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Gestão nacional da pesca melhora, mas ainda ameaça a vida marinha

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Gestão nacional da pesca melhora, mas ainda ameaça a vida marinha

Uma nova auditoria de entidade civil mostra avanços no gerenciamento governamental da pesca brasileira, mas também que a crônica falta de números confiáveis sobre quantidades pescadas segue pondo em risco a vida marinha e a própria atividade.

Um auto de infração de R$ 7,8 milhões foi garantido este mês pela Advocacia-Geral da União (AGU) para um barco que pescou ilicitamente mais de 15 toneladas de tubarão-azul (Prionace glauca), durante seis cruzeiros pela costa gaúcha.

O animal é listado como “quase ameaçado” por entidades conservacionistas no Brasil e no Exterior. Nessa categoria, o risco de extinção das espécies pode piorar em breve, por pressões justamente como da pesca descontrolada.

O réu alegou no caso que a pesca foi casual, junto de outros peixes. Mas, as toneladas de animais “foram evisceradas e descabeçadas, fato que demonstra que a pesca não foi ocasional ou acidental”, rebateu à Agência Brasil a desembargadora Vivian Pantaleão Caminha, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). 

O episódio mostra parte das dificuldades para assegurar que a vida marinha não seja dizimada por crimes e descontrole. Reduzir essas ameaças à biodiversidade e à própria pesca é mais desafiador pelas  falhas crônicas na gestão pesqueira.Conforme a quarta edição da auditoria nacional da pesca feita pelo braço nacional da ong Oceana, entidade que atua em 18 países, a gestão da atividade no Brasil melhora desde o início de 2023, mas precisa avançar muito mais. 

Embarcações pescadoras de atum. Foto: Ricardo Gomes/Oceana Brasil

Rapina aquática

A situação é sabida para apenas metade dos estoques pesqueiros e 66% deles sofrem pesca excessiva. Além disso, só 4% têm limites de captura fixados e planos de gestão foram renovados para apenas 8%. O restante segue a ver navios.

“O monitoramento é concentrado no Sul e Sudeste e ocorre porque foi condicionado à exploração de petróleo”, diz Paulo Pezzuto, da Universidade do Vale do Itajaí (Univali). “Uma situação de extremo risco se isso deixar de ser priorizado no licenciamento”, ressalta.

A precariedade se mantém com 12% das pescarias obrigadas a frear capturas acidentais, metade monitorando desembarques e 4% com acompanhamento a bordo, além de só 39% da frota entregando mapas de bordo, traçando onde barcos atuaram.

 “As pescarias e os estoques pesqueiros do país continuam, em sua grande maioria, extremamente mal administrados, com regramentos defasados, e com uma gestão desconectada de visões de longo prazo”, avalia Martin Dias, diretor científico da Oceana Brasil.

Isso pode encolher populações de espécies costeiro-marinhas, desequilibrar ecossistemas inteiros e comprometer estoques de pescarias artesanais e comerciais de variadas espécies, da tainha (Mugilidae sp.) ao pargo (Pagrus pagrus). “Temos que garantir um equilíbrio entre a extração e os estoques naturais pesqueiros”, pede Cadu Vilaça, oceanógrafo e presidente do Coletivo Nacional da Pesca e Aquicultura (Conepe), representante de sindicatos armadores e indústrias processadoras de pescados.

O pargo pode deixar de ser viável para pesca sem uma gestão pública efetiva. Foto: Julien Renoult/Creative Commons

Certo respiro

Quase todos os comitês permanentes e grupos científicos ligados à gestão federal da pesca foram reativados desde o início de 2023. Isso ajudou a limitar já este ano as capturas de espécies pescadas excessivamente, como a lagosta-vermelha (Panulirus argus)

“O ponto de inviabilidade econômica geralmente está acima do ponto de extinção das espécies. Uma população pode se tornar tão pequena que será economicamente inviável a seguir capturando”, descreve Martin Dias (Oceana Brasil). 

A transparência também melhora com registros online e público de barcos, pescadores, armadores e empresas foram listados. Antes, o acesso era só via Lei de Acesso à Informação (LAI). 

Isso pode levar à melhor vigilância da pesca em rios e lagos, não-embarcada e artesanal. Essa última somaria, só em Santa Catarina, cerca de 50 mil toneladas anuais, abastecendo restaurantes e outros pequenos negócios. 

“Falta muito para monitorar estoques e certificar o pescado”, diz Mary Lúcia, da Rede de Mulheres da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos (Confrem). 

Ao mesmo tempo, ongs, pescadores e pesquisadores esperam que a maré da gestão federal da atividade vença o sobe e desce desde a edição da lei da pesca, em 2009. Nesses 15 anos, a atividade esteve sob variadas secretarias e ministérios. Além disso, há 10 anos o país não tem estatísticas, não sabe a realidade da produção pesqueira. “Elas foram extintas quando o ministério tinha muito mais recurso do que hoje”, lembra Martin Dias (Oceana Brasil).

Pescador artesanal se equilibra sobre uma frágil embarcação. Foto: Christian Braga/Oceana Brasil

Números flutuam

O orçamento federal da gestão da pesca foi incluído pela primeira vez nos relatórios da Oceana Brasil. Ano passado, foi de R$ 188,7 milhões, ou mais de 1.000% acima do liberado em 2022, ainda no governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro.

Do total, 99% estão empenhados e 23% (R$ 43 milhões) já foram gastos, como em locação de mão-de-obra, passagens, diárias e contratos com terceiros. A pasta recebeu este ano quase R$ 351 milhões, ou mais 85% sobre o ano anterior.

“Se os recursos são suficientes ou não, depende muito de onde e como se quer chegar na gestão da pesca, mas o Brasil tem uma dificuldade muito grande de expor metas claras”, destaca Martin Dias (Oceana Brasil).

Já o secretário-executivo do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), Rivetla Cruz, diz que ampliar e melhorar a execução do orçamento depende de medidas como de agrupar dados difusos sobre a pesca no país a ampliar o número de servidores federais. 

“Assim iremos melhorar muito os indicadores apresentados [pela Oceana]. Os recursos pesqueiros são um bem comum. Sua gestão é uma questão de toda a sociedade”, diz Cruz, doutor em Ecologia Aquática e Pesca pela Universidade Federal do Pará (UFPA). 

Garantir isso pede medidas como ampliar as doses de Ciência e participação social na gestão da atividade, o monitoramento de barcos e integrar bases de dados, regular capturas conforme estoques e criar uma autarquia responsável pelas pescarias.

“Vizinhos latino-americanos como Chile, Peru e Argentina, mesmo com problemas políticos, têm instituições estáveis e bem estabelecidas que definem suas políticas nacionais de pesca. Isso é um diferencial”, destaca Martin Dias (Oceana Brasil).

Gaiolas para capturar crustáceos em barco no litoral paraense. Foto: Christian Braga/Oceana Brasil