos disse, em nota, que “informações sobre os inadmitidos devem ser obtidas com a Polícia Federal”.
DPU sugere solução
A DPU propôs, em recomendação emitida na última sexta-feira (16/8), a adoção de um procedimento chamado admissão excepcional ou entrada condicional. O órgão justificou a iniciativa de controle migratório, que é responsabilidade da PF, em razão do “processo de preenchimento das solicitações de refúgio ter se mostrado lento”.
A Defensoria Pública da União defende que, no ponto de fronteira, cabe apenas à autoridade migratória detectar, durante o atendimento, a intenção da pessoa migrante em solicitar refúgio ou buscar, mesmo que de forma genérica, proteção internacional.
Após isso, o procedimento seria o seguinte:
- Verificação, pelo agente do controle migratório, do interesse de solicitar refúgio;
- Admissão excepcional ao território;
- Registro da admissão sob a categoria própria ou outra que pareça mais adequada, dentro do Sistema de Tráfego Internacional;
- Após a admissão, a eventual colheita de termo de declarações simplificado e paralelo ao Sisconare, sistema do Ministério da Justiça por meio do qual se solicita o reconhecimento da condição de refugiado no Brasil;
- Orientação para acesso aos serviços de assistência social, bem como a notificação para solicitar refúgio pelo sistema Sisconare no prazo de oito dias.
Essas considerações foram debatidas em audiência pública no Senado Federal, no âmbito da Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados, na última quarta-feira (14/08).
“Esse procedimento permitiria que a pessoa fosse admitida no território nacional após ser identificada e, dentro de um prazo de oito dias, completasse a solicitação de refúgio”, diz a Defensoria.
“Tal medida, baseada na Lei de Migração e reforçada durante a audiência pública do Senado, visa desafogar a zona restrita do aeroporto e agilizar o controle migratório, evitando que o preenchimento completo do formulário seja um pré-requisito imediato.”
Fonte: Oficial