A farmacêutica bioquímica aposentada Mary Alencar Lopes, de 67 anos (imagem em destaque), viajou de Recife (PE) para a capital paulista, em meados de julho, para realizar exames com um especialista em urologia.
Ela não imaginava que, na cidade onde pretendia solucionar um problema de saúde, acabou sofrendo graves lesões, propositalmente provocadas por um corredor amador que a agrediu no Ibirapuera, zona sul.
O Metrópoles mostrou que o parque mais famoso da cidade se tornou palco de casos de violência, nos quais mulheres — em sua grande maioria — são alvo de atletas amadores truculentos.
Empurrão e queda
Mary e a filha, a médica Raquel Alencar, desembarcaram em São Paulo no dia 16, dois dias antes da data marcada para a consulta, agendada para às 14h.
No dia 18, ambas resolveram fazer uma caminhada no Parque Ibirapuera, para aproveitar a manhã de sexta-feira, antes da consulta médica, no Hospital Sírio Libanês.
Perto de uma cafeteria, nas proximidades do portão de acesso 7, a aposentada percebeu que um homem “muito forte” corria na direção dela, “em alta velocidade”.
“Fiquei parada, acreditando que ele iria se desviar de mim. Aí, ele simplesmente não quis saber. Me deu um empurrão, com o cotovelo, um ‘chega pra lá’”.
A pancada sofrida foi tão forte que a vítima a comparou a uma “batida de carro”. “Caí e fiquei lá [no chão] com uma dor terrível. O rapaz ainda olhou para trás, correndo, e deu uma risada de deboche”.
Socorro sem médico
A filha de Mary priorizou o atendimento à mãe, ficando ao lado dela até que funcionários da Urbia Parques, concessionária do Ibirapuera, levassem a vítima até a enfermaria, em um carrinho elétrico. No local, ela afirmou que não havia médico.
Após um primeiro atendimento, a aposentada foi liberada da enfermaria, sem nenhum tipo de ajuda. Ela precisou caminhar, com dor extrema, até uma saída do parque, de onde acionou um carro de aplicativo.
“Meu pé parecia um ‘ferro e engomar’ roupa, porque eu o arrastei pelo chão, porque não conseguia levantar ele para andar”.
Por causa do incidente, ela não pôde realizar os exames que faria com o urologista, retornando para Recife com a ajuda de uma cadeira de rodas.
A Urbia Parques, responsável pelo administração do Ibirapuera, foi questionada sobre a onda de violência e sobre o caso de Mary. A concessionária repudiou a violência (leia a resposta da empresa mais abaixo).
Lesões e fraturas
Em São Paulo, Mary foi submetida a exames de raio-x, que não identificaram duas fraturas no braço direito, além de uma fissura na bacia, identificadas após ela ser submetida a tomografias, já na capital pernambucana. “Não vai precisar de cirurgia, graças a Deus, mas vou ter que ficar de repouso por um mês e, depois, fazer fisioterapia”.
A bioquímica aposentada afirmou ainda que, antes do incidente no Ibirapuera, mantinha uma rotina ativa. Ela ia com frequência à musculação e, três vezes por semana, levava o marido para a hemodiálise.
Toda essa rotina foi interrompida e, por causa das fraturas, ela precisa atualmente de ajuda para se levantar, comer e se deslocar em casa. Isso é feito, acrescentou, com a ajuda de uma muleta, mesmo assim “com dificuldade”.
Fratura exposta
Mary relatou ao Metrópoles que, um dia após o incidente, o amigo de um conhecido foi também alvo de violência no parque. O rapaz, disse, treinava com sua bicicleta quando foi empurrando por outro ciclista. “Ele caiu, quebrou o braço e teve fratura exposta”.
Nesse caso, assim como no de Mary e em outros mostrados pela reportagem, os agressores não socorreram as vítimas e, até o momento, não foram identificados.
