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Máfia das creches em SP movimentou R$ 1,5 bilhão em 5 anos, aponta PF

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Imagem colorida mostra refeitório de uma creche - Metrópoles

São Paulo — Alvo de uma longa investigação da Polícia Federal (PF) que já resultou no indiciamento de 111 suspeitos nesta semana, a máfia das creches acusada de desviar dinheiro do ensino infantil na Prefeitura de São Paulo movimentou R$ 1,5 bilhão entre os anos de 2016 e 2020 por meio de uma complexa rede de organizações sociais, escritórios de contabilidade e fornecedores de materiais e serviços.

Segundo a investigação da PF, que começou em 2019 a partir de indícios de fraude e sonegação no recolhimento de guias previdenciárias por parte de entidades que administram as creches terceirizadas da prefeitura, 36 organizações sociais participaram do suposto esquema de desvio de dinheiro da educação municipal, por meio de superfaturamento de contratos e emissão de notas fiscais frias.

Essas entidades são pessoas jurídicas sem fins lucrativos que, pelas regras da prefeitura, são contratadas sem licitação pela Secretaria Municipal da Educação. Na última terça-feira (30/7), a PF concluiu que houve desvio de dinheiro público e, além de indiciar mais de 100 pessoas, manteve aberta uma investigação para apurar possível envolvimento do prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), no caso.

De acordo com a PF, uma das principais empresas “noteiras” do esquema — responsável por emitir notas frias —, repassou R$ 1,3 milhão à Associação Amiga da Criança e do Adolescente (Acria), que era dirigida por uma funcionária da empresa da família de Nunes, além de ter transferido R$ 20 mil à Nikkey Serviços, que estava registrada em nome da mulher e da filha do prefeito, e mais R$ 11,6 mil ao emedebista, por meio de dois cheques. Nunes nega que os pagamentos tenham sido ilegais.

Contratos sob suspeita

Ampliar o número de vagas nas unidades de ensino infantil, de 0 a 3 anos, era uma das bandeiras de Nunes, que conseguiu zerar a fila da creche na atual gestão, ampliando a terceirização do serviço por meio de contratos com organizações sociais. As 36 entidades identificadas pela PF como relacionadas ao suposto esquema administravam 152 creches, a maioria nas zonas sul e leste.

Em comum, elas usavam um grupo de cinco escritórios de contabilidade acusados de fraudar as prestações de contas. Ao todo, segundo a PF, o grupo fraudou contas de 112 das creches sob responsabilidade deles. A maior parte dos desvios de recursos teria ocorrido por meio da simulação de compras de bens de consumo que não foram feitas para o atendimento das crianças nas creches, apontou a investigação.

Além dos cinco escritórios de contabilidade que interligavam as entidades, a máfia das creches se valeu de oito empresas “noteiras”, especializadas na emissão de notas fiscais frias. As entidades gestoras das creches recebiam dinheiro público da prefeitura e simulavam compras de merenda, material de papelaria e produtos de limpeza. As empresas “noteiras” forneciam parte dos produtos e devolviam parte do dinheiro às entidades, por meio de transferências ou simulações de outros tipos de serviços.

Vendas maiores do que o estoque

Ao analisar a quebra de sigilo bancário dessas oito “noteiras”, a PF identificou que “o total de vendas era 9 vezes superior ao valor das compras, segundo o relatório de conclusão do inquérito da PF, obtido pelo Metrópoles. Agora, o caso está nas mãos do Ministério Público Federal (MPF).

Uma dessas empresas é a TAG Distribuidora Delivery, que ficava na zona leste e já foi extinta. No caso dela, por exemplo, a investigação verificou que “as vendas (R$ 15.941.163,31) no período apontado [de 2016 a 2020] são 49.291% superiores às aquisições (R$ 32.275,29) de mercadorias por esta fornecedora”.

Ou seja, segundo a PF, a empresa tinha registros de ter comprado R$ 32 mil em mercadorias para vender às creches, mas declarou ter vendido R$ 15 milhões. A TAG atendia 68 creches, a maioria da zona leste. O mesmo esquema foi identificado pela PF nas outras sete empresas “noteiras”.

A partir dos dados Sistema de Identificação de Movimentação Bancária (Simba), a PF descobriu que um dos grupos de empresas associadas ao esquema movimentou, entre janeiro de 2016 e fevereiro de 2020, R$ 1,04 bilhão. Em um segundo grupo, a movimentação constatada pela investigação foi de R$ 466 milhões.

Alvos misturados

Outra característica da máfia identificada pela PF foi a troca de postos entre as 111 pessoas relacionadas ao esquema. O funcionário de uma creche era também sócio de uma empresa “noteira” e tinha parentes como funcionário de um dos escritórios de contabilidade.

Um dos indiciados é Erasmo Cordeiro de Oliveira, sócio do escritório de contabilidade Eco Assessoria Empresarial, que prestava serviço para 100 creches na cidade, de acordo com a PF. Ele foi presidente da entidade Abracci e era sócio também de três empresas apontadas como emissoras de notas frias. “Há inúmeros parentes do indiciado que trabalham em associações comprometidas (com prestações de contas fraudadas) vinculadas a seu escritório, denotando que é ele quem efetivamente as controla”, diz a PF.

Os trechos da investigação que tratam do prefeito Ricardo Nunes também apontam esse modo de atuação. A entidade Acria, que administra creches na zona sul, era presidida por Elaine Targino, que foi funcionária da Nikkey Serviços, empresa em nome da mulher e da filha do prefeito, mas que Nunes admitiu à PF ser controlada por ele.

A Acria contratava a Nikkey para prestar serviços que, de acordo com o prefeito, foram devidamente prestados, mas as investigações mostram que a entidade adquiriu R$ 2,5 milhões de uma empresa “noteira”, em nome de Francisca Jacqueline Oliveira Braz.

Entretanto, a PF apurou que a empresa de Francisca devolveu, por meio de suposta prestação de serviços, R$ 1,3 milhão à Acria, além de R$ 20 mil à Nikkey e R$ 11,6 mil ao prefeito, que nega que os pagamentos tenham sido ilegais.

A empresa de Francisca é a maior das “noteiras” identificadas pelo esquema. Ela, sozinha, realizou vendas às creches que somaram R$ 41,2 milhões. Mas os livros contábeis do mesmo período mostraram que a distribuidora de material de limpeza e de escritório havia adquirido apenas R$ 4,7 milhões em produtos de terceiros.

O Metrópoles não conseguiu contato com representantes da TAG e da empresa Francisa de Oliveira. Também não localizou Erasmo Cordeiro Oliveira nem Elaine Targino. O espaço segue aberto para manifestações.

Por meio de nota, a assessoria de Ricardo Nunes afirmou que o inquérito da PF começou em 2019, foi concluído a dois meses da eleição, e que o prefeito Ricardo não foi indiciado. “No procedimento, nunca houve nenhuma acusação contra Ricardo Nunes e a empresa Nikkey. Reforçamos: nenhuma acusação, nenhuma irregularidade”, afirma.

“Na conclusão do inquérito e apenas em razão de análise incorreta dos múltiplos documentos que foram juntados pela defesa, o delegado sugere que deveriam ser verificados os pagamentos que foram feitos à empresa Nikkey por serviços prestados, cujas notas foram contabilizadas e com os impostos recolhidos”, completa.

Fonte: Oficial