São Paulo —Há quem possa achar incoerente, mas eles defendem a tese de que não existe contradição. Nestas eleições, alguns — poucos— candidatos LGBTs exibem ao lado dos seus panfletos a foto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), enquanto outros — também poucos— se apresentam como lideranças evangélicas na esquerda.
Há três anos, quando o pastor Julio Carneiro decidiu se filiar ao Partido dos Trabalhadores (PT) na cidade de Piracicaba, no interior de São Paulo, ele disse que até mesmo integrantes da própria legenda se surpreenderam.
“Eu comecei a participar das reuniões do PT, as pessoas assustaram, vieram perguntar para mim se eu não era bolsonarista”, relembra o primeiro e até hoje único pastor da cidade a se filiar ao partido.
O pastor é líder da igreja Vida em Jesus e nestas eleições se candidata pela primeira vez a um cargo político, quer ser vereador do município. Ele diz que quando se filou ao PT, perdeu fiéis e mais de “mil amigos no Facebook”, brinca o religioso.
Na sua visão, o partido é a legenda que mais coloca na prática os conceitos da Bíblia. “Todos os mandamentos se resumem em dois: amar a Deus sobre todas as coisas e, ao próximo, como a ti mesmo. E, quando eu amo a pessoa, eu vou querer que ela tenha um bom hospital, um bom pronto-socorro, uma boa escola”, defende o líder religioso.
Em um campo político distante está Suellen Rayanne, filiada ao União Brasil, mulher transexual, ela concorre ao cargo de vereadora na cidade de Rio Claro, no interior.
Conhecida nas redes sociais como Trans de Direita, Suellen ganhou visibilidade com conteúdos críticos àquilo que ela define como “ideologia de gênero”.
“Acredito que pessoas conservadoras estão se acostumando com o fato de existir LGBTs de direita. Ou seja, eu acredito que há espaço para todos nós, né? E eu acredito que os LGBTs de direita merecem dialogar, nós merecemos um espaço”, explica a candidata sobre sua posição política.
Padrinhos políticos
Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nos últimos anos, faz acenos à comunidade evangélica, na qual viu seu apoio se esvaziar em grande parte das igrejas pelo país com o fortalecimento de discursos conservadores, imaginar o ex-presidente Jair Bolsonaro em uma parada LGBT+ parece ser mais inverossímil.
Candidatos LGBT+ bolsonaristas nestas eleições negam que o ex-presidente seja homofóbico, apesar de o político até ter sido condenado por declarações consideradas preconceituosas pelo judiciário.
“Eu, sinceramente, desconsidero tudo que o Bolsonaro falou, porque as ações dele valem muito mais do que as palavras. A gente não pode levar em consideração o que pessoas com mais de 70 anos falam sobre isso (em referência às pautas LGBT+)”, diz Douglas Garcia, candidato abertamente homossexual que concorre ao cargo de vereador pela cidade de São Paulo pelo União Brasil e que se declara bolsonarista.
“Ele nunca me destratou, já o conheci, tenho contato com ele. É uma pessoa que me respeita muito, tem admiração por mim, me trata super bem”, afirma Suellen Rayanne ao defender que Bolsonaro não seja transfóbico.
Base eleitoral
Candidato a vereador, Douglas Garcia já foi deputado estadual por São Paulo. Enquanto esteve na Assembleia Legislativa, foi acusado de transfobia e se tornou alvo de mais de 80 ações judiciais, mas diz que, mesmo com posicionamentos polêmicos, grande parte do seu eleitorado é formado por LGBTs de direita.
“Eles têm uma participação extremamente importante, gigantesca, eu diria. Essas pessoas, elas não fazem questão de expor a sexualidade delas, por isso você tem a impressão de que tem menos (em referência a LGBTs de direita)”, afirma o candidato.
“Não sou igual o Malafaia”
Enquanto muitos associam evangélicos no campo político a figuras como o pastor Silas Malafaia, que inclusive organizou o ato bolsonarista na Avenida Paulista no 7 de Setembro, Vini Lima, candidato do PSol, a vereador da cidade de São Paulo, é evangélico e fala abertamente sobre sua fé nas redes sociais. Vini explica que, quando participa de eventos ligados à esquerda, tem que se apresentar desmistificando o olhar sobre sua religião.
“Você tem que falar, eu sou o Vini, sou evangélico, mas, sempre tem esse ‘mas’. Não sou igual o Malafaia, não sou igual o Feliciano. E isso tem que acabar, essa necessidade de explicação para você ser visto e respeitado no meio da esquerda. Por que o Malafaia é evangélico e a gente é o evangélico progressista? A gente também é evangélico, apenas evangélico. Por que ele não é o evangélico fascista?”, questiona o político.
Ainda sobre a divisão de campos ideológicos, em Diadema, Pastor Rubens Cavalcanti (PV) é candidato a vice-prefeito da cidade na chapa em que o PT, com Filippi, encabeça a coligação. Ele diz acreditar que o cenário político está mudando.
“O Brasil viveu um momento intenso de extremismo na política, com falas que estimularam a divisão do nosso povo. Eu tenho sentido que a cada dia esse extremismo de ambos os lados vem caindo, as pessoas estão compreendendo que esse ódio não levou e não levará o nosso país a lugar nenhum”, opina o político e pastor.
Fonte: Oficial