A Justiça Federal brasileira decidiu, na última sexta-feira (24), que o licenciamento do projeto de extração de ouro Volta Grande, da empresa canadense Belo Sun Mining Corp, voltará a ser de competência da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas/PA). Com a decisão, o projeto da maior mina de ouro a céu aberto do país, na Volta Grande do Xingu, poderá ser destravado.
A decisão foi tomada por unanimidade pelo Tribunal Regional Federal em Brasília (TRF1). Ela reverte outra decisão do próprio TRF1, que em setembro de 2023 decidiu que a complexidade da obra, incluindo impacto a comunidades indígenas, exigiam que o licenciamento fosse executado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
A notícia, divulgada pela empresa um dia antes da publicação do acórdão da Justiça Federal, no dia 23 de janeiro, animou acionistas. Nos dias seguintes ao anúncio, as ações da multinacional alcançaram o maior patamar desde dezembro de 2022.
Em seu site, a empresa também comemorou. Ao comentar a decisão do TRF1, a presidente interina e CEO da empresa, Ayesha Hira, disse que a SEMAS/PA está “familiarizada” com o projeto.
“A empresa tem mantido uma relação construtiva e transparente com o SEMAS e estamos ansiosos para trabalhar com a agência para avançar no processo de licenciamento do PVG [Projeto Volta Grande], em conformidade com todas as leis e regulamentos relevantes, para o benefício de todas as partes interessadas, em particular as comunidades locais e os Povos Indígenas”, disse.
Impactos socioambientais
O Projeto Volta Grande compreende duas minas de ouro a céu aberto, a Ouro Verde e a Grota Seca, em Volta Grande do Xingu, para uma produção inicial estimada em 1,56 milhão de onças de ouro. A vida útil do projeto estaria entre 11 e 12 anos.
O empreendimento fica no município de Senador José Porfírio (PA), a menos de 50 km da barragem principal da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que já trouxe inúmeros impactos à região, e a pouco menos de 10 km da Terra Indígena Paquiçamba. Ao longo de seu tempo de atividade, a Belo Sun planeja retirar 39,7 megatoneladas de rochas do local.
Desde o anúncio do projeto, os impactos socioambientais têm sido levantados pelas comunidades que serão atingidas e organizações da sociedade civil.
Entre eles, estariam contaminação hídrica, poluição sonora devido ao uso de explosivos, poluição do solo e desmatamento, além de alterações no ciclo reprodutivo da fauna e alteração no regime tradicional de uso e ocupação de território.
Além disso, o conflito agrário é citado como um forte elemento de violação dos direitos humanos e aos modos singulares de uso da terra das populações que hoje ocupam a região.
A decisão do TRF1 de passar o licenciamento novamente à SEMA e a possibilidade concreta de o projeto andar, preocupam as comunidades afetadas.
“Diante do histórico de ameaças, hostilidades, discriminações e criminalização sofridas por diversos trabalhadores e trabalhadoras rurais, lideranças e defensores direitos humanos, situações estas diretamente relacionadas com o mega empreendimento minerário e diante da negligência e omissão do estado brasileiro na garantia do direito a defender direitos das pessoas defensoras da Volta Grande do Xingu, as populações estão temerosas”, disse, a ((o))eco, o advogado Diogo Cabral, que defende os sem-terra no processo.
Verena Glass, do Movimento Xingu Vivo, também relata a apreensão das comunidades pela continuidade do projeto.
“Assim que Belo Sun divulgou a reversão da federalização do licenciamento em suas redes sociais, agricultores, ribeirinhos e assentados que serão impactados pela mineradora começaram a receber uma chuva de mensagens, algumas dizendo inclusive que Belo Sun poderá iniciar os trabalhos imediatamente. Isso deixou o pessoal nos territórios muito preocupado e desnorteado”, disse, à reportagem.
Batalha judicial
A decisão do TRF1 na última semana foi mais uma ação de um imbróglio jurídico que se arrasta há mais de uma década.
Antes da decisão de passar a competência do licenciamento para o Ibama, o processo vinha sendo conduzido pela Semas/PA, que chegou a emitir as Licenças Preliminares (LP) e a de Instalação (LI), posteriormente invalidadas pela justiça.
A LI permanece suspensa, mas a LP foi revalidada pela SEMAS em 2022, após a aprovação pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) do Estudo do Componente Indígena da empresa.
Autor do pedido de federalização do licenciamento, o Ministério Público Federal informou que vai dar andamento na ação, mesmo com a decisão contrária da Justiça Federal na última semana. “Ainda cabe recurso no processo. O MPF irá recorrer. Assim que o órgão se manifestar no processo, retornaremos com as informações”, disse o órgão, por e-mail.
O Ibama, autor de embargo de declaração que culminou na decisão recém proferida pelo TRF1, foi procurado pela reportagem, mas não respondeu até o fechamento da matéria. O espaço permanece aberto.
Já a Belo Sun disse que agora apenas aguarda o retorno da documentação à Semas para dar início às próximas etapas do licenciamento e avançar na implementação do projeto.
Acesse a íntegra da decisão da Justiça aqui.