As recém-concluídas eleições municipais no Brasil mostraram como o tema das mudanças climáticas e a agenda ambiental ainda estão longe do protagonismo no debate eleitoral. No estado do Rio de Janeiro, a cerca de 60 quilômetros da capital fluminense, uma cidade litorânea tenta desconstruir a dicotomia entre desenvolvimento e sustentabilidade. Trata-se de Maricá.
Em outubro, Washington Quaquá (PT) venceu o pleito municipal de Maricá, sinalizando a manutenção do atual grupo político que comanda a prefeitura. Eleito com 73,4% dos votos ainda no primeiro turno, Quaquá – que também é presidente estadual do Partido dos Trabalhadores no Rio de Janeiro, retorna a partir de janeiro de 2025 ao comando do executivo municipal para realizar seu terceiro mandato.
Em seu plano de governo para o período 2025-2029, as ações voltadas ao meio ambiente e sustentabilidade estão focadas na expansão das Estações de Tratamento de Esgoto da cidade (ETEs), além da implementação de projetos para aumento do uso de fontes de energia renováveis, a exemplo de hidrogênio verde e energia solar.
Essa meta é também baseada na preparação para um futuro onde a cidade não possa depender dos royalties oriundos da exploração do petróleo. Segundo relatório técnico do Centro de Pesquisas do Ministério Público do Rio de Janeiro (CPMPRJ), em 2019, o município de Maricá obteve, somente de Rendas Petrolíferas, o equivalente a R$9 mil per capita. A cidade ainda tem sua receita orçamentária dependente em 71,5% das rendas petrolíferas. Para fins comparativos, as rendas petroleiras correspondiam a somente 1,4% da receita orçamentária da cidade do Rio de Janeiro no mesmo período. O superávit obtido a partir da exploração de petróleo viabilizou projetos em busca do desenvolvimento econômico e social do município, como a criação da Moeda Social Mumbuca. Segundo estimativa da prefeitura, cerca de R$3 bilhões foram movimentados a partir da Moeda Social local entre 2018 e 2024.
O governo municipal tem dado passos tímidos no planejamento para se desvencilhar da dependência dos combustíveis fósseis. Um deles foi criar o Fundo Soberano de Maricá (FSM), aprovado em 2017, que, de acordo com o portal da prefeitura, “receberá mensalmente aporte correspondente variável, na faixa entre 1% e 5% do valor total da arrecadação (a soma do que é pago como royalties e as participações especiais), dependendo do volume recebido”. Até o momento, a estimativa é que o valor obtido pela prefeitura de Maricá com os royalties crescerão até 2036, quando então é esperado um declínio desta fonte de renda, conforme aponta estudo publicado em 2021 pelo Instituto Municipal de Informação e Pesquisa Darcy Ribeiro.
A Secretaria de Cidade Sustentável
Localizada na região metropolitana do estado, Maricá possui aproximadamente 63% de seu território protegido por unidades de conservação (UCs) estaduais e municipais. O município contabiliza seis áreas protegidas sob sua gestão. A gerência sobre as UCs é atribuição da Secretaria de Cidade Sustentável – uma das 32 pastas que compõem o poder executivo local. A secretaria também está encarregada de coordenar toda a política ambiental do município.
Dentre as Unidades de Conservação administradas pela prefeitura, está a Área de Proteção Ambiental (APA) das Serras de Maricá, localizada no bairro do Silvado. A sede da unidade foi inaugurada em dezembro de 2021, e com quase 3 mil hectares de área protegida, essa é a maior Unidade de Conservação municipal. Segundo o gestor, Felipe Zeidan, a APA é um braço importante do plano de ação da pasta, baseado nas iniciativas de educação ambiental.
