Quando garimpeiros ilegais começaram a invadir suas terras, há sete anos, muitos indígenas Yanomami se sentiram impotentes. Como vigiar um território quase do tamanho de Portugal, numa região remota da Amazônia, sem polícia, aviões ou tecnologia? Cerca de 20 mil homens invadiram a Terra Indígena (TI) Yanomami em busca de ouro e cassiterita, causando uma grave crise humanitária e ecológica.
Os Yanomami fizeram diversos apelos ao governo federal. No entanto, o país estava sob o comando do presidente Jair Bolsonaro entre 2019 e 2022, que apoia mineração em terras indígenas, mesmo que essa atividade seja proibida em qualquer circunstância pela Constituição brasileira. O ex-presidente e sua equipe paralisaram todos os esforços para expulsar os invasores da TI Yanomami.
Desamparados na maior terra indígena do país, em uma região remota que de fronteira com a Venezuela, os Yanomami concluíram que estavam sozinhos para proteger seu território. Em razão disso, em 2022, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) buscou parcerias para implementar e organizar um projeto de capacitação de jovens para o uso de drones. Maurício Ye’kwana, diretor da HAY, começou a desenvolver o projeto em 2021, como participante da cúpula climática COP26, em Glasgow. Na ocasião, ele entrou em contato com financiadores europeus que decidiram apoiar a iniciativa de formação através da organização humanitária internacional CAFOD.
Os 32.212 Yanomami e Ye’kwana, um grupo étnico que compartilha o território, não poderiam vigiar cerca de 10 milhões de hectares a pé e em canoas, mas com drones eles podem enxergar um pouco mais longe.

“O objetivo do curso era capacitar jovens Yanomami, tentar despertar a inovação no pensamento deles, para que pudessem atuar como multiplicadores de aprendizagem para outros jovens”, afirma Maurício à Mongabay.
Cidiclei Palimitheli, 26 anos, fez parte de um grupo que concluiu o módulo de formação avançada como operador de drones em setembro passado e pode agora utilizar esse equipamento no monitoramento e vigilância territorial. “Gostei muito desta oficina porque aprendi mais sobre como conduzir o drone e mapear o nosso território”, relata Palimitheli à Mongabay. “Nesta terceira fase avançada, a novidade foi deixar o drone decolar automaticamente”.
Palimitheli e os seus colegas consideram que a tecnologianão-indígena ajudará a preservar tradições culturais ancestrais e a reforçar a proteção ambiental num dos territórios indígenas mais emblemáticos do Brasil. Ele já faz parte de um grupo de proteção territorial em uma aldeia devastada por invasores. “Agora o drone vai me dar mais segurança para mapear as comunidades e ver se os garimpeiros estão por perto, ameaçando-as”, afirma.
Desde 2022, foram realizados três módulos de oficinas presenciais, com aulas teóricas e práticas em comunidades indígenas Yanomami no estado de Roraima, as mais afetadas pelas atividades de garimpo ilegal nos últimos sete anos.
“Eu passei a frequentar essas oficinas há dois anos e já aprendi muito”, disse Alexandre Ye’kwana, 24 anos, à Mongabay. “Por exemplo, quero mapear a área de mineração e já consigo fazer isso sem o professor. Já sei como fazer um plano de voo e aprendi mais sobre funções automatizadas”.
Inicialmente, o programa se concentrou na área de Roraima mais afetada pelo garimpo ilegal. No futuro, espera-se que o monitoramento por drones se estenda por toda a Terra Indígena Yanomami.

Esperança renovada
Quando Luiz Inácio Lula da Silva, venceu Bolsonaro para se tornar presidente em 2023, a esperança foi renovada para os povos indígenas no Brasil. O novo presidente prometeu expulsar os invasores dos territórios indígenas e proteger a Floresta Amazônica e todos os biomas do país.
A assistência aos Yanomami finalmente chegou em 2023. No entanto, logo ficou claro que os indígenas não poderiam contar apenas com os esforços do governo. Os garimpeiros ilegais resistiram a deixar o território, e muitos voltaram após as primeiras investidas. Agora, dois anos depois, os Yanomami reconhecem o sucesso nas ações de desocupação, mas o desafio continua no longo prazo. O governo federal realizou 3.536 operações para retirar os invasores, o que levou a um prejuízo de R$ 267 milhões para o crime organizado envolvido no garimpo ilegal no território e a uma redução de 91% na extensão de áreas de extração de ouro.
Para realizar a capacitação do programa de drones, a Associação Hutukara pediu ajuda ao Conselho Indígena de Roraima (CIR). De 2022 a 2024, foram realizadas três oficinas presenciais dos módulos iniciante, intermediário e avançado.
Giofan Erasmo, engenheiro agrônomo do Departamento de Gestão Territorial, Ambiental e das Alterações Climáticas do CIR, está entusiasmado com os resultados. Ele representou a organização parceira na missão, que considerou “muito bem-sucedida”. “Depois de estudar o módulo avançado, eles ensinaram outras pessoas a usar drones para tirar fotos do território indígena”, contou à Mongabay.

Erasmo formou diretamente seis Yanomami e Ye’kwana que, por sua vez, compartilharam o conhecimento formando outros oito jovens comunicadores Yanomami.
“Além de reforçar a proteção, este trabalho ajuda-os a compreender melhor o seu extenso território e a planejar e gerir as áreas onde as suas comunidades estão localizadas”, observa Erasmo. Ele explicou que o uso de tecnologias interativas facilitou muito o aprendizado e que, aos poucos, os alunos foram acrescentando ideias e sugestões para aplicá-las em suas comunidades.
O mapeamento de rios foi especificamente solicitado nas oficinas e como produzir fotos e vídeos georreferenciados. Os rios estão especialmente em risco no território, uma vez que o mercúrio proveniente do garimpo de ouro é o principal poluente da Amazônia, onde 20% dos peixes de consumo básico estão contaminados.
Para Erasmo, os resultados foram extremamente positivos. “Há três anos, eles não tinham a menor ideia sobre drones ou como usá-los, e agora já atingiram um nível avançado de operação. A partir de agora, eles poderão fazer um trabalho concreto em benefício de suas comunidades”, disse. Ele acrescenta que uma demanda futura de treinamento envolve o aprendizado sobre Sistemas de Informação Geográfica para expandir habilidades de elaboração de mapas.

Ele também disse acreditar que a origem indígena dos instrutores fez toda a diferença no projeto. “O ponto de vista do indígena é diferente do não-indígena, e como ‘parentes’ [expressão usada para designar outras pessoas de origem indígena, independentemente de sua etnia específica], conversamos e nos entendemos”, disse Erasmo, que pertence à etnia Macuxi. O agrônomo ainda explicou que, apesar de suas particularidades culturais, Yanomami e Macuxi têm visões de mundo semelhantes.
“Esta parceria é muito importante e muitas das suas colaborações são extremamente úteis. Os ‘parentes’ se dão bem, então eles podem aprender coisas facilmente uns com os outros”, disse Maurício Ye’kwana.
Ele afirma que os Yanomami precisam de treinamento contínuo para vigiar seus territórios, já que “o governo pode não continuar para sempre o que está sendo feito hoje”. “Os próprios Yanomami têm que ter um papel de liderança”, conclui o diretor da HAY.