“Em junho de 2005, o sistema de monitoramento por satélite em tempo real do Inpe, o Deter, apresentou um dado inacreditável: a queda de 95% nas taxas de desmatamento na Amazônia em relação ao mesmo mês do ano anterior. Nunca antes uma redução como essa havia sido registrada”, o acontecimento inédito é um dos pontos de partida do novo livro do jornalista ambiental Claudio Angelo que, em parceria com o engenheiro florestal Tasso Azevedo, lança “O silêncio da motosserra”, uma minuciosa investigação sobre como o Estado brasileiro conseguiu frear a destruição na maior floresta tropical do planeta, a Amazônia – ao menos até 2012.
Vários fatores contribuem para a marca histórica: a economia em boa fase, o fortalecimento dos órgãos de fiscalização, a imagem da Amazônia como “pulmão do mundo” em foco na agenda internacional. Angelo vai a fundo para reconstituir o momento próspero e traz os bastidores dos órgãos competentes. Ele mostra como a tecnologia e o trabalho de cientistas e pesquisadores ligados à agenda ambiental foram cruciais para se chegar à marca.
O autor relembra legados, como o do engenheiro Alberto Setzer (1951-2023), fundador do programa de monitoramento de queimadas do Inpe; a atuação do professor Enéas Salati (1933-2022), que usou a física nuclear para esclarecer o transporte de umidade na floresta, isso nos anos 1970; e a presença de Clara Pandolfo (1912-2019), a cientista pioneira da Sudam [Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia], que contribuiu para a criação do Programa Nacional de Florestas. A lista se alonga.
Angelo começou a apuração para o livro em 2020, pouco antes da pandemia de covid-19. Consultou mais de cem importantes personalidades que lidaram com a preservação da Amazônia de forma frontal, entre elas, a ministra do Meio Ambiente Marina Silva, o Cacique Raoni, os ex-presidentes da República Fernando Henrique Cardoso e José Sarney, além de membros do alto escalão do Ibama e do Inpe.
A maioria das entrevistas foi feita por Zoom e a escrita se deu em circunstâncias vertiginosas, porque o jornalista precisou superar a solidão imposta pelo isolamento: acostumado com a cobertura em campo, ele só pôde sair novamente em setembro de 2021, depois da primeira dose da vacina.
Para entender o “milagre amazônico”, Claudio Angelo atravessa um deserto. E é feito um recuo temporal para explicar como a floresta foi pintada como matéria prima para um determinado grupo de pessoas mal-intencionadas.
Sob a mentalidade de tornar produtiva a terra virgem, durante as décadas de 1970 e 1980 se viveu um dos maiores períodos de exploração da Amazônia, com a criação de pastos gigantescos, abertura de estradas e exploração dos rios em busca de minérios.
O jornalista detalha como o gado se tornou a marca da civilização no Regime Militar, quando o governo fatiou territórios da floresta para grandes empresas, entre elas a Volkswagen: “o único lugar do mundo onde a montadora alemã produzia algo que não fosse carros”, destaca.
Angelo avalia que essa visão depreciativa da Amazônia persiste até os dias atuais, pensamento sustentado principalmente pelas elites locais. “A Amazônia é um lugar que vive muito uma mentalidade de fronteira, então, tudo é uma corrida do ouro, tudo é uma especulação, tudo ainda funciona nessa lógica do ‘eu vou chegar primeiro, eu vou pegar o que tem, eu vou garantir o meu’ que é um pouco como o Brasil foi constituído.”, diz Angelo ao ((o))eco.
Autor de “A espiral da morte” (Companhia das Letras), que narra os rumos assustadores do aquecimento global, o jornalista volta ao tema em seu novo livro para mostrar como os impactos do efeito estufa, da degradação ambiental e do severo aumento de temperatura estão alterando os ciclos climáticos e afetando diretamente a vida na Amazônia. “Eu enxergo hoje a mudança do clima como a principal ameaça à integridade da floresta”.
“Ninguém imaginava que a Amazônia iria ter duas estiagens consecutivas. É um evento para acontecer a cada 100 anos, e está se repetindo de cinco em cinco anos. E, desde o ano passado, já vimos duas grandes secas recordes na região. O desmatamento está em queda, mas a degradação [feita] por fogo está em alta. Mesmo controlando o desmatamento, podemos perder partes da Amazônia [por conta dos incêndios florestais]”, conta Angelo.
Em “O silêncio da motosserra”, o autor destaca os desafios do homem que tem como profissão fiscalizar e proteger o meio ambiente. Ele relembra episódios tensos, como a operação Boi Pirata, que apreendeu milhares de cabeças de gado utilizadas por grileiros na Terra do Meio (PA) – e conta como servidores do Ibama se fantasiaram de cowboys para conseguir informações e evitar uma emboscada armada por grandes donos de rebanhos. Isso em 2007.
Angelo também traz bastidores dos círculos de poder e mostra como a política feita pelos engravatados em Brasília influencia diretamente em ações cotidianas de órgãos ambientais. “Aprendi que quando o governo sinaliza que vai fazer algo, o setor produtivo da Amazônia responde muito rápido aos sinais de Brasília. Por exemplo, quando [o presidente] Fernando Henrique Cardoso disse que ia asfaltar a BR 163, houve um aumento de 500% de desmatamento. Quando o Bolsonaro anunciou que ia ‘meter a foice no Ibama’, as taxas de desmatamento decolam, assim como aumentam o número de invasões em terras indígenas, tudo acontece”.
Segundo ele, o desmatamento reage cada vez mais rápido aos discursos antiecológicos – muitos deles disseminados nas redes sociais: “Na época da Ditadura, essa dinâmica não era tão veloz. A ditadura precisou fazer um certo esforço para colocar os planos de integração em marcha na Amazônia, assim como as outras políticas predatórias’, analisa. ‘
A equação é complexa. Ao longo do livro, Angelo mostra como a Amazônia foi alvo da cobiça do regime militar e os governos, pela primeira vez, desenvolveram planos e políticas para a região. Os resultados controversos dessas ações são amplamente reconhecidos, mas um ponto chave discutido é a centralidade com que se pautou a floresta.
Ainda que para explorá-la, degradá-la, e alimentar um imaginário que transformava a natureza em produto. “Infelizmente, o único governo que teve um plano para a Amazônia foi na Ditadura Militar. Todos os outros governos reagiram à presença da Amazônia. A gente precisa de um governo que tenha a Amazônia como parte de um plano de desenvolvimento do Brasil. Porque enquanto a gente não olhar pra Amazônia com essa lógica de desenvolvimento, sempre vai existir a ameaça do grileiro, da motosserra, do Ricardo Salles, dos bandidos do Novo Progresso”, diz o autor.
Segundo ele, a Amazônia é ainda desconhecida para grande parte do Brasil. “Muita gente não imagina que existem cidades grandes e que a maior parte da população da Amazônia não é rural. As lendas e mistérios persistem na mentalidade do brasileiro”. Essa imagem folclórica da floresta ainda dificulta encampar pautas que coloquem o território em primeiro plano.
“Da redemocratização para cá. Manter a Amazônia é um imperativo civilizatório, ético, climático e, de certa maneira, econômico. Porque a gente pode se beneficiar muito da floresta, mas não é tirando minério nem fazendo exploração de madeira ou criando gado e plantando soja. A floresta em pé tem produtos e serviços importantes para a economia do Brasil”.