Geógrafo formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Felipe Zeidan trabalha há sete anos na prefeitura de Maricá, e atua na Secretaria de Cidade Sustentável durante todo este período. Ele argumenta que uma das principais iniciativas da pasta está no trabalho de conscientização da população acerca de algumas práticas culturais enraizadas, como despejo irregular e queima de lixo urbano. Zeidan destaca que as atividades de conscientização ambiental são feitas a partir do trabalho conjunto entre a Secretaria de Cidade Sustentável e a de Educação. As atividades incluem visitas tanto de turistas quanto de alunos da rede pública às Unidades de Conservação, e conteúdos de educação ambiental incorporados na grade curricular das escolas municipais.
Segundo o gestor da APA, Maricá enfrenta historicamente o desafio de combater incêndios florestais, causados principalmente a partir da queima de resíduos. Dados do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ) mostram que entre janeiro e agosto de 2024, Maricá esteve entre as dez cidades fluminenses com mais ocorrências de incêndios florestais. Para enfrentar estes e outros percalços como a caça ilegal, a secretaria também atua em conjunto com o Grupamento Especial de Defesa Ambiental da Guarda Municipal (Gedam).
Guilherme Di Cesar; engenheiro florestal e Subsecretário de Cidade Sustentável de Maricá, admite que os avanços na agenda ambiental da cidade ainda são bastante recentes. Afinal, até o ano de 2012, o município não possuía sequer uma Secretaria de Meio Ambiente. O Subsecretário conta que, até então, a pauta ecológica era trabalhada apenas por um setor da Secretaria de Urbanismo. Durante o primeiro mandato do prefeito Washington Quaquá (2009-2012), Maricá iniciou um processo de estruturação das suas iniciativas voltadas ao meio ambiente.
Além do desmembramento da pasta de urbanismo e a criação de uma secretaria própria, ainda em 2012 foi instituído o Conselho Municipal de Meio Ambiente. Essa iniciativa permitiu com que o poder público trabalhasse a pauta “junto aos maricaenses”. “O principal canal de comunicação da sociedade civil com a Secretaria [de Cidade Sustentável] é o Conselho Municipal de Meio Ambiente”, afirma o subsecretário. Segundo ele, “é ali que a gente escuta as demandas da população, é um conselho bem atuante”, informa.
Em dezembro de 2023, por exemplo, atendendo a pedidos da associação de moradores do bairro de Itaipuaçu, a secretaria registrou a criação da Unidade de Conservação Refúgio da Vida Silvestre da Lagoa de São Bento, com cerca de 7 hectares.
Desafios ambientais
A chegada do grupo político de Quaquá à prefeitura coincide com o início de uma série de transformações socioeconômicas em Maricá. O efeito do petróleo no orçamento é seguido por um crescimento significativo de sua população. A cidade registrou um aumento populacional de 54,87%, conforme ilustra o último censo do IBGE (2022). “Eu tô aqui há 13 anos acompanhando toda essa movimentação, essa nova realidade de Maricá. A gente está tentando disciplinar esse ordenamento urbano, para que a gente possa organizar tudo o que está acontecendo”, diz Guilherme.
Ao pensar nos desafios atrelados à contenção do desenvolvimento de sua malha urbana, optou-se por uma mudança estratégica da pasta. Em 2017, durante o primeiro mandato do atual prefeito, Fabiano Horta (PT), a então Secretaria Municipal de Meio Ambiente foi renomeada para Secretaria de Cidade Sustentável.
Nos moldes dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ODS/ONU) lançados dois anos antes, Horta alterou o nome da secretaria a partir de um objetivo central: aproximar o dever ambientalista do Estado com a continuação do processo de crescimento econômico presente no seu plano de governo. Passados sete anos, a estratégia é tida como um sucesso pelos integrantes do gabinete.
“Quando você entra com o termo da ‘Secretaria de Cidade Sustentável’, parece que ameniza um pouco essa imagem que as pessoas tinham de um órgão fiscalizador. ‘A Secretaria de Clima e Ambiente só aparece quando eu estou fazendo alguma coisa irregular’, por exemplo. Por trabalhar em várias frentes, você tira essa imagem que a gente tinha de ser um órgão repressor, que só está ali pra multar. Quebrou um pouco esse gelo”, explica Guilherme Di César.
