Levantamento realizado pelo De Olho nos Ruralistas mostra que, dos 100 maiores municípios do país, apenas 48 possuem secretarias ou órgãos próprios para a gestão dos temas ambientais locais. Nas outras 52 cidades, as tarefas de licenciamento, fiscalização, controle e monitoramento ficam a cargo de secretarias mistas. Em 30% do total dos grandes municípios, a sobreposição do tema ambiental se dá com secretarias que trabalham com o agronegócio, mineração e turismo.
Os dados fazem parte do dossiê “Os Gigantes”, lançado no final da última semana. A organização alerta para o possível conflito de interesses nessas sobreposições de temas em secretarias municipais. Agro, mineração e turismo são justamente os setores que dependem da expedição de licenças ambientais para atividades poluentes ou danosas ao ecossistema.
O Mato Grosso, segundo o dossiê, se destaca nesse conflito de interesses, já que, dos 20 municípios do estado que integram a lista dos “Gigantes”, somente seis têm secretarias totalmente dedicadas ao meio ambiente.
O Pará também também ganha atenção por ter dois municípios – Itaituba e Jacareacanga – com as maiores áreas dedicadas à mineração. Somadas, as lavras minerárias dos dois municípios são do tamanho da capital Belém. Em nenhum dos dois casos há uma pasta voltada para o meio ambiente: no caso de Jacareacanga, no extremo oeste, o orçamento é compartilhado com Turismo. Já em Itaituba, a situação é mais explícita: por lá a pasta é denominada Secretaria de Meio Ambiente e Mineração.
Em Itaituba, como revelou a Veja, em junho o prefeito celebrou a concessão de 400 licenças de exploração mineral em sua gestão. Segundo o dossiê do De Olho nos Ruralistas, durante a campanha para reeleição, o atual prefeito recebeu R$ 200 mil de um grande garimpeiro da região.
Os Gigantes
Os cem maiores municípios do país são responsáveis pela gestão de 37% do território brasileiro, área equivalente à Índia e maior do que todos os países da Europa Ocidental.
Entre janeiro de 2021 e julho de 2024, esses municípios perderam 22 mil km² de vegetação nativa, ou 38,4% do desmatamento registrado no Brasil no período. “O relatório mostra como as políticas públicas adotadas pelos prefeitos e secretários desses municípios provocam a destruição ambiental”, diz o De Olho nos Ruralistas.
O dossiê é resultado de um trabalho de quatro meses de investigação e coleta de dados a partir das bases do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), das próprias prefeituras e dos tribunais de Justiça.
Os cem maiores municípios do país se espalham por onze estados — nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste — e abrangem os biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal, além de uma porção do Chaco confinada dentro de propriedades privadas no município de Porto Murtinho (MS), na fronteira com o Paraguai. Os Gigantes têm 17 entre os 30 municípios que mais emitiram gases do efeito estufa (GEE) em 2023 – decorrente, em grande parte, da conversão de florestas em pastos.
“ É uma fatia decisiva e esquecida do Brasil”, aponta o diretor do observatório, Alceu Luís Castilho. “Esses municípios costumam ficar fora da cobertura eleitoral, diante da ênfase nos grandes centros urbanos, mas a importância ambiental deles é gigantesca. O impacto deles é planetário.”