Olho roxo
Relatos de agressões sofridas por mulheres durante treinos de corrida, no Parque do Ibirapuera, se disseminam pela internet. A violência ocorre, segundo as vítimas, quando homens agem de forma intolerante e agressiva pelo simples fato de algumas das mulheres correrem mais lentamente ou, ainda, “estarem no caminho” dos “machões”.
A atleta amadora Gleice Koyama ficou com o olho roxo (veja vídeo abaixo) após um corredor acertá-la com a mão fechada, durante um treino no Ibirapuera. Ela decidiu registrar o relato do caso, ocorrido em 19 de abril, em um vídeo compartilhado em seu perfil no Instagram. Veja:
Enquanto destaca o hematoma no olho direito, a vítima conta como foi ferida e por quem.
“Eu levei um soco. E foi correndo no Ibirapuera. Explicando resumidamente, eu estava correndo, assim, normal. Aí, do nada, do outro lado, o cara saiu sentido contrário, numa velocidade muito rápida mesmo, esbarrou em mim e, nisso, ele pegou aqui em cheio [com um soco] no meu olho direito”, detalhou.
Assim como ocorreu com outras vítimas, o agressor de Gleice não parou o treino para perguntar se ela estava bem e continuou correndo, sem prestar socorro.
Ela afirmou ao Metrópoles, nessa segunda-feira (4/8), que decidiu começar a treinar no Ibirapuera, há cerca de um ano, acreditando que estaria segura no parque. Após sofrer a agressão, ela conseguiu retornar ao local somente uma vez, em um treino coletivo — durante o qual se sentiu insegura e desconfortável.
Ombrada no maxilar
Dezenas de relatos de agressões durante treinos no Ibirapuera foram encaminhados para a corredora amadora, influencer e gerente internacional de vendas Noelle Pessoa, após ela compartilhar o caso na internet.
Ela afirmou à reportagem que iria registrar um boletim de ocorrência, ainda nesta semana, para que imagens de câmeras de monitoramento sejam disponibilizadas pela administração do parque à Polícia Civil.
No dia em que foi agredida por um homem — ainda não identificado por causa da ausência das imagens —, a atleta fazia um treino de corrida de 20 km no parque.
Em decorrência de uma inflamação, diagnosticada em 2017, ela passou a treinar no Ibirapuera, intercalando o sentido da corrida, para evitar sobrecarga no quadril — como indicado por um fisioterapeuta. Após percorrer 10km, seguindo a orientação do especialista, ela mudou o sentido do treino e percebeu que um homem — que vinha no sentido contrário — se aproximava.
De acordo com Noelle, ela se arriscaria caso tomasse a iniciativa de desviar, porque invadiria uma pista exclusiva para ciclistas. Já o corredor poderia mudar a trajetória, mas esperou até último instante, deixando o ombro bater no maxilar da vítima, aparentemente de propósito. Ela chegou a pensar que havia quebrado alguns dentes, tamanha foi a força da trombada.
Dados fechados sobre violência contra mulheres, no ano passado em São Paulo, indicam a incidência de 357 casos diários, considerando os 101 mil boletins de ocorrência registrados pela Polícia Civil e contabilizados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP).
O que diz a Urbia
Em nota enviada à reportagem, na noite dessa segunda (4/8) a Urbia, que administra o Ibirapuera, afirmou reprovar o comportamento “inadequado” do corredor que “esbarrou na visitante” e “a derrubou no chão, sem prestar apoio”.
A concessionária acrescentou que o atendimento da aposentada foi prestado por um enfermeiro, que “constatou” na vítima dor no braço, “sem escoriações e com movimentos preservados”.
Com base na avaliação visual ele liberou a vítima, após medicá-la e “por estar acompanhada da filha e não apresentar sinais de emergência que justificassem remoção por ambulância”.
A Urbia não se posicionou sobre outros casos de violência, nem quais medidas tomou ou irá tomar para inibi-los, afirmando repudiar “qualquer ato de desrespeito ou violência” e reafirmando “seu compromisso com o bem-estar e a integridade de todos os visitantes”, sem especificar de qual forma.
Fonte: www.metropoles.com