Apesar dos avanços conquistados pelos setores ambientalistas locais, Maricá segue com problemas crônicos em seu ecossistema. Para Luiz Firmino, Doutor em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e ex-presidente do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), a despoluição da Lagoa de Maricá permanece como um problema a ser solucionado. A principal bacia hidrográfica da cidade sofre com o despejo de esgoto in natura. Desde a privatização da CEDAE (Companhia Estadual de Água e Esgoto), a prefeitura municipalizou o programa de saneamento básico, através da criação da Companhia de Saneamento de Maricá (Sanemar) em 2019.
A meta estabelecida pelo governo de Fabiano Horta previa atender 30% da população com saneamento básico. Até junho, a cobertura de tratamento de esgoto na cidade era de apenas 16%. Durante o período de responsabilidade da CEDAE, somente 1,18% dos maricaenses eram atendidos com esgotamento sanitário. Até o momento, o município conta com duas Estações de Tratamento de Esgoto.
“Tanto o despejo de esgoto nas lagoas, nos diversos trechos da Lagoa de Maricá, como a questão do abastecimento da água, ainda são duas questões que precisam ser equacionadas”, destaca Firmino. Dados do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS) de 2022 mostram que quase 83 mil moradores não têm acesso à água – o equivalente a 42,03% do total de habitantes do município. Para contornar isso, Felipe Zeidan afirma que a Secretaria de Cidade Sustentável possui projetos, como é o caso do Maricá+Verde, para recuperação da mata ciliar dos rios em locais de degradação.
Para Fábio Ferreira Dias, professor do departamento de análise Geo Ambiental da UFF, outra questão enfrentada pela Secretaria de Cidade Sustentável está na ocupação das áreas costeiras do município. “O crescimento acaba sendo inevitável, então o que a gente tem que pensar é em ter um crescimento sustentável, capaz de comportar essa expansão urbana”. Entre as iniciativas para amenização destes impactos, a secretaria anunciou em março deste ano um projeto de restauração das restingas de Maricá, que busca cobrir os 34 km de área costeira da cidade.
Além da ocupação imobiliária, fruto do processo migratório para o município, Ferreira traz ressalvas às obras de construção do Porto de Jaconé. Em março, por decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi autorizado o começo das construções dos Terminais de Ponta Negra de Maricá (TNP). O projeto foi alvo de imbróglio judicial desde 2009. Em coletiva de imprensa após a vitória no pleito municipal, o prefeito eleito Quaquá disse que pretende utilizar os recursos do Fundo Soberano de Maricá para viabilizar a construção do porto. De acordo com a Lei municipal nº 3.341, de 15 de junho de 2023, a prefeitura precisará abrir um referendo para estar autorizada a retirar mais de 50% dos recursos do Fundo.
Antes conhecida como uma cidade dormitório – isto é, onde seus habitantes não vivem plenamente no município, e trabalham em outras localidades – o projeto desenvolvimentista de Maricá busca também valorizar o território. Esse processo inclui uma lógica de reforçar um sentimento de orgulho do espaço. Descrevê-la enquanto uma “cidade das utopias” tem sido constantemente pregada por Quaquá e funcionários da prefeitura. “A gente precisa viabilizar esses sonhos, sem segregação, de espaço para todos”, frisa o Subsecretário Guilherme Di César.
O plano de governo para os próximos quatro anos prevê ações de promoção da cidade de Maricá, valorizando-a como um caso de sucesso da administração municipal. Nesse sentido, é necessário pensar em um modelo de gestão que busque desenvolvimento atrelado à sustentabilidade, e que reconheça a centralidade da pauta ambiental no contexto presente de mudanças climáticas.
Para isso, Maricá precisará subverter a lógica desenvolvimentista da exploração do petróleo, e pensar em um legado real de desenvolvimento socioambiental. Assim como os recursos dos royalties são finitos, é também a oportunidade que a prefeitura tem de capitalizar em cima deste superávit econômico e pensar em um modelo de gestão pública para se tornar referência em sustentabilidade no futuro.